Direito à privacidade: uma análise crítica do filme Invasão de privacidade

06/12/2016 às 09:40
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O presente artigo tem por objetivo fazer análise crítica do filme Invasão de Privacidade, levando em consideração o Direito à Privacidade.

Em relação ao Direito de Privacidade foi eleito o filme Invasão de Privacidade de Philip Noyce. O filme se passa em um luxuoso prédio em Manhattan, onde se iniciam uma séria de assassinatos. O interessante da narrativa é a discussão do voyeurismo de um dos moradores, o qual possui um sofisticado sistema de câmaras secretas por todo o prédio, incluindo banheiros e quartos. O mesmo morador possui um quarto equipado por inúmeras câmaras das quais consegue ter acesso a vida íntima de todos os moradores do prédio. A essência do filme orbita que fenômenos considerados tabus culturais – como relação de incesto e pedofilia, masturbação, adultério e cleptomania – ou acontecimentos de foro íntimo – como discussões familiares e a relação íntima dos moradores.

O clímax do filme se dá quando umas séries de assassinatos se iniciam e apenas o vouyerista pode ajudar, pois é o único que tem acesso às câmeras. Porém, até certo ponto o roteiro deixa em dúvida o telespectador, havendo a possibilidade do próprio vouyer ser o assassino.  

Sobre a questão do vouyerismo, tratado no filme, não obsta asseverar inicialmente a questão psicanalítica e psicológica. Esta psicopatologia se refere a uma parafilia que se conceitua pelo impulso sexual do indivíduo em querer observar pessoas, não necessariamente em atividade sexual (LAPLANCHE; PONTALIS, 2001). No caso do filme, o prazer do protagonista estava em observar a vida dos moradores do prédio, nesta brincadeira criminosa, ele observava o cotidiano normal das pessoas, que muitas vezes estavam envolvidos em atividades moralmente recriminadas.

A intimidade, como aponta Davidoff (2005), nasce no século XIV, até então as construções das casas não eram feitas com corredores, os cômodos eram ligados por portas, de forma que para passar para outro cômodo da casa, necessariamente era necessário passar pelo cômodo anterior. Esta arquitetura ainda era observada nos castelos, de forma que, para se chegar ao último quarto ou alcova, era necessário passar pelos anteriores, incluindo quartos e banheiros. Assim, não há dúvida de que nesta natural ação de se movimentar entre os cômodos, os integrantes das famílias ou os servos das famílias nobres, ao passar pelos cômodos, entravam em contato com atividades naturais – porém que na sociedade contemporânea são motivos de vergonha, tais como relacionados à sexualidade, a higiene, a excreção e a evacuação.  De acordo com o mesmo autor, a construção dos corredores, com o fim da Idade Média, fez com que as pessoas valorizassem mais suas atividades privadas, de modo que, doravante, as pessoas tinham comportamentos de foro íntimo e que não poderiam ser comentados ou expostos às demais pessoas. A sociedade Moderna e Contemporânea fez com que se valorizasse mais a vida íntima de cada indivíduo. Mais do que isto, a intimidade, não apenas no seio familiar, como diante da própria sociedade se torna um Direito imprescindível à boa relação das pessoas. 

O filme Invasão de Privacidade, pois, aponta para a ruptura deste fenômeno, uma vez que o protagonista tinha acesso à vida de todos os moradores, nos momentos mais íntimos. Como em um reality show, as pessoas se tornam objetos que podem ser observadas e analisadas. É como se o protagonista tivesse o dom divino da onisciência. Por um lado, o filme expõe um aspecto positivo deste poder, como na cena em que o vouyer ameaça o pedófilo, fazendo com que ele não molestasse mais sua enteada. Ao mesmo tempo, foi graças ao mesmo fetiche que o vouyer sabia quem era o assassino e pode impedir que ele matasse sua última vítima. 

Ainda em uma crítica, é possível dizer que políticas como a utilização de microchips que localizam pessoas, aparentemente futuristas, ou mesmo a enorme quantidade de câmeras de segurança espalhadas pelas cidades, apontam para uma grave ameaça ao Direito à Intimidade, uma vez, a partir do momento em que o Estado tem o Direito de saber onde está qualquer pessoa, não haverá mais atividade ou comportamento de foro íntimo, pois o Estado terá acesso à vida de todas as pessoas. Não há dúvida de que, assim como algumas empresas tem acesso – de modo ilícito – aos antecedentes criminais, por meio do suborno de delegados e investigadores, é bem provável que no futuro também será possível o acesso e a localização das pessoas por pessoas não autorizadas.

Por um lado, câmeras de segurança ou microchips que localizem pessoas seriam de grande valia para localizar criminosos foragidos, pessoas perdidas em desastres ou seqüestradas; ainda no âmbito criminal, seria possível pensar que estas novas ferramentas estariam ligadas à políticas de combate ao crime. Não obstante, será que estas novas políticas e tecnologias não seriam um retrocesso, à medida que os homens perderiam cada vez mais seu Direito à Intimidade. A discussão que se deve fazer é: quais serão os bônus e ônus que devem ser considerados diante de tais políticas?

Referências

Davidoff, Linda. Introdução à Psicologia. São Paulo: Makron, 2005.

Laplanche; Pontalis. Vocabulário Psicanalítico. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

Noyce, Phillip. Invasão de Privacidade. Paramount Pictures, 1993.

Sobre os autores
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Renata Adaid

Design Gráfica e Brachaleranda em Direito pela Puc Campinas

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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