Monopólios: análise sob a perspectiva do Direito Econômico

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A economia surgiu juntamente com o grupamento de sociedades organizadas, que levaram ao engrandecimento e obrigação da criação do Estado, devido a necessidade de resolução de conflitos atinentes às relações sociais, como os monopólios

  1. As Origens Históricas do Monopólio

A economia surgiu juntamente com o grupamento de sociedades organizadas, que levaram ao engrandecimento e obrigação da criação do Estado, devido a necessidade de resolução de conflitos atinentes às relações sociais, incluindo, entre estes, as relações econômicas, que passaram a exigir maior regulamentação estatal para coibir práticas que iam de encontro aos princípios de mercado, como a livre concorrência. O monopólio tem sua origem nas grandes civilizações antigas, como a grega, que deu nome a esse fenômeno econômico advindo do termo em latim “mono” (único) e “polen” (vender), e incide precisamente sobre a livre concorrência de mercado. Desta feita, é interessante ressaltar sua característica de anomalia de mercado, sendo combatido ao longo dos tempos para a preservação dos valores do mercado perante a sociedade e o Estado.

Apesar de ter surgido com as antigas civilizações, o monopólio ganhou relevo em meio ao nascimento dos Estados Liberais, a partir da I Revolução Industrial, oportunidade em que grandes empresas se estabeleceram na Europa Ocidental.

O emprego de ações monopolistas pode ser facilmente analisado durante a história. Os monopólios estatais em meio ao período absolutista eram visíveis, tendo em vista a concentração do comércio de produtos pelo Estado, que visava o máximo enriquecimento, buscando o superávit econômico. O que existia era a intervenção monopolista estatal, haja vista a configuração de Estado absolutista, onde os poderes se concentravam nas mãos do soberano.

O mercantilismo era um exemplo típico de monopólio estatal, pois havia uma relação comercial apenas do Estado para com o particular, através do comércio de bens e metais preciosos, não havia iniciativa privada. Entre o século XV e o final do século XVIII, a Europa passou por grandes transformações. O mundo medieval havia sofrido grandes transformações, sendo substituído por novas organizações políticas, econômicas e culturais. O advento das grandes navegações foi fundamental para modificar as noções de mundo dos povos europeus, que passaram a usufruir ao máximo de seus recursos. Assim, a economia recebeu novas características com o objetivo de enriquecimento dos Estados Nacionais Modernos.

O Mercantilismo é a prática econômica típica da Idade Moderna e é marcado, sobretudo, pela intervenção do Estado na economia. Durante aproximadamente três séculos foi a prática econômica principal adotada pelos países europeus, o que só seria quebrado com o questionamento sobre a interferência do Estado na economia e o consequente advento das ideias liberais. Em resumo, o Mercantilismo era o conjunto de ideias econômicas que considerava a riqueza do Estado baseada na quantidade de capital que teriam guardado em seus cofres.

A Companhia das Índias Ocidentais também era caracterizada como uma espécie de monopólio, em decorrência da iniciativa apresentada por calvinistas e brabanteses, que se refugiavam na Holanda das perseguições religiosas, foi concedido um alvará em 3 de junho de 1621 concedendo o monopólio do comércio com as colônias ocidentais de posse da República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos. A medida visava encerrar a competição estabelecida entre os mercadores.

Assim, os monopólios eram caracterizados pelo forte intervencionismo estatal na economia, porém, essa característica passou a mudar com a introdução dos pensamentos iluministas e liberais, principalmente, em relação ao liberalismo econômico.

  1. Ideais Liberais e o Monopólio

O ideário liberal surgiu no começo do século XVIII, momento no qual os Estados absolutistas sofriam crises, em razão da arbitrariedade e autoritarismo dos soberanos.

Assim, o liberalismo surgiu da concepção de um grupo de pensadores que viviam na realidade da Europa dos séculos XVII e XVIII, como Montesquieu. Vigorava ainda a filosofia do absolutismo  em praticamente todos os governos europeus, pois o rei, como legítimo representante de Deus na terra, comandaria todos os assuntos que envolvessem a nação. As ideias iluministas  vão gradualmente implodir tal sistema de excessiva intervenção do estado, auxiliadas pelo espírito empreendedor e autônomo da burguesia, abrindo espaço para outras possibilidades na relação entre os homens e o mundo. O burguês, que se lançava ao mundo para o comércio e usava a somente a própria iniciativa para alcançar seus objetivos, destoava de todo um período anterior onde os homens colocavam-se subservientes ao pensamento religioso.

Advém desse pensamento o liberalismo econômico, teoria segundo a qual o estado não deve intervir nas relações econômicas que existem entre indivíduos ou nações. O liberalismo  defende o livre uso da propriedade, sendo partidário da livre-empresa, em oposição ao dirigismo.

Adam Smith era o maior partidário do liberalismo econômico, este defendia uma economia livre da intervenção estatal, que podia, sim, atingir o interesse geral apenas utilizando-se da iniciativa privada, nesse caso, a “mão invisível” daria os rumos das diretrizes econômicas. A economia dos Estados liberais foi pautada nesses fundamentos, no entanto, com o advento da I Revolução Industrial, grandes empresas comerciais começaram a se estabelecer na Europa, fato que atingiu tamanha magnitude que esses agentes econômicos passaram a dominar e controlar o mercado, prejudicando os consumidores e o próprio desenvolvimento estatal, maximizando o poder dos monopólios, trustes e cartéis da época. Esse tipo de modelo econômico só veio a ser realmente questionado com a quebra da bolsa de Nova York em 1929.

De todo modo, partindo da dicotomia entre um Estado intervencionista e um Estado liberal, surgiu o Estado regulador, que agiria com o intuito de fiscalizar e normatizar de forma saudável a economia de uma nação.

  1. Breve Síntese do Monopólio no Brasil

No período colonial, o Brasil viveu da economia de plantation que consistia na exportação de produtos advindos do cultivo de latifúndios, como o açúcar. Nesse contexto, a economia brasileira vivia em função da intervenção monopolista portuguesa, e assim foi se procedendo, com poucas mudanças até a República Velha, ocasião em que a cultura cafeicultora era a mola propulsora da economia do Brasil.

Nesse deslinde, a industrialização no Brasil ocorreu de forma tardia, em meados da década de 30, oportunidade em que surgiram indústrias metalúrgicas e siderúrgicas, bem como o surgimento da exploração petrolífera. Essa configuração ficou marcada pela questão social entre capital e operários, tendo em vista o fortalecimento daqueles que passavam cada vez mais a engrandecer seus lucros por meio de manobras astutas como a formação de cartéis e monopólios, contudo, o Estado brasileiro continuava a interferir de forma intervencionista.

A partir da Constituição de 1988, a intervenção do Estado na economia foi limitada e contemplada taxativamente em seu texto legal, por meio do art. 177. Com a evolução do mercado e dos direitos e garantias estabelecidos na ordem econômica, a Constituição prevê expressamente o combate ao domínio de mercado e abuso de poder econômico.

  1. Classificação dos Monopólios
    1. Monopólio Natural

Quando determinado setor necessita de investimentos tão elevados cuja produção torna-se eficiente apenas quando uma única empresa atende o mercado, ocorre o denominado monopólio natural. Essa exclusividade tem o objetivo de minimizar os custos de produção, pois, a existência de concorrência inviabiliza o estímulo à competição.

Segundo Figueiredo (2011, p. 79 e 80):

[...] determinadas atividades envolvem custos tão altos que não há como se estabelecer competição nas mesmas, tal como ocorre na exploração do metrô urbano, transporte ferroviário, transmissão de energia elétrica, dente outras. Minimizam-se os potenciais efeitos deletérios do monopólio natural físico, decorrentes da propriedade privada exclusiva de um determinado sistema de rede (de transportes, de telefonia, por exemplo), determinando-se o compartilhamento obrigatório do uso da referida rede por parte de outros agentes competidores, mediante pagamento de compensação financeira ao proprietário (princípio do compartilhamento de redes).

Essa modalidade de monopólio pode resultar de diversas circunstâncias: quando uma empresa detém a única fonte de matéria-prima; quando determinada empresa desenvolveu avanços tecnológicos nos fatores de produção ou possui a patente destes, e ainda, nos casos de inviabilidade física ou jurídica de exploração da atividade por outros agentes. É o que acontece, por exemplo, no fornecimento de água, esgotos, energia elétrica e no transporte ferroviário. Nesse sentido, Costa[1]:

Os monopólios naturais ocorrem em certas atividades de um setor que necessitam de grandes investimentos em redes para que possam ser executadas. Pode ser que, dentro do mesmo setor, contudo, em outros segmentos, possam funcionar mercados competitivos. No setor elétrico, por exemplo, a distribuição e a transmissão de energia são monopólios naturais, entretanto, na atividade de geração de energia pode ser estabelecido um mercado competitivo. Outros exemplos, que vale ressaltar, consistem na telefonia fixa local e a de longa distância; distribuição e extração de gás natural; e, no setor de transportes, onde pode haver competição na operação de trens, ônibus, e caminhões, ainda que a malha ferroviária e rodoviária sejam monopólios naturais.

De acordo com o art. 36, §1º da Lei nº 12.259/2011, “a conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II do caput deste artigo”, qual seja, “II – dominar mercado relevante de bens ou serviços”. Dessa forma, depreende-se que a constituição de monopólio natural é assentida pela legislação infraconstitucional, “uma vez que não resulta, tampouco provém de práticas abusivas de mercado” (FIGUEIREDO, 2011, p. 80).

  1. Monopólio Convencional

O monopólio convencional é aquele resultante de práticas abusivas. Segundo Figueiredo (2011, p. 80):

Monopólio convencional é o decorrente de práticas abusivas de agentes econômicos, bem como de acordos e contratos estabelecidos por dois ou mais agentes, com o fito de eliminar os demais competidores, colocando aquela atividade sob a exploração exclusiva por parte de um único agente (monopólio) ou de poucos agentes predeterminados (oligopólio).

Tal modalidade de monopólio é proibida pela Constituição Federal, uma vez que a inexistência de concorrência atinge o desenvolvimento do mercado, pois não gera a preocupação de diminuir os custos de produção. Do mesmo modo, o legislador infraconstitucional se preocupou em vedar atos que resultem de forma abusiva posição dominante ou a dominação de mercados relevantes, nos termos do art. 36 da Lei nº 12.259/2011.

  1. Monopólio Legal

A ideia de monopólio pressupõe a existência de apenas um agente apto para desenvolver certas atividades econômicas a ele inerentes. Desse modo, pode-se observar que os monopólios legais dividem-se em duas espécies, quais sejam: os que visam induzir o agente econômico ao investimento (monopólio privado) e os que instrumentam a atuação do Estado na economia.

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De um modo geral, o monopólio legal pode ser definido como a exclusividade de exploração estabelecida pelo Poder Público para si ou para terceiros, por meio de edição de atos normativos.

Cabe ressaltar, com relação ao tema, o exemplo da Lei n. 6.538/1978, que instituiu o monopólio das atividades de serviços postais em favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, tendo em vista que a Associação Brasileira das Empresas de Distribuição (ABRAED) apresentou arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 46), em que se pretendeu a declaração da não recepção, pela atual Constitucional da supracitada lei.

O Ministro Marco Aurélio de Mello (Relator do feito), aceitou o pedido e declarou não recepcionados os dispositivos da Lei dos Correios que instituíram o monopólio da União sobre o serviço postal. Para ele, houve, nesse caso, uma violação dos princípios da livre iniciativa, da liberdade no exercício de qualquer trabalho, da livre concorrência e do livre exercício de qualquer atividade econômica.

Em contrapartida, o Ministro Eros Grau, que foi a favor da improcedência do pedido, entendeu que o serviço postal constitui serviço público, não atividade econômica em sentido estrito. Sendo inaplicáveis, portanto, os princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência.

Diante do exposto, em 5 de agosto de 2008, foi decidida a improcedência da ADPF 46 pelo STF. Nas lições de Fernando Herren Aguillar:

Não resta dúvida de que o tratamento jurídico constitucional aos serviços de correio é o de serviço público. A dicção do art. 21, X, deixa pouca margem para especulação: “compete à União manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”. Não se trata de monopólio por três motivos: porque a atividade não se encontra listada no art. 177 da CF; porque não se trata de produção de bens industriais, mas prestação de serviços, sendo tecnicamente mais adequado utilizar-se o vocábulo privilégio; e porque não se restringe a possibilidade de delegação a particulares, nos termos do art. 175 da Constituição Federal. Nem de atividade econômica em sentido estrito, em que o Estado atuaria em regime de competição com os particulares. Portanto, não vejo obstáculo à recepção da Lei dos Correios. (AGUILLAR, 2012, p. 206).

Ante o exposto, ocorre monopólio legal quando o Poder Público subtrai dos particulares certas atividades econômicas, com o fim de mantê-las sob controle e exploração do Estado, por razões de ordem pública. A Constituição brasileira de 1988, por considerar principiológica a liberdade de iniciativa, proíbe, de maneira expressa, ao Estado, a assunção exclusiva de qualquer atividade econômica. Logo, seja por via executiva, legislativa ou judiciária, é defeso ao Estado afastar a iniciativa dos particulares de qualquer atividade econômica, salvo nos casos excepcionados no próprio texto constitucional. Diante disso, o art. 173 da CF/88 dispõe que:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

Vale ressaltar também que a Constituição veda que o Estado crie monopólio para terceiros, uma vez que nossa ordem econômica se funda na defesa da concorrência, como corolário para se garantir a livre-iniciativa.

  1. Monopólio na Constituição de 1988

O monopólio em sentido amplo define-se como o privilégio concedido a determinada pessoa, física ou jurídica (indivíduo, empresa, Estado), para vender seus produtos na ausência de qualquer tipo de concorrência, de modo em que há somente um vendedor e, portanto, a imposição de preços (decisão unilateral).

É nesse sentido que a Constituição Federal de 1988 estabelece que no Brasil o monopólio é privilégio somente do Poder Público, visando claramente a proteção do interesse coletivo, uma vez que o monopólio estatal não visa o lucro, ao contrário do monopólio privado. Contudo, cabe ressaltar que o STF tem entendido pela possibilidade da ocorrência de monopólio privado ao menos no caso do petróleo, pois inviabilizaria o investimento dos agentes econômicos. Tal hipótese encontra amparo legal no art. 177 § 1º da CF/88, visto que não é possível o monopólio privado, mas a União poderá contratar uma empresa particular para exploração do petróleo, por exemplo.

Outro aspecto relevante acerca do monopólio é o fato de que só poderá ser estabelecido pela Constituição, ou seja, a lei infraconstitucional não poderá constituir monopólio. Ademais, o monopólio estatal é uma atividade excepcional, isto é, são hipóteses restritivas, disposto num rol taxativo. Conforme art. 177, caput, CF/88:

Art. 177. Constituem monopólio da União:

I - a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;

II - a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;

III - a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;

V - a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 49, de 2006)

Cumpre salientar que, embora, a Constituição de 1988 tenha estabelecido um rol taxativo de atividades para o monopólio do Estado, a EC nº 09/95 flexibilizou o monopólio sobre os combustíveis fósseis derivados, permitindo que a União contratasse empresas estatais ou privadas para o desenvolvimento de atividades que envolvem o abastecimento de petróleo. Além disso, a EC nº 49/06 permitiu a produção, comercialização e utilização de radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas, independentemente do fim a ser utilizado.

Portanto, conforme os arts. 21, XXIII e 177 da CF/88, o monopólio do Estado incide de modo geral sobre três matrizes energéticas: petróleo, gás natural e minério ou minerais nucleares. Entretanto, a doutrina ainda entende que o monopólio estatal também incide sobre os casos previstos nos incisos VII, X, XI e XII do art. 21 da CF/88, ou seja, a emissão de moeda, manutenção do serviço postal e do serviço de correio aéreo nacional e exploração do serviço de telecomunicações.

  1. Questão do Setor Postal

Atualmente, o tema acerca do setor postal tem suscitado grandes debates no âmbito acadêmico e jurisprudencial, visto que, existem diversos entendimentos conflitantes tanto por parte da doutrina tem demonstrado uma rejeição em relação aos as decisões do STF e STJ.

O STJ tem se posicionado tradicionalmente entendendo que serviços postais possuem as prerrogativas inerentes à Fazenda Pública, dando-lhe tratamento de regime de direito público, uma vez que considera recepcionado o monopólio da Lei n. 6.538/1978.:

Nesse sentido:

Processual Penal. Violação de Privilégio Postal da União. Trancamento da Ação Penal. Monopólio da União. Recepção da Lei n. 6.538/1978. Alegação de Ausência de Justa Causa e Atipicidade da Conduta. Inocorrência (STJ. 5a Turma. RHC n.14755/PE. Relator: Min. Jorge Scartezzini. DJ, 02.08.2004, p. 421.

Criminal. HC. Trancamento de Ação Penal. Serviço Postal. Monopólio da União. Omissão Constitucional. Norma Formalmente Constitucional. Não Recepção da Lei n. 6.538/1978 não verificada. Possibilidade de Estabelecimento do Monopólio por Lei Ordinária, ainda que anterior. Contradição ou Conflito Inexistente. Serviço Postal Com Atribuição Exclusiva à União. Delegação não autorizada. Ordem Denegada (STJ. 5a Turma. HC n. 21804/SP. Relator: Min. Gilson Dipp. DJ, 01.12.2003, p. 373).

Já o STF possui dois posicionamentos sobre o tema, primeiro deles é de conferir tratamento de serviço público, enquanto o segundo considera o serviço postal como atividade de utilidade pública.

Contudo, recentemente o Supremo Tribunal Federal fez uma de suas decisões mais importantes no âmbito do Direito Econômico, por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº. 46-7, onde discutia-se se a atividade de serviços postais, prevista no rol do artigo 21 da CRFB estaria ou não sob o regime de monopólio estatal, questionando o monopólio estatal dos serviços postais pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, bem como, a constitucionalidade da Lei n. 6.538/1978, que regulamenta os serviços postais brasileiros. A ADPF tinha o objetivo de limitar o monopólio postal dos Correios às entregas de cartas – sendo restringido seu conceito a papel escrito, envelopado, selado, que se envia de uma parte a outra com informações de cunho pessoal, produzido por meio intelectual, e não mecânico. Além disso, visava a declaração de inconstitucionalidade do artigo 42 da Lei n. 6.538/1976, de modo afirmar a não recepção da tipicidade penal na violação do monopólio do setor postal.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a arguição de descumprimento de preceito fundamental, vencidos o Senhor Ministro Marco Aurélio, que a julgava procedente, e os Senhores Ministros Gilmar Mendes (Presidente), Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, que a julgavam parcialmente procedente. O Tribunal, ainda, deu interpretação conforme ao artigo 42 da Lei n. 6.538/1978 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9o do referido diploma legal. Redigirá o acórdão o Senhor Ministro Eros Grau. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Menezes Direito. Plenário, 05.08.2009.

Diante do que já foi exposto cumpre destacar o acórdão a seguir ementado:

Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Empresa pública de correios e telégrafos. Privilégio de entrega de correspondências. Serviço postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de junho de 1978. Ato normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao serviço postal. Previsão de sanções nas hipóteses de violação do privilégio postal. Compatibilidade com o sistema constitucional vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos princípios da livre concorrência e livre-iniciativa. Não caracterização. Arguição julgada improcedente. Interpretação conforme a constituição conferida ao artigo 42 da Lei n. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da união. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. 1. O serviço postal – conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado – não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo.

  1. Monopólio e direito comparado: uma tendência ao Estado como agente regulador.

Como assevera Leonardo Vizeu Figueiredo (2009, pág. 11), monopólio tem um conceito propriamente econômico, sendo entendido como a exploração em regime exclusivo de determinada atividade econômico por um único agente, havendo, assim, a impossibilidade da entrada de novos concorrentes. Observa-se que os casos de monopólios estatais brasileiros, encontra-se previstos expressamente na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 21, XXIII e art. 177 (o monopólio incide sobre o gás natural, petróleo e minério ou minerais nucleares), tendo o artigo 173 da Carta Magna condicionado a sua intervenção direta apenas nos casos de segurança nacional ou pela supremacia do interesse coletivo. Diante de tal quadro, faz-se relevante um quadro comparativo em relação a realidade de outros países.

No tocante a análise de tais monopólios nos Estados Unidos da América (EUA), é relevante partir do ponto de uma análise histórica e cultural no tocante a intervenção deste Estado na economia, claramente liberal, todavia com suas exceções. Diante disso, afirma Egon Bockmann Moreira (2007, p. 12):

Isso apesar de não ser preciso que o governo norte-americano seja totalmente inofensivo à atividade produtiva estatal. Tanto ao logo de sua História como nos dias de hoje, o governo dos Estados Unidos mantém uma participação (ainda que ínfima) na atividade empresarial. Apesar de se tratar de uma exceção, não merece ser ignorada.

A Primeira Guerra Mundial fez com que os EUA criasse várias empresas públicas como a States Grain Corpotation, War Finance Corporation, dentre outras. Além desse fato histórico, a Grande Depressão ensejou o surgimento de empresas estatais que estabilizassem novamente a economia e concedesse empréstimos. Com isso, demonstra-se a existência da intervenção direta do Estado norte-americano. No que condiz ao monopólio estatal, o mesmo é responsável pela impressão do dinheiro, regulação dos comércios interestadual e internacional, defesa nacional e correios, sendo o U.S. Postal Service o monopólio público mais importante dos EUA.

Assim, embora o modelo econômico norte-americano seja fundamentalmente neoliberal, o mesmo atua como agente regulador, como nos casos de monopólios naturais, haja vista que serviços locais que tenham uma utilidade pública, permanecem privados, mas as tarifas são reguladas pelo próprio Estado, como é o caso dos serviços de telefonia interestadual e transporte interestadual de gás natural que são regulados por agências federais.

Não muito diferente dos EUA, a União Europeia tem seus fundamentos no liberalismo, também optando por essa característica de Estado regulador, intervindo pontualmente e subsidiariamente, tanto que, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2014, p. 110) “na União Europeia, a ideia de serviço público exclusivo do Estado é considerada incompatível com os princípios fundamentais da ordem econômica, quais sejam, o da liberdade de iniciativa e o da livre concorrência.”

Diante de tal cenário, segundo a autora, é de se observar cada vez mais que se tenta acabar com os monopólios estatais (no âmbito da energia elétrica, dos correios, das telecomunicações, da exploração de minas e jazidas) e tenta-se introduzir a ideia de competição na prestação de serviços públicos.

Ante o exposto, denota-se uma tendência cada vez mais evidente de os Estados serem menos interventores, assumindo uma posição de agentes reguladores da economia, sobressaindo-se os fundamentos liberais, diminuindo e restringindo os monopólios estatais, ensejando em uma abertura da prestação dos serviços públicos pelas empresas privadas.

REFERÊNCIAS

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico: do direito nacional ao direito supranacional. São Paulo: Atlas, 2012.

BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 1988.

BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Dispões sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011_2014/2011/Lei/L12529.htm Acesso em 26 maio 2015.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2014.

FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

MOREIRA, Egon Bockmann. O Direito Administrativo Contemporâneo e a intervenção do Estado na Ordem Econômica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico (REDAE). Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 10, maio/junho/julho, 2007.


[1] Carlos José de Castro Costa. Monopólio natural: a legitimação do monopólio para minimizar os custos de produção.

Sobre as autoras
Ana Dulce Fonseca Oliveira Araújo

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão

Lorena Costa Silva

Graduanda de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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