Entenda a denúncia contra Renan Calheiros

01/12/2016 às 19:13
Leia nesta página:

O artigo trata da denúncia envolvendo o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros.

A DENÚNCIA CONTRA RENAN CALHEIROS

Rogério Tadeu Romano

Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão do dia 1º de dezembro do corrente ano,  recebeu parcialmente a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Inquérito (INQ) 2593 contra o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, pela suposta prática do crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal (CP). Segundo a peça acusatória, Renan teria desviado parte da verba de representação parlamentar, cuja finalidade é unicamente a de custear despesas no exercício do mandato, para pagar pensão alimentícia de filha. A denúncia foi rejeitada em relação aos crimes de falsidade ideológica (artigo 299 do CP) e uso de documento falso (artigo 304 do CP).
O senador vai responder por peculato, acusado de pagar com recursos ilícitos pensão a uma filha entre 2004 e 2006. 
Votaram pelo recebimento da denúncia, com maior ou menor extensão em relação ao pedido da PGR, os ministros Edson Fachin (relator), Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Pela rejeição da denúncia, votaram os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes.
Inicialmente, Renan era investigado porque teria pago pensão a uma filha que teve fora do casamento com dinheiro da empreiteira Mendes Júnior. À época, a Conselho de Ética do Senado abriu investigação, e o presidente da Casa sustentou que pagava a pensão, em parte, com recursos provenientes da venda de gado.
Ao longo do tempo, o foco do inquérito mudou. Segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), Renan destinava cerca de metade da verba indenizatória mensal de seu gabinete no Senado a uma locadora de veículos. A empresa lhe teria feito empréstimos, que também foram usados para justificar sua renda.
Ainda de acordo com a denúncia da PGR, Renan apresentou documentos com teor falso ao Conselho de Ética no Senado para comprovar renda a partir da atividade rural –como recibos de venda de gado, fichas de vacinação e notas ficais. Em alguns casos, segundo a investigação, os documentos se referiam a fazendas de terceiros.
O ministro relator entendeu que há indícios de autoria e materialidade quanto ao crime de peculato, conforme apontado por quebra do sigilo das contas de Renan. Para Fachin, há evidências de que Renan usou verba indenizatória do Senado para custear parte da pensão de sua filha.
Já quanto à denúncia de falsidade ideológica e uso de documento falso, Fachin entendeu que parte já teve a pena prescrita –no tocante a documentos particulares, como contratos de empréstimo– e outra parte –referente a documentos públicos, como fichas de vacinação– não merece ser recebida. Isso porque a PGR não explicou exatamente qual informação falsa foi inserida nos documentos apontados.
Na fase de recebimento da denúncia, onde há uma cognição superficial, recebe-se a inicial se há indícios suficientes de materialidade e de autoria, respondendo o réu pelos fatos e não pela classificação legal. O Supremo Tribunal Federal ao receber a denúncia, por maioria, executou um juízo de delibação, uma vez que o mérito deve ser analisado em sua totalidade, quanto do julgamento do pedido condenatório apresentado pela acusação após o juízo de instrução, obedecido o devido processo legal, diante do necessário contraditório onde será dado o amplo direito de defesa ao réu. 
O peemedebista é acusado de destinar parte da verba indenizatória do Senado (destinada a despesas de gabinete) para uma locadora de veículos que, segundo a PGR, não prestou os serviços. No total, o senador pagou R$ 44,8 mil à Costa Dourada Veículos, de Maceió, entre janeiro e julho de 2005. Em agosto daquele ano, a empresa emprestou R$ 178,1 mil ao senador.
Observa-se o crime de peculato na forma do peculato-desvio.
Comete o crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal, o agente público que se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou os desvia, em proveito próprio ou alheio.
O agente deverá ter a posse que lhe foi confiada em razão do cargo, ou seja, em virtude de sua competência funcional.
O peculato diz respeito a coisas fungíveis ou infungíveis. Envolve o que o Código Toscano, no artigo 56, chamava de quebra de caixa, que se configurava quando o funcionário deixava de apresentar os dinheiros devidos na época da respectiva prestação de contas.
Pratica o peculato o servidor que se apropria de dinheiro embora pretenda devolvê-lo por ocasião da prestação de contas. 
Pressuposto do crime é o fato de que o agente tenha a posse legítima de coisa móvel (dinheiro, valor ou qualquer outro bem). Não é a posse civil bastando a detenção.
Se o sujeito ativo não tiver a posse estamos diante de peculato-furto, previsto no artigo 312, § 1º, do Código Penal.
A posse da coisa, poder de disposição, deve resultar do cargo, sendo indispensável uma relação de causa e efeito entre o cargo e a posse.
A conduta deve recair sobre os objetos móveis enumerados pela lei penal. Se não for assim, estar-se-ia perante uma conduta atípica.
São condutas típicas para efeito do crime de peculato: apropriação ou desvio, podendo o tipo configurar-se mediante o dolo específico, principalmente com relação ao peculato-desvio.
Apropriar-se significa assenhorear-se da coisa móvel, passando dela a dispor como se fosse sua.
Desviar é dar à coisa destinação diversa daquela em razão de que  foi-lhe entregue ou confiada ao agente.
Já entendeu o Supremo Tribunal Federal que constitui peculato, em tese, a aplicação de dinheiro público em proveito próprio ou de outrem, embora com a intenção de restituir (STF, APN 218, DJU de 5 de maio de 1978, pág. 2977).

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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