3. Regime Celetista
O regime celetista encontra-se regulado pela Consolidação das Leis de Trabalho – CLT, ou seja, os celetistas são aqueles que têm a relação de trabalho disciplinada através de um contrato de trabalho, firmado e regido pela CLT. Contudo, cabe ressaltar que, embora submetidos à CLT, os agentes celetistas são sujeitos a todas as normas constitucionais, no que se refere a requisitos para investidura, acumulação de cargos, vencimentos, entre outras previstas no Capítulo VII, do Título III, da Constituição Federal.
Portanto, ao contrário do regime estatutário, o regime celetista possui natureza contratual, isto é, o agente público celebra contrato de trabalho com o Estado, sendo assim, para alteração da relação jurídica estabelecida inicialmente, é necessária a modificação do contrato firmado.
Por fim, com relação aos litígios entre os servidores trabalhistas e os entes federativos (União, Estados, DF e Municípios), decorrentes da relação de trabalho na qual figuram tais entes como empregadores, a competência de processar e julgar é da justiça do trabalho, conforme os arts. 109 e 114 da CF.
4. Extinção da Obrigatoriedade do Regime Jurídico Único Após a EC 19/1998
A redação original do art. 39, caput, da Constituição Federal de 1988, afirmava que:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
Desse modo, originariamente, o artigo supracitado estabelecia a obrigatoriedade de adoção de um só regime jurídico aplicável a todos os servidores integrantes de suas administrações direta, autárquica e fundacional, por parte de cada ente federativo. Antes da EC 19/1998, cada município, cada estado-membro, o Distrito Federal e a União tinham, de certa forma, a liberdade para estabelecer o regime jurídico a que estariam submetidos os agentes públicos de suas administrações diretas, autarquias e fundações públicas, observando que tal regime deveria ser unificado para todos os servidores desses órgãos e entidades.
É possível observar que, na redação original do art. 39, não havia referência ao regime jurídico que deveria ser adotado, concluindo-se que não era obrigatória a adoção do regime jurídico estatutário para os agentes públicos das administrações diretas, autarquias e fundações públicas dos vários entes da Federação, impondo-se, apenas, a unificação de regimes, excetuada a possibilidade de coexistência de servidores sujeitos a relações jurídicas diversas quanto a seus vínculos funcionais, na mesma administração.
Não era vedado, portanto, que certo ente federativo escolhesse um regime de natureza tipicamente estatutária ou um regime contratual (celetista), havendo, até mesmo, a possibilidade de existência de um regime misto, que se mostrasse mais adequado para a atuação das atribuições públicas.
Diante desse cenário, levando em consideração a antiga redação do art. 39 da Constituição já mencionada anteriormente, a União editou a Lei 8.112/1990, que instituiu o regime jurídico único dos servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais. A União fez a escolha do regime jurídico estatutário, tendo em vista que, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
Este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses laborais, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os servidores são os próprios instrumentos da atuação do Estado. (BANDEIRA DE MELLO, C. A, 1996, p. 154-155)
Diante disso, entendeu o legislador que o vínculo estatutário é o mais adequado para reger as relações funcionais dos agentes públicos da administração direta, autarquias e fundações públicas federais, haja vista que esses órgãos e entidades não são compatíveis com organização de cunho tipicamente empresarial, não sendo conveniente para administração pública a adoção de vínculo de natureza contratual com seus agentes. Com relação a isso, nas lições de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
O poder de polícia e outras prerrogativas públicas fundadas no poder de império do Estado só podem ser exercidos, na maior parte das vezes, por agentes públicos estatutários, porquanto o ordenamento jurídico confere ao regime estatutário instrumentos que possibilitam a atuação imparcial frente a grupos ou mesmo indivíduos detentores de influência e poder econômico ou político. (ALEXANDRINO, PAULO, 2010, p. 312).
De um modo geral, a EC 19/1998 alterou o caput do art. 39 da Constituição com o objetivo de eliminar a obrigatoriedade de adoção de um regime jurídico unificado pelos entes federados para seus agentes que atuariam na administração direta, autárquica e fundacional, além de eliminar também, de maneira expressa, a obrigatoriedade de instituição de planos de carreira. O artigo supra passou, então, a ter a seguinte redação:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.
É possível observar, portanto, que a EC 19/1998 não revogou ou prejudicou as disposições da Lei 8.112/1990, tendo em vista que, apenas, passou a ser possível a existência de agentes públicos regidos por mais de um regime jurídico na administração direta, nas autarquias e nas fundações públicas dos entes federativos. Por isso, após a EC 19/1998, a União editou a Lei 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego público do pessoal da administração federal direta, autárquica e fundacional.
5. Suspensão da Eficácia do art. 39, Caput, da CF/88 (ADI 2.135/DF) e a Volta ao Regime Jurídico Único
Como já abordado anteriormente, com a EC 19/1998, deixou de existir o regime jurídico único, criando-se a possibilidade de que os entes federados adotassem, simultaneamente, mais de um regime. Entretanto, foi proposta ação direta de inconstitucionalidade questionando, principalmente, a validade formal da EC 19/1998 (ADI 2135).
Ante o exposto, é importante ressaltar que a modificação do caput do art. 39, perpetrada pela EC 19/1998, teve sua eficácia suspensa, pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de agosto de 2007, sob o fundamento de inconstitucionalidade formal, haja vista que, na tramitação da emenda, a Câmara dos Deputados não observou o processo legislativo estabelecido no art. 60, § 2º, da Constituição, especificamente quanto ao caput do art. 39, que não foi submetido a aprovação em dois turnos.
No julgamento da ADI 2.135/DF, o plenário do STF, em 02.08.2007, concedeu liminar, suspendendo a nova redação dada ao art. 39, caput da CF/88, restabelecendo, portanto, a redação original do dispositivo e, consequentemente, a previsão do regime jurídico único. Na época, a Ministra Ellen Gracie esclareceu expressamente que a decisão terá efeitos prospectivos (ex nunc), ou seja, toda a legislação editada durante a vigência do art. 39, caput, com a redação dada pela EC 19/1998, continua válida.
Logo, o STF resguardou as situações consolidadas após a alteração constitucional, até que haja o julgamento do mérito da ADI, o que ainda não aconteceu. Assim, o regime jurídico único volta a ser obrigatório, em todas as esferas políticas da Federação, para os servidores da administração direta, das autarquias e das fundações públicas.
6. Considerações Finais
A Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispõe acerca do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Tal dispositivo legal é imprescindível para a organização da Administração Pública. Entretanto, verifica-se que tal regime passou por um processo para que se chegasse hoje ao sistema organizacional dos servidores públicos estabelecido pela lei nº 8.112/90.
Nesse sentido, o regime jurídico funcional público brasileiro passou por sutis modificações ao longo dos tempos, sendo mais perceptível a partir da análise das constituições anteriores à de 1988, com destaque para a Constituição de 1939.
Ademais, o presente trabalho possibilitou o estudo acerca da Emenda Constitucional nº 19/98, especialmente a alteração concernente ao art. 39 da CF, que permitiu à União, Estados, ao DF e aos Municípios, no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional (fundações públicas) a adoção de regimes diferenciados aos seus servidores.
Portanto, a alteração realizada pela EC nº 19/98 possibilitou a multiplicidade de regimes jurídicos funcionais, contudo é importante salientar que não chega ao ponto de admitir o regime celetista (CLT) na Administração Pública.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2010.
ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Os Regimes jurídicos dos servidores no Brasil e suas vicissitudes históricas. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, nº 50, p. 143-169, jan. – jul., 2007.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1996.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, 16ª ed., São Paulo: Forense, 2014.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2014.
Notas
[3]MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, 16ª ed., São Paulo: Forense, 2014, pag. 320.
[4]ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Os Regimes jurídicos dos servidores no Brasil e suas vicissitudes históricas.Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, nº 50, p. 143-169, jan. – jul., 2007.