Serviço público e vida privada do servidor

07/12/2016 às 11:10
Leia nesta página:

Até que ponto se pode estabelecer um limite entre a conduta do servidor no ambiente de trabalho e na vida particular é uma linha que muito deixa dúvida. Não se admite que integrante de Corporação indecoroso na vida privada.

Resumo

Até que ponto se pode estabelecer um limite entre a conduta do servidor no ambiente de trabalho e na vida particular é uma linha que muito deixa dúvida. Não é possível admitir que um integrante de uma Corporação que zela pela moralidade e decoro, seja visto na comunidade como praticante de condutas reprováveis. Inegável é a profundidade que uma conduta, mesmo que no âmbito particular, alcança quando vem de um servidor da área policial.

Palavras-chave: serviço público. Vida privada. Conduta.

Introdução

            O questionamento que muito se tem feito é até que ponto a conduta particular do servidor público pode interferir no âmbito profissional, quando se fala em preservar a imagem e os valores da instituição que este está vinculado.

Essa necessidade de preservação da imagem institucional se acentua mais ainda quando o servidor em questão é da área da segurança pública, serviço delicado e exposto aos comentários midiáticos.

            Inegável é a profundidade que uma conduta, mesmo que no âmbito particular, alcança quando vem de um servidor da área policial, haja vista o sensacionalismo jornalístico atual.

O controle institucional

            A Constituição Federal de 1988 traz a Segurança Pública como obrigação do Estado e dever de todos. O artigo 144, CF/88 trata da segurança pública e dos órgãos que a integram e incumbe à Polícia Militar a atividade de policia ostensiva e de preservação da ordem pública. Nesse contexto, as polícias militares estaduais desempenham um papel de maior relevância na garantia dos poderes constituídos, bem como na manutenção de uma sociedade pacífica.

            Com certeza, o policiamento ostensivo traduz uma sensação de segurança e é capaz de inibir condutas atentatórias à ordem pública, fazendo com que seja notada a presença do Estado.

            É também um serviço essencial, previsto constitucionalmente para a garantia das liberdades e da dignidade da pessoa humana, razão pela qual o trabalho dos agentes de segurança deve se pautar na ética e na legalidade, como pilares para a boa prestação dessa atribuição estatal.

            Mas até que ponto se pode estabelecer um limite entre a conduta do servidor no ambiente de trabalho e na vida particular é uma linha que muito deixa dúvida.

Exemplo de legislação aplicada a este questionamento, no caso dos militares estaduais, no Ceará, é o art. 11 da Lei estadual nº 13.407, de novembro de 2003, que institui o Código Disciplinar da Polícia Militar do Ceará e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará:

Art.11 - A ofensa aos valores e aos deveres vulnera a disciplina militar, constituindo infração administrativa, penal ou civil, isolada ou cumulativamente.

Para melhorar o nosso entendimento, não é possível admitir que um integrante de uma Corporação que zela pela moralidade e decoro, seja visto na comunidade como praticante de condutas reprováveis, mesmo que fora do exercício da função.

Faz-se oportuno expor aqui o posicionamento de tribunais, vejamos:

Ementa: AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. POLICIAL MILITAR. PROCESSO ADMINISTRATIVO. CONSELHO DE DISCIPLINA. APLICAÇÃO DE PUNIÇÃODISCIPLINAR. EXCLUSÃO. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS RESPEITADOS. SALVO EM CASOS DE IRREGULARIDADES, NÃO DEVE O PODER JUDICIÁRIO APRECIAR O MÉRITO ADMINISTRATIVO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. "Demonstrada quantum satis a regularidade formal do procedimento administrativo disciplinar que ensejou a demissão de policial militar, principalmente se atendidos os princípios da ampla defesa e do contraditório, não cabe ao Poder Judiciário ingressar na análise meritual afeta à discricionariedade do ato, sobretudo quando do seu exercício não se vislumbra ilegalidade ou afronta aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade." (Apelação Cível n. 2005.033728-7, da Capital, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 29.11.2005) Não se pode perder de vista, ainda, que a hierarquia e a disciplina, fundamentos vetores das instituições militares, impõem maior rigor na análise de razoabilidade e proporcionalidade. É impossível comparar os atos punitivos impingidos ao servidor civil com aqueles a que está submetido o militar. Com efeito, "os princípios que regem a vida militar (decoro e ética) irradiam sua aplicação tanto no âmbito da corporação, como fora dela. Portanto, se entendeu a autoridade superior que as condutas praticadas pelo recorrente eram imorais ou ilegais, ainda que realizadas em órgão diverso daquele a que pertencia o impetrante, não há ilegalidade neste julgamento, tampouco, como já referido, pode ser revista a sua conclusão, sob pena de se incursionar na discricionariedade administrativa" (STJ, RMS 15.037, Min. Maria Thereza de Assis Moura).

Os atos da vida privada do militar, para constituírem infrações funcionais, devem constar expressamente no estatuto disciplinar militar como conduta passível de punição.

Conclusão

Nesse sentido, a vida privada do agente de segurança pública pode sim se confundir com a imagem da instituição, e assim ele, mesmo não estando em serviço, responder disciplinarmente por violação da lei na Controladoria Geral de Disciplina, pois o regime disciplinar não se preocupa somente com os atos desempenhados no exercício da função. Em virtude da moralidade e da seriedade da instituição para com os que a ela estão relacionados (servidores e destinatários do serviço) é que se busca preservar a imagem e a credibilidade da corporação.

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Referências:

BRASIL. Constituição Federal de 1988;

Lei Estadual nº 13.407, de novembro de 2003, que institui o Código Disciplinar da Polícia Militar do Ceará e do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará.

www.jusbrasil.com.br]www.jusbrasil.com.br. Acesso em 25 de novembro de 2016.

NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 8ªed. São Paulo: Método, 2012.

Sobre o autor
Francisco Bernardo de Araujo

Bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP; Sargento da Polícia Militar do Ceará

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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