A acumulação com o cargo técnico ou cientifico

24/12/2016 às 14:26
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É necessário o discernimento entre o que seja um cargo técnico e o que seja um cargo cientifico, para que se admita, ou não, que o servidor acumule ao seu, um outro cargo efetivo, dentro do serviço público e nos termos da Constituição Federal.

               

                Em princípio, a ordem do Direito Público é imperativa ao proibir o exercício acumulativo de cargos, em face do seu pressuposto de que, sempre com a intenção de alcançar uma maior eficiência na prestação dos serviços públicos, deve o agente dispensar exclusividade àquilo que se propõe como prestador, ao que demanda uma dedicação limitadíssima ao exercício que é próprio ao cargo do qual recebeu investidura, daí, se haver concepção de que a concomitância com outras ocupações diminui a produtividade do servidor, em desfavor do usuário.    

                Entretanto, ao mesmo tempo em que a norma impõe o rigor, também mostra flexibilidade em situações bem restritas, quando o texto constitucional abre exceções, sendo, de outra forma permissivo a acumulação de cargos, em hipóteses especialíssimas, quando assim expressa: in litteris

Art. 37.    ...........................................                
XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.                    
a) a de dois cargos de professor;        
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;    
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
                     
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público;

 
                   O preceito constitucional se reproduz na Lei 8.112/90 dentro do título versejante sobre o regime disciplinar do servidor público e em capítulo próprio a acumulação de cargos, inserindo-se no estatuto com os mesmos propósitos da coletada norma constitucional: in litteris

        Da Acumulação

       Art. 118.  Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos.

        § 1o A proibição de acumular estende-se a cargos, empregos e funções em autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Territórios e dos Municípios.

                   Ainda acerca da cumulatividade de cargo, e nos termos da EC 20/98, é interessante a menção em passant de que, o servidor aposentado, que venha a prestar concurso público após a sua desvinculação com o serviço ativo, a ocupação de um novo cargo esbarra no mesmo proibitivo constitucional: in litteris

§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.  

                   Feitos os pertinentes referenciais normativos, passa-se doravante ao discernimento frontal, com a particularidade do canon constitucional, expressivo a acumulação do cargo de professor com outro técnico ou científico.

                  A excepcionalidade da acumulação de um cargo técnico ou cientifico com o cargo de professor,  prevista na Magna Carta,  se justifica pela grande contribuição que o domínio técnico e científico possa trazer às instituições educacionais, numa interatividade da experiência, pragmaticidade e teoria, a ser repassada em forma de conhecimento ao discente, hipótese em que a ordem permite o exercício cumulativo  de dois cargos de  professor, ou deste com outro de natureza técnica ou científica, sempre em que exista compatibilidade de jornada laboral.

                   É imprescindível que, quando das sequenciais nomeação, posse e exercício, mais precisamente com referência aquilo que é de mais rigor à investidura, como seja, o ato de posse, que o servidor declare ao gestor de pessoas, que exerce outro cargo, emprego ou função pública nos termos da Lei 8.112/90 in litteris:

Da Posse e do Exercício

        Art. 13.  A posse dar-se-á pela assinatura do respectivo termo, no qual deverão constar as atribuições, os deveres, as responsabilidades e os direitos inerentes ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilateralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de ofício previstos em lei.

..................................................

      § 5º.  No ato da posse, o servidor apresentará declaração de bens e valores que constituem seu patrimônio e declaração quanto ao exercício ou não de outro cargo, emprego ou função pública.

        
                   Embora o imperativo das coletadas normas o seja no sentido proibitivo, ao mesmo tempo abrem-se exceções onde se vê, dentre outros e com afinidade a situação sub examine, o permissivo a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, ressalvado que exista a compatibilidade de horário e que os ganhos pela acumulação não ultrapassem o teto remuneratório dos Ministros do STF.
 
                   Quanto a indagação se cabível ou não a acumulação ora vislumbrada, primeiramente, levando-se em consideração os aspectos puramente literais do preceito, na sua trivial dissecação gramatical como ponto de partida ao raciocínio, in casu, impõe-se isolar a partícula da norma que expressa o permissivo da acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, para a partir dela chegar a uma conclusão.                                   

                   Sem propósito de crítica ao legislador, ocorre que, na construção sintática do preceito, o fez no sentido de que, se a acumulação do cargo de professor não fosse com um cargo técnico  teria de ser com outro, científico. Entretanto, ao idealizar um sentido alternativo na regra suso, a deixou quase sem nenhum efeito prático. É difícil particularizar e estabelecer limites a isolar o conhecimento técnico do científico, de forma a vislumbrar distinção aos cargos públicos. Não há discernimento clássico de um em relação ao outro, de forma a estabelecer definições estanques do científico que não se aplique ao técnico e vice-versa.       

                   Atento a este aspecto comum às duas expressões, o doutrinador publicista José Cretela Junior tece interessante comentário, quando assim expressa:

Em nossos dias, o técnico que não se socorresse de princípios científicos não seria técnico,                na moderna acepção da palavra, mas profissional autônomo (...)

                   Primeiramente, na acepção da palavra cientifico, pelos ensinamentos da epistemologia jurídica de Maria Helena Diniz, pode-se concluir que, com a excludencia de elementos da filosofia, este termo se refere ao saber limitado a uma área do conhecimento humano, com autonomia de objeto, cujo processo de investigação se dá de forma ordenada, sistematizada e organizada.

                 Acontece que o conhecimento técnico, também passa pelos mesmos pressupostos da atividade cientifica, como sendo, desenvolve-se em torno de um objeto especifico, elaborado de forma ordenada, sistematizada e organizada, daí que de grande afinidade com os métodos da ciência, ao que se conclui não ser tarefa das mais fáceis isolar um do outro.

                   Importante a observação de que não existe método que não passe pelas técnicas, sendo destas as particularidades que instrumentalizam, tanto a descoberta, quanto a explicação dos fenômenos. 

                   Este cotejo entre o que possa ser, de um lado, apenas técnico e o que, de outro, seja excelso cientifico, encontra, de certa forma, um divisor na estratificação do ensino, idealizada pelas estruturas criadas pelo Estado. As universidades são tidas ex cathedra como fóruns do mais alto nível, daí que se leve ao raciocínio de alguns como se, nelas, encerrasse todo o trabalho científico, restando ao nível técnico, o conhecer de menor prestígio.             

                    Assim sendo, nesta linha de pensamento, o administrador criou regras quando, em meados do século passado a União Federal fez editar o Decreto 35.596/54. A disciplina normativa se reportou à expressão do termo técnico ou científico, sempre preferindo fazê-lo de forma conjugada, inobstante o seu sentido alternativo, sendo cauteloso o referido ato, em indicar critérios isolados. 

                    Sem muita contribuição, à época, o referido ato normativo limitou-se a dizer que assim seria considerado todo cargo, cujo exercício estivesse vinculado ao conhecimento obtido em nível superior de ensino ou dependente de habilitação em curso legalmente classificado como técnico, também de nível superior. 

                    Nos termos do precursor ato normativo, em um primeiro momento, o critério para a definição de cargo técnico ou científico se esvazia na habilitação acadêmica, inobstante a existência, dentro do então ensino secundário, das escolas técnicas, que já naquela época ofertavam cursos para a formação de profissionais com a denominação de técnicos, dentro da reforma do ensino inserida pelo Ministro Gustavo Capanema. 

                   O critério idealizado pelo referido ato normativo, de certo que trouxe grande influência na administração pública dos Estados Membros, até mesmo pelo fato de que a União Federal sempre foi um modelo às demais unidades da federação, a exemplo do que assimilou o Estado do Maranhão, consoante Decreto 11.474/90, que somente considera cargo técnico, aqueles cujos ocupantes possuam formação superior. 

                  Hodiernamente, o critério de que cargo técnico, em sua definição esteja atrelado a formação de nível superior, tem-se como superado. Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento, de forma diversa, quando assim julgou:

1. O fato de o cargo ocupado exigir apenas nível médio de ensino, por si só, não exclui o caráter técnico da atividade, pois o texto constitucional não exige formação superior para tal caracterização, o que redundaria em intolerada interpretação extensiva, sendo imperiosa a comprovação de atribuições de natureza específica, não verificada na espécie, consoante documento de fls. 13, o qual evidencia que as atividades desempenhadas pela recorrente eram meramente burocráticas. (Destacou-se) (RMS 12.352/DF - Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa - T6 - DJ 23/10/06)

                     Pelo o que se pode ver, na progressividade do direito, torna-se pacífico, de que cargos técnicos também o são aqueles ocupados por servidores com formação de nível médio, ao que ora induz conclusões de que, ao que emana das diretrizes e bases da educação nacional, o seja nos termos da educação profissionalizante (Art. 36 usque 42 da Lei nº 9.394/96).

                     Conquanto as normas não desçam aos pormenores, no seu sentido didático de melhor indicar no que consiste o cargo técnico e o cargo científico, inobstante a isso, a pragmática administrativa já indica alguns critérios que facilitam a análise, quanto a cumulatividade constitucional.   

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                    Neste sentido, o cargo técnico pode ser visto com auxílio do que emana da estrutura de ensino no Brasil, inobstante as mudanças inseridas pela Lei 11.741/2008, como aquele que somente pode ser ocupado por servidor com formação sob a nomenclatura de curso técnico ou similar, ofertado pelas instituições públicas ou privadas, tanto no ensino médio, quanto na educação superior, reconhecido nos termos da legislação nacional, com o título do concluinte registrado, em havendo, no órgão de fiscalização ao exercício profissional. Atente-se que a estrutura de ensino federal já aboliu esta nomenclatura, ao dar outra denominação as antigas Escolas Técnicas idealizadas pelo Ministro Gustavo Capanema, ao designa-las como Institutos Federais de Educação, de formação profissionalizante e tecnológica.     

                    O prestígio da estrutura do ensino nacional, na disponibilidade de cursos técnicos é tanto, que os planos de cargos e salários são elaborados em correlação às habilitações obtidas através destes, daí que os cargos públicos preservam a mesma denominação dos cursos de nível médio que possibilitaram a investidura do agente, a exemplo dos cargos de Técnico de Enfermagem, Técnico Agrícola e Técnico em Laboratório, que são comuns aos quadros e planos de carreira de servidores.    

                     Ainda em prestígio a estrutura do ensino nacional, de outro lado, a formação específica em cursos superiores, a exemplo de Direito, Engenharia Civil e Medicina, deixa irrefutável que são técnicos e científicos os cargos públicos de Juiz de Direito, Engenheiro Civil, Médico, cujo exercício é privativo aos portadores de diploma, dentro de cada uma dessas áreas do conhecimento. 

                     Determinados cargos públicos, pela complexidade do seu exercício, exigem do agente um conhecimento específico prévio e uma titulação que lhe tornará apto à investidura. Na realidade é quando a prestação do serviço público consistirá na transposição de um conhecimento técnico, para o desempenho do cargo, de modo a gerar uma utilidade efetiva e concreta em favor do usuário.

                    Outra questão interessante é quando o administrador depara com situações outras, em que a formação do servidor, embora seja técnica, o título que lhe foi outorgado ao concluir o curso e que o habilitou à investidura, não se vislumbra a nomenclatura de curso técnico. Neste caso, a aferição da natureza do curso dar-se-á pelo complexo exame extrajurídico, como sendo, extrapola as atribuições dos juristas, vez que circunscrito a critérios pedagógicos, quando serão aferidas matriz curricular, autorização, reconhecimento, dentre outros, da ordem institucional. 

                    A propósito desta busca de informações extrajurídicas, do que seja o técnico ou científico, a literatura do Direito Público apresenta importante preleção doutrinária, no que ensina Marçal Justen Filho in Comentários a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, quando de forma correlata ao tema, manifesta:

A conceituação de um certo serviço como técnico importa em uma investigação extranormativa. A lei não pode (nem o quis, no caso) definir o que seria "técnico", pois somente as ciências poderiam fazê-lo. Seria improfícua e inconveniente a opção legislativa de substituir-se ao conhecimento científico, pretendendo definir exaustivamente a natureza dos serviços técnicos. Não se trata, evidentemente, de remessa à escolha discricionária do administrador. Não se atribui ao administrador livre escolha sobre o que seria um serviço "técnico". Ao contrário, impõe-se examinar a natureza do serviço e comprovar se a hipótese se configura como tal perante as ciências.

                     Nesta tarefa de aferir a formação do servidor, com as atribuições do seu cargo, é quando o aplicador do direito vai se socorrer das contribuições de outras áreas do conhecimento, onde sobressaem as instituições do labor pedagógico, a exemplos dos Conselhos Estaduais de Educação. Em sendo estes, responsáveis pela regularidade do ensino médio no país, ao avaliarem sobre estrutura institucional, quadro docente, rede física, biblioteca, laboratórios, campo de estágio, grade curricular, conteúdo programático, quesitos comuns a qualquer proposta de curso, o fazem com exaustiva cientificidade, própria à pedagogia.

                      Para o Administrador, melhor seria se os atos de autorização e reconhecimento fornecidos pela autoridade educacional, independente da nomenclatura do curso, já expressassem a sua natureza, o que de certo facilitaria ao correlacionar a habilitação, com o exercício do cargo, para dizê-lo, se técnico ou não.

                     Outra observação interessante, ainda sob os reflexos da doutrina de Marçal Justen Filho, diz respeito à hipótese do administrador, ao seu alvedrio político, elaborar leis para criar planos de carreira e cargos e engendrá-los com a denominação de cargo técnico isso ou aquilo, sem que exista na rede pública ou particular de ensino, alguma regular formação técnica específica ao pretenso ocupante.

                      Embora em muitos dos referidos planos, a lei expresse determinado cargo como sendo técnico, nem sempre tal indicação é verdadeira, assim o sendo por mera denominação legislativa, sem nenhuma exigência de conhecimento científico, cujo ocupante pode ser qualquer pessoa, independente de formação específica ao exercício deste.

                     Exemplo bem clássico diz respeito ao cargo de Técnico Judiciário, de nível médio, cuja denominação levou alguns de seus ocupantes a acreditar que poderiam, dentro do permissivo constitucional, a acumular a este, o cargo de professor. A solução jurisdicional consolidou-se em desfavor dos pretensos, pela simples razão de que, embora com a nomenclatura de cargo técnico, a sua investidura não suplica por formação escolar específica, sendo que qualquer pessoa com escolaridade de nível médio está apta a ocupá-lo. 

                    Neste sentido, é oportuno trazer-se à colação o recente aresto do Superior Tribunal de Justiça, quando assim consolidou entendimento:

Não é possível a acumulação dos cargos de professor e Técnico judiciário, de nível médio, para o qual não se exige qualquer formação específica e cujas atribuições são de natureza eminentemente burocrática (RMS 21.224-RR,  Min. Arnaldo Esteves Lima - Quinta Turma - DJ 01/10/2007)

      
                     Pelo o que se vê, do conceito de técnico ou científico são excluídos os cargos que envolvam atuação meramente burocrática, ainda que dotadas de certa complexidade, porém de pratica repetitiva, não ensejam formação especial para o seu exercício. 

                  Interessante, ainda, que nem todo servidor público, cujo ingresso seja dependente de uma formação ao nível superior, por si só, possa ser considerado como ocupante de cargo técnico ou científico. Existem situações em que a administração pública prima pelo bom padrão do nível intelectual daquele que vai prestar um serviço em favor da sociedade, daí a exigência legal de que seja portador de um diploma de nível superior.

                      Nesta situação se enquadra, por exemplo, o cargo de agente de polícia federal, que por imposição da Lei 9.266/96, a sua investidura está condicionada a uma graduação de nível superior, sem especificação de curso ou área, daí que, em algumas delas, sem nenhuma afinidade ao serviço policial.

Sobre o autor
Carlos Orlando Souza

Advogado da União aposentado - Ex Procurador do Estado do Amapá - Professor da Fundação Universidade Federal do Amapá-UNIFAP

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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