Spinoza e a educação transformadora

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17/12/2016 às 18:47
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É extremamente desafiador apresentar o conhecimento conforme concebido por Benedictus (Baruch Spinoza que expôs toda sua capacidade de ser transformador e libertador particularmente através da educação.

É extremamente desafiador apresentar o conhecimento conforme concebido por Benedictus (Baruch[1]) Spinoza que expôs toda sua capacidade de ser transformador e libertador particularmente através da educação.

Spinoza não pareceu estar preocupado em enfocar diretamente sobre a relação entre a filosofia e a educação, porém, atribuiu grande importância ao saber, ao conhecimento reconhecendo ser este o único meio que permite o homem alcance a liberdade.

O primeiro estudo sobre a relação do pensamento de Spinoza e a educação fora realizado por William Rabenort que foi publicado em 1911, em sua obra chamada “Spinoza as Educator” (Spinoza como educador).

Spinoza defendia que o homem tivesse liberdade de pensar e, ele mesmo, querendo não comprometer a sua liberdade, recusou-se a ser professor na Universidade de Heidelberg, o que denota seu pensamento sobre um direito primordial do indivíduo: a liberdade de filosofar.

Presume-se que Spinoza entendeu que o professor não deve estar condicionado a ensinar aquilo que lhe é proposto pelas instituições educacionais, pela religião dominante ou mesmo pelo Estado. Um professor assim como qualquer indivíduo deve guiar-se pela razão e deve ter como garantia o direito à liberdade de pensamento.

É verdade que Spinoza[2] é de família judia e seu pensamento fora influenciado por diversos fatores históricos, sociais, políticos e econômicos ligados a sua origem. A família de Spinoza é de origem espanhola e, no final do século XV, em face da enorme repressão converteram-se ao cristianismo e, sua família então, mudou-se para Portugal quando se torna cristã nova, permanecendo em terras lusitanas até o século XVI.

O pai de Spinoza saiu de Portugal e, fora atraído pela prosperidade da Holanda e também pela tolerância religiosa, estabelecendo-se em Amsterdã, onde então nascera Spinoza em 24 de novembro de 1632.

O convívio com idiomas como o português, o espanhol e o uso oral do holandês fez dele um poliglota. Tornou-se bastante instruído e conhecedor de diversos idiomas além das línguas tais como latim, grego e o italiano.

Ainda na infância acompanhou todo o processo de excomunhão e humilhação e, depois, o suicídio de Uriel da Costa, um judeu formado em Direito e em Filosofia em Portugal, tendo ido para Holanda na tentativa de poder praticar livremente o judaísmo.

A perseguição de Uriel da Costa[3] se deu em virtude de suas duras críticas aos talmudistas ortodoxos, defensores da Lei Oral. Estes, por sua vez, disputavam o poder com os racionalistas heterodoxos, defensores da interpretação da Lei Escrita[4].

Spinoza que testemunhou a punições de outros judeus e filósofos que por fazerem uso da liberdade de pensamento, chegaram mesmo a vivenciar a tragédia de ser excomungado[5] da comunidade judaica de Amsterdã e tendo inclusive sofrido o atentado a faca na saída do teatro, o que acarretou sua saída da cidade por sentir gravemente o peso da pressão de seu tempo.

Então Spinoza passou a viver como polidor de lentes[6], mas manteve constante comunicação com os amigos através das cartas, por onde eram enviadas as dúvidas e questionamentos que claramente denotam o caráter pedagógico de Spinoza. Compartilhou seu conhecimento, o que comprovava o seu apreço à erudição, ao conhecimento e, principalmente, à educação.

Spinoza faleceu aos quarenta e quatro anos, acometido por tuberculose, falecendo em Haia em 1677, deixou imensa contribuição filosófica com obras elaboradas com dedicação, coesão e originalidade.

Karl Marx, jovem ainda, foi leitor contumaz de Spinoza e, através dele, entendeu melhor a teologia em sua acepção política. A partir do século XX o seu pensamento foi ciosamente estudado por pensadores como Martial Gueroult, Gilles Deleuze[7], Alexandre Matheron[8] e, atualmente outros saberes, debruçam-se sobre os chamados “elementos para pensar o mundo contemporâneo”.

Pode-se resumidamente afirmar que sobre o cartesianismo historicamente deu origem a duas importantes correntes filosóficas, a saber: o racionalismo[9] e o empirismo[10].

O filósofo seria enquadrado entre os racionalistas, juntamente com Malebranche e Leibniz, apesar de que Spinoza não tenha privilegiado a mente em detrimento do corpo, mas trata-os em patamar de igualdade.

René Descartes[11], em sua obra “Discurso sobre o Método” afirmou que todo homem possui a capacidade de raciocinar, mas nem todos fazem uso dessa capacidade da forma correta. Descartes veio então, a traçar um método seguro para que haja o uso apropriado dessa capacidade.

Spinoza e Descartes compartilhavam da mesma opinião sobre a ordem geométrica, constatando ser essa ordem, a mais conveniente para a pesquisa e para o ensino da verdade, porém divergia quanto ao modo que utilizavam essa ordem, onde Spinoza defendia ser mais adequado o modo sintético[12] enquanto que Descartes defendia o modo analítico.

Em sua obra sobre a Ética, Spinoza utilizou o método sintético que vem a ser a construção do complexo a partir do simples. Assim, começa de Deus para chegar ao homem. Spinoza seguiu o modelo de um tratado de geometria, começando por definições e axiomas, para depois chegar a expor as proposições que são seguidas por demonstrações e, estas, por sua vez, seguidas por corolários[13] naturais.

Diferentemente do que fez Descartes que adotou o método analítico e, em sua obra intitulada de “As Meditações Metafísicas”, ele parte da dúvida para alcançar a certeza, mas, já tem como premissa principal que Deus existe, dentre outras questões.

Descartes partiu do efeito para chegar até a causa, o método tem caráter educativo tendo sido apto a justificar a elaboração dos Princípios da Filosofia que fora enviados por carta enviada para Mersenne em 1640, o método mais apropriado para o ensino.

Na obra “Tratado da Reforma do Intelecto[14]”, Spinoza abordou o método para se atingir a perfeição. Começava por separar as ideias verdadeiras das ideias falsas e, se fazia uso apenas das verdadeiras, afastando-se das falsas.

Enfim, Spinoza divorciava a imaginação da razão. Afinal conhecer para Spinoza é conhecer a causa. Conhecer pela causa é também a forma da alegria[15], assim, trata-se de descobrir algo como este é produzido, é, portanto um processo genético.

Spinoza foi considerado grande estudioso da filosofia de Descartes, tendo publicado em 1662 a obra intitulada “Princípios da Filosofia Cartesiana”. Embora Spinoza não tenha demonstrado ser eu principal foco a educação a carta 21[16] que ele escreve a Blyenbergh, em 1665, inicia já informando que as opiniões deles são contrárias e que a troca de cartas entre eles, não servirá para que se instruam Conclui-se que as cartas possuem um papel educativo vindo a firmar fundamentos.

Spinoza criticava as escolas e as universidades custeadas pelo Estado, pois temia a manipulação e a falta de liberdade.

O verbo que Spinoza utilizou-se para significar entravar (o conhecimento) foi coercere que também foi utilizado na obra Ética[17], quando se refere ao efeito da paixão, o de diminuir a potência. Mencionou: “Por afeto compreendo as afecções do corpo, pelas quais sua potência de agir é aumentada ou diminuída, estimulada ou entravada e, ao mesmo tempo, as ideias dessas afecções”.

Percebeu Spinoza que a academia era mantida para inserir em seus freqüentadores a ciência adaptada aos ideias meramente religiosos, constituindo assim, não um homem livre, mas um seguidor da fé, um mero correlegionário.

A sua crítica não era à educação em si, tendo efetivamente defendido o cultivo das ciências e das artes, afirmando que isso seria a forma mais adequada para fundar uma república livre (que apresentou no último capítulo do Tratado Teológico-político[18]) e, ainda, afirmou ser a república democrática é a que mais se aproximava da natureza do homem.

Tal república deve permitir que cada um tenha o direito de ensinar publicamente. Quanto à liberdade de expressão que foi cerceada antes de Spinoza e, mesmo em seu tempo, onde vários pensadores e intelectuais foram proibidos de expor suas ideais publicamente sendo considerados como um risco â paz e à sociedade.

O aprendizado daquilo que constitui o homem e que o afeta, guia o homem para singrar a passagem da servidão para a liberdade. O aprender que instiga o uso da razão edifica e liberta, não devendo ser um transmissor de modelos, mas propriamente um fomentador da reflexão.

Na Ética de Spinoza se propôs a apontar a importância do conhecimento para o homem, do aprender sobre Deus, sobre si e sobre as coisas.

A obra[19] em referência acerca da Ética é dividida em cinco partes, onde a primeira parte descreve Deus ou a Natureza; na segunda parte cogitou da origem e da natureza da mental, que é a ideia de corpo; e a terceira parte apresentou teoria dos afetos e, por derradeiro, a teoria sobre a liberdade humana.

Conhecimento para Spinoza é saber é a maneira de conhecer. A mente[20] é o próprio pensar. Há três gêneros de conhecimento: opinião ou imaginação, razão e ciência intuitiva. Afirmou que não se chega à ciência intuitiva sem passar pelos dois primeiros gêneros.

O primeiro (a opinião ou a imaginação) é o conhecimento inadequado que é a parte da constituição do homem do seu modo finito. A razão e a ciência intuitiva são conhecimentos verdadeiros. Spinoza afirmou que a própria essência do um sincero esforço para sua transformação e preservação que se dá através da imaginação como pela razão (com ideias adequadas).

Para Spinoza, o homem não busca o conhecimento racional motivado pela curiosidade, mas para ser feliz, para preservar seu próprio ser.

A Ética dá imenso valor ao conhecimento e projeto desta, segundo Sévérac[21], é propor uma ética do conhecimento que naturalmente distingue de uma moral da obediência.

Os homens precisam conhecer seus afetos como parte do caminho para alcançar dentre os três tipos de conhecimento, o mais alto deles: a ciência intuitiva.

Todos os afetos derivam de três modos de conhecimento, segundo Spinoza afirmou no Breve Tratado: 1. a opinião, de onde se originam os afetos contrários à razão, como o ódio, a aversão, dentro outros; 2. a crença correta, de onde nascem os afetos bons, como a nobreza e a humildade; 3.conhecimento claro, de onde surge o amor de Deus, puro e verdadeiro.

As ações de mente surgem das ideias adequadas, enquanto as paixões dependem das inadequadas. O entendimento verdadeiro ou adequado é o entendimento das causas, ou seja, quando a mente aprende suas causas ou de suas ideias.

Spinoza referiu-se ao conhecimento inadequado como imaginação, já que através desta, formando-se ideias confusas. Há o uso da imaginação quando as ideias inadequadas não incluem suas causas não imediatas. A partir do primeiro gênero do conhecimento não é possível distinguir o verdadeiro.
 

A imaginação é a causa de falsidade, porém nem tudo é falsidade, o que denota que esta não tem que ser necessariamente, uma fonte de erro.

Imaginação e verdade não se excluem necessariamente e, podem até mesmo existirem simultaneamente, apesar das limitações da imaginação.

As três afecções primárias ou primitivas reconhecidas por Spinoza são a alegria (conatus aumentado), a tristeza (conatus diminuído) e o desejo (conatus). Afirma que a partir dessas afecções nascem todas as demais. Uma coisa qualquer pode causar acidentalmente, a alegria, a tristeza ou o desejo.

Spinoza definiu a tristeza[22] como “a passagem do homem de uma perfeição maior para um menor”. A tristeza é o ato é ação do homem diminuída assim é uma paixão pela qual a mente passa para uma perfeição menor.

Spinoza chamou a afecção tristeza de dor ou melancolia. Há outras afecções de tristeza, como: medo, desespero, remorso, humildade, arrependimento, pudor dentre outras.

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Tal qual Nietzsche, Spinoza não aprovava a humildade, pois acreditava que advinha da contemplação da própria fraqueza.

Deus está isento da tristeza e da alegria e não pode passar a uma perfeição maior ou menor, pois é isento e imune de paixões. O conatus humano só pode ser afetado negativamente por causas externas.

A afeccção ou afeto é uma relação de corpos, sendo através da potência de agir desse corpo que é majorada ou reduzida. É essencial para que exista a afecção dois corpos.

Já o afeto é a variação da força de agir, é a variação do conatus. A origem da tristeza observou Spinoza é sempre uma causa externa ou exterior, nunca vindo de dentro. Pois o ser reforça-se continuamente para a preservação do ser.

A hilaridade corresponde ao aumento do conatus enquanto que a melancolia corresponde à redução do conatus.  As paixões são necessárias, mas Spinoza sugeriu que, de posse de conhecimento sobre as leis da natureza humana, nos deixemos vencer. Somente por paixões positivas. Não há nada, na essência humana que possa provocar a sua destruição.

O cidadão exemplar seria dominado pela razão. É um homem livre, e não um servo. Spinoza defendeu o papel do homem enquanto educador, quando afirmou que o homem que se conduz pela razão conserva o seu ser e, usufrui de uma vida racional.

Não pretendeu que o homem aniquile as paixões posto que sejam necessárias; mas recomenda a posse do conhecimento das leis da natureza humana para atingirmos as paixões positivas e evitarmos as paixões negativas.

A melhor maneira de homem provar o valor de seu engenho e arte é educando aos demais para viverem conduzidos pela razão. O homem não nasce livre, pois atinge a liberdade gradualmente. Livre realmente, para Spinoza somente Deus. Liberdade é o agir e não sofrer a ação.

Assim cogitou da definição de liberdade, in litteris: “Diz-se livre a coisa que existe exclusivamente é determinada a agir. E diz-se necessária, ou melhor, coagida, aquela coisa que é determinada por outra a existir e a operar de maneira definida e determinada”.

Cogitou Spinoza sobre o caminho que leva o homem à liberdade. Foi por defender tanto a liberdade que representa uma ameaça para o poderio dominador religioso, fora considerado herege.

Humberto Mariotti[23] ressaltou que a heresia de Spinoza constitui em afirmar que os humanos podem, por meio da razão, conhecer a realidade em seu todo. E, com isso, podem alcançar a liberdade e construir um mundo melhor, livre de deuses autoritários e legisferantes.

Através do aprendizado é possível a conversão da servidão à liberdade, a partir do ser humano e do que o afeto. Destacou o filósofo sobre a dificuldade de se trilhar o caminho da liberdade, reconhecendo o caminho árduo e raro, mas que não deve ser negligenciado.

Reafirma a máxima socrática da importância de conhecer a si mesmo, a Deus e as coisas. Defendeu Spinoza que a virtude é conhecer a Deus que só é possível ao homem quando pela razão, o que não o livra de ser afetado pelas paixões já que o humano é parte da natureza, sendo afetado e afetante.

De posse da educação, do conhecimento, o homem livra-se do medo e, alcança a liberdade. O ignorante rejeita tudo aquilo que não conhece, não porque seja ruim, mas porque se acomoda em seu desconhecimento, com suas ideias inadequadas, parecendo-lhe mais fácil, julgar como ruim o que desconhece.
 

A valorização da educação, do conhecimento e da razão leva o homem ao distanciamento da ignorância e, produz a aproximação da liberdade, tendo a potência da razão, um poder em que face aos afetos. Aquele que detêm o conhecimento é mais potente que aquele que não tem.

O homem, por ser movido sempre por uma finalidade, acredita que a Natureza também o é, o que segundo Spinoza é um equívoco e se estivesse de posse (do conhecimento adequado), sabedoria que Deus age por sua infinita potência e não pela liberdade de sua vontade, não por uma finalidade.

A educação não estabelece uma finalidade para o homem ou é esta a própria finalidade, mas é determinante para um viver feliz.
 

De fato é surpreendente verificar que na história da educação e da pedagogia, percebe-se falta de referência ao pensamento de Spinoza.

No entanto, nos deparamos em escritos de Spinoza as mesmas preocupações pedagógicas similares as contemporâneas tais as de Comênico[24] e de Johannes Clauberg[25].

O componente pedagógico de Spinoza é inerente à concepção ética de Spinoza, cuja brevidade de sue vida ceifou de maior aprofundamento.

O sistema de Spinoza indica princípios pedagógicos cuja relevância vai além da prática pedagógica através de sua fervorosa lavra epistolar e também através de seus tratados sobre política que aponta como constituir-se uma pedagogia da liberdade.

Os princípios pedagógicos decorrem do entendimento humano e sobre a inteligibilidade da natureza como percurso afetivo que foi por ele seguido na aquisição da ideia verdadeira.

Os princípios pedagógicos nos conduzem à construção do conhecimento e, viabilizar retirar lições de todo tipo de situações, sejam essas conveniências rotineiras ou de problemas decisivos que aparecem na encruzilhada de paradoxos.

Ao declinar do convite para lecionar na Universidade Heidelberg, Spinoza confirmou a preferência por produzir a filosofia, ao invés, de assumira tarefa de transmiti-la como docente.

Um princípio essencial preside a elaboração do método por adicionar delimitação e, preparar o homem para a felicidade através conhecimento e união harmoniosa com a natureza.

O conhecimento pretendido exige esforço e persistência conforme sentenciou no final da Ética: “tudo o que é excelente é tão difícil como raro.”

Enfim, a atividade educativa fica situada do lado do trabalho, do esforço empenhado e combativo a empreender, tanto pelo educando como pelo educador.

Spinoza rejeitou e refutou as explicações do mundo com base no finalismo ou no idealismo tão presente nos tempos medievais, modernos e contemporâneos.

As causas finais não passam de ficções sobre a realidade, nem mesmo as ações humanas se explicam por causas finais, mas apenas por causas suficientes e eficientes que articulam as coisas singulares.

Não existe plano divino, nem decretos de providência, sistema moral, ordem supra-rela e nenhum modelo de dever-ser que possa ser explicado sobre o plano de ser, que é o da imanência absoluta.

Trata-se de um engodo teórico ou metafísico, o chamado mundo das causas finais; tudo se resume em ser instrumento para submeter o homem à obediência e ao controle, tentando provar-lhe que é menos livre do que pode ser, e, assim, querendo que seja menos homem do que é.

Enquanto Goethe propôs que nos tornemos o que somos, o finalismo pretende efetivamente que deixemos de ser. A lei moral tem como único objetivo a obediência. A ética propugna por um modus vivendi enquanto que a ética de Spinoza propôs a vida da potência.

A lei moral, no fundo, interdita o verdadeiro conhecimento, porque sabe nocivo à manutenção e prosperidade da ordem autoritária. Assim, o plano das causas eficientes da Spinoza não pode ser o da moral, da culpa, das punições e das leis, mas sim, o plano do apetite e do desejo.

Enquanto os finalismos afirmam que é preciso ter menos apetites e reprimir os desejos, isto é, ser menos homem, numa vida casta de moderações e privações para que se possa um dia chegar a Deus, o que significa chegar ao Bem, ao Justo e ao Belo.


A filosofia de Spinoza informa o contrário, quanto mais se é homem, quanto maior o apetite que desenvolvemos, seremos divinos, quando conseguirmos combinar nossos desejos com aqueles que nos convêm.

A ontologia da liberdade pregada por Spinoza nos liberta do Deus Moral, o criador transcendente e põe fim a história de longo erro. Segundo Spinoza não se é mais divino sendo menos homem, mas quando este atinge a plenitude.

Se entendermos por direito[26] natural o que o homem pode num estado de não-coação e se constitui do próprio homem. Sempre foi este homem, aqui e agora. Quando se efetiva a causa eficiente, esta não desaparece, mas continua imanente, essentia actuosa[27] que é o sentido da potência em Spinoza.

No que se refere à causa transitiva que se dá e some, assim como o potestas (ou seja, a autoridade instituída ou o poder titularizado. Na hipotética passagem do direito natural para o direito civil, conclui-se que se a essência humana permanece atuante.


De forma que o único direito social que convenha ao homem, que aumenta a sua potência de existir, o que o torna alegre, que é um direito natural comum.

O direito natural resguarda integralmente a essência humana, ou seja, tudo o que ele pode, o que corresponderia ao infinito de Giordano Bruno.

Afinal, a relação o direito natural e o direito comum é a mesma relação entre a essência humana e sua plena expansão no bojo das relações sociais,ou seja, na travessia do finito ao infinito.


Porque, a potência de existir somente de desdobramento com os bons encontros, nos quais o homem se orquestrara com aqueles outros ou aquelas coisas que lhe convêm a apetecem que com ele compõem novas relações e deveres.

Portanto, no direito comum, as relações sociais não se baseiam num soberano legislador que, impõe de cima para baixo e de fora para dentro como Deus pessoal dos cristãos (que determina o que é certo ou errado) punindo o pecado e retificando o pecador.


Ao revés, no direito comum, as relações sociais se autovalorizam conforme a máxima potência, com o estreitamente da teia de afetos ativos que no conjunto, convirjam para o máximo de si, no limite do infinito. A auto-organização do processo só pode dar-se por uma lógica interna, que é, precisamente a liberdade, de agir segundo a natureza. É quando a essência se funde à potência e, escapa de qualquer essencialismo metafísico.

Um pungente questionamento se impõe: Como proteger os fracos dos fortes? Como instituir e manter o equilíbrio da malha social?

Para Hobbes em resposta indicou: somente um soberano acima e fora que transcende o sistema. Porém, essa não é a resposta de Spinoza posto que seja inaceitável um soberano ativo diante de súditos passivos, ditando uma ordem moral cujo desrespeito temor lógica a consequente punição, suprimindo a conflitividade que é inerente a vida cotidiana e humana. “Ainda que o soberano seja vestido com o normativismo da democracia constitucional de modelo ocidental”.


A democracia ortodoxa defendida pela ética de Spinoza demanda a total dissolução completa do soberano no meio social. O estabelecimento de uma ordem jurídico-moral pelo soberano que induz à proteção dos fracos proprietários e dominantes contra os fortes escravizados e despossuídos.

E não pode haver direito novo que se restrinja a torcer o bastão para o outro lado, o esquerdo. Tais tentativas pseudorevolucionárias substituem a classe dos fracos dominantes por outra classe num eterno retorno do mesmo tão bem expresso na cosmogonia orwelliana[28]. É preciso romper o bastão.
 

A democracia ortodoxa opera a defesa dos fortes contra os fracos, colocando ponto final nas paixões tristes[29], e nos sacerdotes que as manipulam. Se o tirano está acarretando o medo e tristeza nos homens, os sacerdotes laicos da ordem constituída aproveitam-se e exploram-lhe os afetos, preservando seu quinhão de poder e propriedade.

A democracia radical aproxima-se quando a organização social orienta-se pela ética da potência. Atualmente pode ser entendido na formação e na valoração de redes imanentes de comunicação, interação, produção de sentidos, afetos, amores e apetites.

Bem distante das anarquias românticas e também das utopias, tratou-se de pensar e fazer agir um direito comum que estabeleça o desejo do homem, de relacionar-se, compartilhar, expandir-se e multiplicar os mundos (princípio interno de funcionamento).
 

Contra o encadeamento de afetos passivos (a tristeza, o ódio, a indignação, a inveja e a vergonha) reage o homem de ação, o cidadão virtuoso e corajoso no sentido pleno e máximo.

Os problemas práticos da democracia radical são: como atingir o máximo de afetos ativos, como formar o máximo de ideias adequadas ao empoderamento de todos, como chegar a ser consciente em si mesmo, de tudo o que podemos, ou seja, de Deus e das coisas.

A política consiste na organização de afetos visando à produção máxima de desejo e amor (a essência divina do homem) e se concretiza mediante a arte de bons encontros.

Percebe-se que a liberdade absoluta de Spinoza não é ausência de constrangimentos externos ou internos, mas a potência interna, a efetividade do corpo político, tanto mais forte quanto mais o homem for instigado, motivado e relacionado com os demais e para os demais, com o mundo e para o mundo.


A liberdade[30] de Spinoza nada tem a ver com a vontade tomada como voluntas de escolher isto ou aquilo, de poder fazer e poder não fazer e, muito menos, como vontade disciplinada por limites impostos coativamente de fora ou aceitos racionalmente de dentro.

Não se trata de uma vontade determinar-se na existência por um modelo ideal, seja qual for o processo de seu estabelecimento comunicativo, consensual, contratual ou natural.

O homem afirmou Spinoza, o mais potente dos modos finitos, é livre quando extravasa a sua potência de existir, quando seu desejo determina-se pelas ideais adequadas, ou seja, conhecimento que explica o caminho da potência, dos bons encontros, da combinação de desejos e apetites num mundo compartilhado e sempre em renovação.

O homem mais livre e mais forte define-se pela coragem e a virtude: capacidade de doar o pensamento e o corpo a tudo o que eles podem a sua essência-potência, à revelia e ultrapassando coações e ameaças exteriores, culpas e egoísmos interiores.

Desta forma, se combina somente com aquilo que para ele, o faz enredar-se e, vibrar com outros e com outras coisas.

Spinoza escreveu o Tratado da Reforma do Entendimento onde a busca do prazer e das honras trazia maiores males do que bem e que todos os males da humanidade derivavam da busca destes bens.


Spinoza passou a inquirir se o verdadeiro bem, uma vez encontrado e adquirido, proporcionasse a fruição eterna da suprema e contínua alegria.

Eis a base intelectual sobre a qual o pensador pautaria toda a sua vida prática e intelectual.

Já na obra Ética (...) Spinoza nos fornece uma visão do conceito de Deus, único em toda a filosofia ocidental. Diferentemente de Descartes e outros autores, Spinoza não se propõe a provar a existência de Deus.

Trouxe a Ética em sua parte I a seguinte preciosa definição, in litteris: “Entendo por causa de si aquilo cuja essência implica a existência; ou, em outras palavras, aquilo cuja natureza, não pode ser concebida senão como existente”.

Isto cuja existência é evidente é a substância. Enquanto que Descartes defendia a existência de diversas substâncias, para Spinoza, só existiria uma única substância cuja existência é evidente aos sentidos. Ainda arrematou: “Entendo por substância aos sentidos: o que é em si e se concebe por si: isto é, aquilo cujo conceito não tem necessidade de outra coisa, do qual deve ser formado”.

A substância é Deus conforme Spinoza especifica na parte I da Ética: “Entendo por Deus um ser absolutamente infinito, ou seja, uma substância constituída por uma infinidade de atributos, cada um dos quais exprime uma essência eterna e infinita.”.

 Afirmou Spinoza que a substância é necessariamente existente e, por isso, infinita. Deus é a necessidade absoluta e dele procedem os infinitos atributos (o que se afirma ou se nega do sujeito e infinitos modos (forma de ser) de que é formado.

O mundo é a consequência necessária de Deus, e, existem pois, duas maneiras de ser: a da substância e a de seus atributos[31] e a das manifestações da substância.


Deus demonstrou Spinoza, não é causa existente transitiva de todas as coisas ou de todos os seus modos, ou seja, não é uma causa que se separa dos efeitos após Havê-los produzido, mas é causa eficiente imanente de seus modos, não se separa deles e, sim, se exprime neles e eles o exprimem.


Isto significa que somos formas de Deus e que todo o universo é a forma de Deus. Deus não se limita ao universo material que conhecemos, já que Spinoza cogitou em infinitos modos.


Sublinhe-se a influência de Giordano Bruno sobre o pensamento de Spinoza, no conceito de mundos infinitos, ressaltando também a influência do pensador alemão Wilhelm Dilthey, porém negada por outros pensadores.

Spinoza foi classificado como filósofo ateu por conta de identificar Deus (ou a substância) à matéria, ou pelo menos foi taxado de monista[32].

Importante recordar que Spinoza distinguiu três formas de conhecimento, a saber: empírico (ligado as percepções sensoriais); b) conhecimento segundo o ratio (razão) representado pelas ciências; c) conhecimento da ciência intuitiva (que é a visão das coisas na visão do próprio Deus).

Infelizmente ressaltou Spinoza que as coisas não são conforme são apresentadas pela imaginação. As coisas são conforme o conhecimento empírico e são apresentadas pela razão.


A análise do mundo com a razão se traduz como a manifestação da substância eterna e infinita (conforme a definição da parte I da Ética) e, portanto, necessário.

Considerar o mundo necessário (não podendo não existir), significa considerá-lo subespécie aeternitatis (sob certa espécie de eternidade).

Da mesma forma, se o mundo e tudo que existe é nec3essário, não há lugar uma vontade livre, há uma vontade não-condicionada. Qualquer vontade é determinada por fatores conhecidos ou desconhecidos que por sua vez, são determinados por outros fatores até um determinado ponto da sequência à vontade ou a mente não tenha mais controle sobre estes fatores.

A vontade é determinada, em última instância, por fatores que desconhecemos e sobre as quais não temos controle. Portanto, para Spinoza a vontade não é livre e, tal noção fora retomada mais tarde por outros pensadores tais como Schopenhauer e Nietzsche que igualmente negam a existência do livre arbítrio[33].

Como consequência deste raciocínio, Spinoza deduziu que agimos necessariamente pela vontade de Deus (ou pela vontade de impulsos da matéria). A partir deste pressuposto por corolário, de sorte que Spinoza infere toda ética baseada na vontade, na compreensão dos obstáculos da vida; separando aquilo que podemos mudar daquilo que não podemos. Toda essa ética é baseada na constatação que tudo que ocorre, acontece de maneira predeterminada.

As paixões, conforme afirmou Spinoza, não são o resultado da fraqueza humana, da fraqueza da vontade (que não é livre), mas o resultado da potência da natureza.

Para Spinoza, as paixões não devem ser condenadas, mas explicadas e compreendidas. É bastante significativa a semelhança desta ideias e análises feitas, pois depois de trezentos anos depois foram feitas e redimensionadas por Sigmund Freud[34].

A respeito da agressividade, o psicanalista Betty Fuks aduziu: “Na realidade, se ele próprio advogava o fato de que no homem, amor e ódio intensos convivem conflitantes (ambivalência de sentimentos) e, que as pulsões são aquilo que são, nem boas e nem más, dependendo do destino que seguem na história do sujeito e da civilização tinha de reconhecer que o mal, a destruição e a desumanização dos laços sociais não são apenas momentos efêmeros, fadados à superação no futuro”. Tais conclusões são muito semelhantes às conclusões de Spinoza sobre as paixões.

Afirmou Spinoza as paixões são uma tendência a permanecer no próprio ser, como se fosse um instinto de conservação, chamado por Spinoza como conatus.

Quando se referem à mente e, chama-se vontade, quando o corpo, denomina-se apetite. Ao que favorece positivamente ao conatus, Spinoza denominou como alegria.

Já a que atua negativamente ao conatus, Spinoza chamou de dor. E, comparando as paixões às forças da natureza, Spinoza constata que não temos controle sobre elas e uma é criada (prisão) leva à outra.

Segundo Spinoza, a ilusão de liberdade porque os homens são conscientes de suas ações e ignorantes pelas quais elas são determinadas.

Gilles Deleuze denominou o referido engano de ilusão psicológica da liberdade. O mundo não tem finalidade alguma (pelo menos que nós saibamos). A maneira de analisarmos os acontecimentos, a história, a natureza sempre de acordo com alguma finalidade, é próprio dos homens quando estes enxergam tudo sob a forma empírica do conhecimento.

Sob a ótica a subespécie aeternitas não há teleologia, alguma por trás das coisas: elas apenas são. Consequentemente também não existe o perfeito e o imperfeito, o bem e o mal.

Observa-se que tais conceitos são apenas comparações que o homem faz entre o objeto que produz e outros na natureza (quando na verdade é tudo parte da natureza). Da mesma forma, bem e mal não são coisas em si, mas modos de pensar, o bem sendo o que é útil e o mal, por exclusão, o que não é.

O homem que entende todas as coisas, acontecimentos e situações como procedentes de Deus[35] (como seus modos e atributos) sabe que estas são Deus e ele mesmo é Deus (ou está em Deus).

Spinoza retoma as raízes socráticas e estoicas, principalmente quando Spinoza afirmou que a verdadeira bem-aventurança não é o prêmio da virtude, mas a virtude em si.

Ensinou ainda Spinoza que os homens que são sujeitos às paixões e às iras, revelam-se inimigos uns dos outros por sua própria natureza. Ratificou Hobbes quando afirmou que homens constroem o Estado. Com o Estado, os homens podem viver, mais facilmente ao abrigo das intempéries e, em compensação relativiza a paz uns com outros.

Por essa razão, o regime ideal é a democracia onde todos possuem o mesmo direito e nenhum poderá oprimir o outro, já que a organização política tem como fim assegurar a liberdade de todos os membros.
 

São constatáveis (que Spinoza introduziu) muitas novas ideias na filosofia. Reduzindo a realidade à substância e eterna, chamando-a de Deus.

Spinoza transformou-se no mais célebre de todos monistas ateus. Porém, toda a metafísica[36] é falha e, a de Spinoza parte do pressuposto de que à realidade do mundo correspondem as nossas percepções.

Mais tarde, Immanuel Kant que o mundo é sempre um intermediação entre o que existe e, nossa percepção, não existindo uma realidade absoluta.

Mesmo assim, Spinoza acabou influenciando outros pensadores tais como Hegel, Marx e Nietzsche e, prosseguiu ainda em outros pensadores contemporâneos (entre estes, Pierre Lévy que é um dos pensadores principais para se compreender o mundo contemporâneo e particularmente a relação do comportamento humano e as novas tecnologias de informação).

Referências:

BLACKBURN, Simon. Dicionário Oxford. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.

BUCHNER, Luiz. Força e Matéria. Lisboa: Livraria Chardron, de Lello e Irmão Ltda., 1926.

CHAUÍ, Marilena. Espinosa uma filosofia da liberdade. São Paulo: Editora Moderna, 1995.

DELBOS, Victor. O Espinosismo. São Paulo: Discurso Editorial, 2002.

DELEUZE, Gilles. Espinosa, filosofia prática. São Paulo: Editora Escuta, 2002.

DE PAULA, Marcos Ferreira. Alegria e Felicidade. A experiência do processo liberador em Espinosa. Disponível em: file:///C:/Users/Maria%20helena/Downloads/MARCOS_FERREIRA_DE_PAULA.pdf Acesso em 07.12.2016.

MOREAU, Joseph. Espinosa e Espinosismo. Lisboa: Edições 70, 1982.

NOGUEIRA, Alcântara. O método racionalista, história em Spinoza. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1976.

ROCHA, Claudio de Souza. Os fundamentos da Democracia em Benedictus de Spinoza. Disponível em: http://www.uece.br/cmaf/dmdocuments/2011_os_fundamentos_da_democracia.pdf Acesso em 06.12.2016).

SPINOZA, B. de. Ética demonstrada à maneira dos geômetras. São Paulo: Martin Claret, 2002.

SPINOZA, B. de Seleção de textos de Marilena Chauí. Traduções por Marilena Chauí et al. 3ª edição. São Paulo: Abril Cultural, ‘983 (Os Pensadores).

Referências:

MIRANDA, Karine. Spinoza e o conhecimento como a educação pode ser transformadora e libertadora. Disponível em: http:// webcache.googlerisercontente.com/search? Q=cacje: atBckcczqj:seer.uece.be%.3F.journal%3DPRF%3Darticle%article%26ap%3Download%%  Acesso em 6.11.2016.

ABREU, Luís Machado de. O lugar de Pedagogia em Spinoza.

SPINOZA, B. de. Pensamentos metafísicos; Tratado de correção do intelecto. Tratado Político; Correspondência. Tradução: Marilena Chauí, Carlos Lopes de Mattos, Manuel de Castro. São Paulo: Nova Cultural, 1989. (Coleção “Os Pensadores”).

SPINOZA, B. de. Ética: demonstrada dos geômetras. Tradução e notas Joaquim de Carvalho. São Paulo: Nova Cultural, 1989 (Coleção “Os Pensadores”, v.2).

CHAUÍ, Marilena. Espinoza: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995.

Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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