LIVRE COMPOSIÇÃO DO NÚCLEO FAMILIAR E O DEVER ESTATAL DE OFERECER CONDIÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
INTRODUÇÃO. 1 A FAMÍLIA BRASILEIRA. 1.1 A família e sua evolução.
1.2 A nova face da família. 1.3 Redução dos componentes do núcleo familiar.
2 O ESTADO E O DIREITO DE FAMÍLIA. 2.1 Intervenção estatal no Direito de Família. 2.2 Intervenção à luz da Constituição Federal. 2.3 Livre iniciativa: direito do cidadão. 2.4 Obrigação de propiciar direitos básicos. 3. PLANEJAMENTO FAMILIAR E A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO 3.1 Ordenamento e vertentes doutrinárias. 3.2 Conflito do ponto de vista social. 3.3 Viabilidade da intervenção. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
RESUMO: O ser humano para sobrevivência se reunia em grupos, os quais desenvolviam diretrizes para uma convivência harmônica. Esse agrupamento básico foi sofrendo mudanças, chegando hoje à família moderna, em suas manifestações, graças ao Princípio do Pluralismo das Entidades Familiares, que tem sua formação livre pelo cidadão, devendo o Estado tutelar de forma não coercitiva, tendo a obrigação de propiciar os direitos fundamentais e básicos para uma vida qualitativa. O presente trabalho visa discutir esse conflito, buscando questionar e impingir uma reflexão sobre o conflito social insurgente, uma vez que pode gerar a desarmonia entre número de pessoas e a possibilidade de oferta de direitos fundamentais, em face da limitação dos recursos para tal obrigação estatal. Através de análise legislativa e doutrinária, utilizando-se método de pesquisa hipotético-dedutivo, e método procedimental comparativo, procura-se demonstrar que uma atuação mais eficaz de caráter preventivo/educativo pelo Estado se mostra como alternativa viável, bem como um instrumento de pacificação social.
Palavras-chaves: Família. Estado. Coercitiva.
INTRODUÇÃO
O planejamento familiar tem previsão legal prescrita pela Constituição Federal de 1988, e regulamentação pela Lei 9.263/96, onde fica ao cidadão a livre composição do núcleo familiar. Em paralelo, fica a cargo do Estado tutelar e conceder condições desse núcleo exercer seus direitos fundamentais. O presente trabalho visa à avaliação das legislações brasileiras relacionadas ao livre direito para o planejamento familiar e a obrigatoriedade do Estado brasileiro em fornecer condições e recursos educacionais e financeiros para o exercício desse livre direito.
O Estado possui forte influência no direito de família, tanto que doutrinadores renomados, tal como Rolf Madaleno, Maria Berenice Dias, dentre outros entendem a família como a espinha dorsal do Estado, onde a autonomia da vontade é limitada pela ordem pública, sendo base de sustentação e motivação da atuação estatal.
O Estado, num contexto histórico, percebeu a importância da família, onde esta representa um pilar fundamental na qual repousa todo o ordenamento civil. Diante disso, apenas se preocupou em estabelecer ações preventivas e educativas, objetivando o acesso igualitário a informações, meios, métodos e técnicas para a regulação da fecundidade, sempre evitando usar da coercitividade para tal.
A hipótese que se pretende verificar nesse estudo está relacionada ao confronto normativo existente nas legislações vigentes no país relacionadas as temáticas do planejamento familiar e da obrigação estatal do fornecimento das condições para o exercício desse direito. Supõe-se, assim, que o fato do Estado brasileiro, ao não interferir por lei no planejamento familiar (mesmo que a taxa de fecundidade no Brasil esteja chegando, nos tempos atuais, aos seus níveis baixos), ao mesmo tempo em que, assume por lei o papel de principal provedor das necessidades das áreas de educação, saúde, assistência social e previdenciária da população brasileira assume uma postura contraditória, já que muitas vezes as políticas sociais nessas áreas citadas não se mostram satisfatórias e mesmo assim o Estado cede aos seus cidadãos o direito do livre planejamento familiar.
Apesar do declínio no número de componentes do núcleo familiar, não incomuns são os casos de famílias extensas vivendo em condições subumanas, pela falta de condições e recursos para uma vida digna. O presente trabalho visa à discussão do tema, tendo como norte os princípios relativos aos direitos humanos, conscientizando sobre a importância da otimização dos recursos de que dispõe o Estado para garantir condições dignas de vida às famílias brasileiras.
O objetivo do presente trabalho é analisar as legislações vigentes no Brasil (Código Civil de 2002, no seu artigo 1565, §2º, Lei 9.263/96 e a Constituição Federal de 1988) sob as temáticas do livre direito ao planejamento familiar e sob a obrigação estatal do fornecimento de condições e recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito. Com isso, o intuito é examinar o confronto normativo estabelecido: por um lado, o Estado não interfere no planejamento familiar das famílias, e, por outro lado, assume a obrigatoriedade de gerar toda a estrutura (políticas sociais) para essas famílias, mesmo não sendo totalmente capaz de assumir esse compromisso, por falta de recursos ou por falta de um melhor gerenciamento das verbas, etc.
Utiliza-se pesquisa bibliográfica, analisando as legislações vigentes, assim como doutrinas, jurisprudência e levantamentos estatísticos. O método é o hipotético-dedutivo, pois vislumbra um problema que nasce com a observância dos dispositivos legais, sob uma perspectiva qualitativa, e o método de procedimento foi o comparativo, pelo qual foram confrontados os pontos pacíficos e controversos sobre o presente tema proposto.
O trabalho foi estruturado de modo que ficará demonstrado na primeira parte o perfil da família brasileira, demonstrando-se também a evolução geral do instituto hoje conhecido como família; no segundo tópico, abarca-se a relação existente entre o Estado e a família, demonstrado-se a relação existente entre esses; por fim, na terceira parte do trabalho, ficarão expostas as razões pelas quais se fundamenta a presente tese, onde se procura demonstrar a importância de uma gerência educativa, a fim de servir de instrumento de pacificação social.
1 A FAMÍLIA BRASILEIRA
A maioria dos doutrinadores, clássicos ou contemporâneos, encontram uma grande dificuldade em definir um padrão do que vem a ser o ente ora denominado família. Assim como o direito, a família se faz um instituto também dinâmico, que se modifica ao longo do tempo, se adequando aos apelos e ensejos que a sociedade impõe, alterando também o que em tempos remotos, seria tido como um padrão de família.
No Brasil não poderia ser diferente, onde se constata que “a unidade familiar, sob o prisma social e jurídico, não mais tem como baluarte exclusivo o matrimônio”. (VENOSA, 2005, p. 22).
Assim sendo, deve-se ter como norte o Princípio do Pluralismo das Entidades Familiares, sagrado pela Carta Magna de 1988, respeitando a natural evolução e, de certa forma, adequação que se faz necessária para não se configurar um direito das famílias estagnado, bem como não acarretar um desconforto do ponto de vista social.
1.1 A família e sua evolução
Como já citado, a família apresentou profundas transformações ao longo dos séculos, desde as comunidades promíscuas das antigas civilizações até os novos conceitos introduzidos, citando, a título de exemplo, o atual reconhecimento das uniões homoafetivas.
Na história, talvez a mais famosa configuração de família sejam aquelas que se fundavam no pátrio poder, em Roma, nas quais “o poder do pater exercido sobre a mulher, os filhos e os escravos é quase absoluto. A família como grupo é essencial para a perpetuação do culto familiar.” (VENOSA, 2005, p. 20). Verifica-se assim que a preocupação girava em torno da vontade do homem que comandava a família, e na sua necessidade de manutenção da descendência e cultura dos seus antepassados. Nessa estrutura familiar, “a mulher, ao se casar, abandonava o culto do lar de seu pai e passava a cultuar os deuses e antepassados do marido.” (VENOSA, 2005, p. 20). Porém, a sociedade evoluiu com ideais isonômicos, pregando a não distinção do homem e da mulher, o que fez com que essa forma de controle familiar sucumbisse.
Apesar de presentes indícios do pátrio poder ainda existirem dispersos pelo mundo em certas culturas, o ideal do poder familiar foi inserido no cenário das famílias, e por ele houve a igualdade entre homem e mulher no que diz respeito aos poderes e na possibilidade de tomar decisões em prol do controle e manutenção do núcleo familiar.
Atualmente, a título exemplificativo, são reconhecidas como famílias as famílias informais, decorrentes da união estável; anaparentais, que decorrem da convivência entre pessoas, guardando parentesco entre si ou não, mas estruturadas com aspecto familiar; monoparentais, que são aquelas que se compõem de apenas um dos genitores e seus descendentes, o que em anos passados seria tido como um fato socialmente reprovável; e outras determinadas pelo Princípio da Pluralidade das Entidades Familiares; e, em grande parte, essa mudança se dá pelo aspecto sociológico, no qual a sociedade vê como normais esses novos institutos familiares que vão surgindo, seja por uma natural evolução do pensamento humano ou por sua necessidade de se adequar às transformações.
A sociologia clássica define família como “um grupo de pessoas unidas directamente por laços de parentesco, no qual os adultos assumem a responsabilidade de cuidar das crianças”. (GIDDENS, 2010, p. 175).
Desta conceituação, logo se faz necessário definir o que vem a ser este parentesco, e para tal, podemos dizer que “parentesco são relações entre indivíduos estabelecidos através do casamento ou por meio de linhas de descendência que ligam familiares consanguíneos”. (GIDDENS, 2010, p. 175). Importante salientar que se trata de conceitos trazidos pela Sociologia, e face ao cenário atual do Direito de Família, devem ser reavaliados e adequados aos núcleos familiares contemporâneos, uma vez que “não existe identidade de conceitos de família para o Direito, para a Sociologia e para a Antropologia”. (VENOSA, 2005, p. 17).
1.2 A nova face da família
No âmbito jurídico, verifica-se que “é difícil encontrar uma definição de família de forma a dimensionar o que, no contexto social dos dias de hoje, se intere nesse conceito”. (DIAS, 2010, p. 42).
Ainda nesse sentido, “os novos contornos da família estão desafiando a possibilidade de se encontrar uma conceituação única para sua identificação”. (DIAS, 2010, p.43).
Sendo assim, vemos a grande mutação que sofreu ao longo do tempo o instituto ora denominado família, e como sendo possuidor de uma característica dinâmica, precisa de uma tutela atuante e forte por parte do Estado.
A doutrina hoje entende que devemos analisar a família tendo sempre como primícias uma visão pluralista dessa, buscando um elemento que possibilite conceituar a família, tendo em conta as mudanças ocorridas no cenário sócio-jurídico.
Apesar dessa grande dificuldade, é conceituada a família como “um modelo fundado nos pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família”. (DIAS, 2010, p.43).
Dessa forma, verifica-se que a atenção é voltada para o indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar, devendo sempre ao se mencionar famílias ter um cuidado especial, analisando as evoluções que se fazem naturais neste cenário e respeitando os direitos fundamentais instituídos por nossa Constituição, evitando, assim, um retrocesso e a instalação de uma situação de desconforto e conflito do ponto de vista social.
1.3 Redução dos componentes do núcleo familiar
Antes de trazer à luz da discussão o foco principal do presente artigo, se faz necessário falar um pouco sobre a atual situação demográfica brasileira, mais precisamente no que diz respeito ao número de crianças e núcleos familiares.
A fecundidade de todas as regiões brasileiras já atingiu os níveis de reposição (COMUNICADOS..., 2009, p.9). Nesse sentido, as pesquisas apontam, em números, que a taxa de fecundidade declinou de 5,8 filhos nascidos vivos em 1970 para 2,3 no ano de 2000.
Diante dessa informação, verifica-se que a população brasileira, em comparação a outros anos, atualmente apresenta uma diminuição considerável na taxa de fecundidade, cuja contração é visível, e também se vislumbra um aumento na expectativa de vida.
Vários são os fatores para essa realidade, seja pelo custo para propiciar uma criação aos filhos que atenda um mínimo de qualidade de vida, ou a dificuldade, nos dias atuais, para manter os jovens em um caminho correto; a independência da mulher; o não interesse das pessoas em constituir famílias, enfim, há uma gama de fatores que podem justificar tal situação.
Apesar do declínio, isso não significa que o Estado não encontre dificuldade para tutelar e disponibilizar recursos a fim de possibilitar aos cidadãos o exercício pleno de seus direitos fundamentais, tendo em vista que ao analisarmos a situação a nível nacional, o Brasil apresenta populações em seus Estados que são equivalentes à população até mesmo de países, e verifica-se ainda muitas regiões onde há um descontrole no que diz respeito ao número de integrantes do núcleo familiar.
Comprovando tal fato, temos que :
O Brasil tinha 11,42 milhões de pessoas morando em favelas, palafitas ou outros assentamentos irregulares em 2010. O número corresponde a 6% da população do País e consta do estudo Aglomerados Subnormais, realizado com dados do último Censo e divulgado [...] pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A comparação com levantamento realizado há vinte anos indica que quase dobrou no período a proporção de brasileiros que moram nessas áreas, em condições precárias. Em 1991, 4,48 milhões de pessoas (3,1% da população) viviam em assentamentos irregulares, número que aumentou para 6,53 milhões (3,9%) no Censo de 2000. (WERNECK, 2011).
Posto isso, demonstrada uma primeira impressão sobre alguma das tantas famílias brasileiras, passa-se à análise do perfil dessa e aprofundamento do tema in quaestio.
2 O ESTADO E O DIREITO DE FAMÍLIA
Em tempos passados, a família tinha sua tutela ditada pela Igreja, que regrava e dava diretrizes de como seria composta, o que seria considerada entidade familiar, enfim, normatizava os cidadãos e suas relações familiares.
Dado certo momento, o Estado vislumbrou a grande força que a família representava como base para a composição de uma sociedade saudável e estável, além de ser uma aliada no objetivo de criar e educar as futuras gerações.
Diante desse fato, o Estado passou a subsidiar a família, tanto no que diz respeito a sua manutenção assim como normatizá-la, criando mecanismos e conceitos que procurassem atender aos anseios da sociedade, buscando também a estabilidade dessa.
2.1 Intervenção estatal no Direito de Família
A lei é expressa ao determinar a responsabilidade do Estado em tutelar e oferecer recursos inerentes ao exercício dos direitos fundamentais pelas famílias, previsão que vem exteriorizada na CF/88 e no art. 1565, § 2º, CC.
Mas, o mesmo ordenamento que institui ao Estado essa obrigação, coloca certo empecilho para tal, ao determinar no art. 1513, CC que é defeso ao Estado qualquer intervenção no que diz respeito à comunhão de vida instituída pela família, assim como no próprio § 2º do art. 1565, CC, in fine, onde a lei proíbe qualquer intervenção coercitiva das instituições públicas ou privadas.
Nesse sentido, doutrinadores entendem que “a intervenção do Estado na família é fundamental, embora deva preservar os direitos básicos de autonomia. Essa intervenção deve ser protetora, nunca invasiva da vida privada”. (VENOSA, 2005, p.26).
Claro que o respeito à liberdade dos indivíduos deve ser elemento jamais esquecido, porém se essa liberdade não for harmonizada com outros princípios, poderemos correr o risco de sobrecarregar ainda mais o Estado, que já possui limitações orçamentárias e, diante do cenário nacional, verificamos as grandes dificuldades que passa para tutelar a vida dos seus cidadãos.
Além da educação, também outros direitos seriam de responsabilidade estatal, como a assistência geral às crianças, adolescentes, necessitados e idosos, situações nas quais verificamos a extensão e influência deste ente público na vida de todos os cidadãos no dia-a-dia.
2.2 Intervenção à luz da Constituição Federal
A Constituição Federal é expressa quando se refere à intervenção estatal no que diz respeito à composição do núcleo familiar, trazendo em seu art. 226, § 7º que:
Art. 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
[...]
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Desta forma, constata-se que o legislador, na época, em respeito à importância do núcleo familiar, preocupou-se em impedir que o Estado, de forma coercitiva interviesse em sua formação, desde que os princípios da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável, além de outros direitos fundamentais por ela assegurados, fossem a todo momento guarnecidos e resguardados, objetivando a composição de um grupo familiar estruturado.
2.3 Livre iniciativa: direito do cidadão
Como citado no tópico anterior, tem o cidadão a premissa de compor seu núcleo familiar da forma que melhor lhe parecer, sempre com respeito aos princípios da paternidade responsável e, principalmente, da dignidade da pessoa humana.
Ocorre que, infelizmente, não vislumbramos esses princípios norteando os indivíduos, pois enquanto uma menor parte da sociedade opta por não ter filhos ou ter em quantidade moderada, uma grande parte assim não procede, sendo motivo para tal vários, dos quais posso citar o não uso de métodos contraceptivos, o precoce início da vida sexual dos jovens, o baixo nível de escolaridade, uma vez que a escola, juntamente com a família, tem a função de difundir nos jovens os ideais para que se tornem cidadãos responsáveis, entre outros fatores.
Contudo, mesmo diante dessa situação, não há que se questionar o texto expresso na Constituição Federal, confirmado pelo Código Civil brasileiro, de que é um direito a livre composição do núcleo familiar pelo cidadão.
O questionamento aqui eriçado refere-se à exteriorização de tal direito, de forma a atender aos anseios sociais, objetivando a constituição de uma sociedade com um mínimo da tão difícil de ser alcançada igualdade, respeitando-se também a dignidade da pessoa humana.
2.4 Obrigação de propiciar direitos básicos
Uma vez ofertada ao cidadão a liberdade de composição da família, a norma suprema, em contrapartida, encarrega o Estado do ônus de financiar este ente, devendo propiciar condições que assegurem o exercício dos direitos fundamentais e básicos de todos os membros da entidade familiar.
Sobre essa obrigação e liberdade, o entendimento doutrinário segue no sentido que:
Ainda que tenha o Estado o dever de regular as relações das pessoas, não pode deixar de respeitar o direito à liberdade e garantir o direito à vida, não só vida como mero substantivo, mas vida de forma adjetivada: vida digna, vida feliz. A norma escrita não tem o dom de aprisionar e conter os desejos, as angústias, as emoções, as realidades e as inquietações do ser humano. (DIAS, 2010, p. 25).
Ainda nesse sentido obrigacional, o Estado fica vedado de qualquer forma de intervenção de forma coercitiva, ficando assim em uma situação de aceitação, devendo otimizar e alocar seus recursos de forma a atender a todos os grupos familiares que vão surgindo, além daqueles já existentes.
Nessa ideia de vida digna, vida justa, realmente seria mais viável que o Estado tutelasse a família, desde a sua formação, de modo a conceder dentro de suas possibilidades os direitos básicos para se atingir o ideal de felicidade que o legislador deseja que a família possua e, consequentemente, um conforto do ponto de vista social.
3 PLANEJAMENTO FAMILIAR E A PARTICIPAÇÃO DO ESTADO
Diante de tudo anteriormente exposto, verificamos o fato de que o Estado tem uma participação obrigatória no direito das famílias, devendo sempre respeitar no se refere aos limites às liberdades concedidas aos entes familiares.
A partir de agora, passaremos a analisar os ordenamentos e posicionamentos de alguns doutrinadores sobre o tema e, dessa forma, mostrar que essa limitação gera um conflito social, uma vez que em um país que sofre com inúmeras desigualdades, ficaria inviável a liberdade ao cidadão em constituir famílias numerosas sem antes proceder uma política de educação e conscientização quanto às responsabilidades para tal.
O método de pesquisa a ser utilizado será o hipotético-dedutivo, e método de procedimento o comparativo, utilizado também na sustentação da presente tese dados estatísticos, bem como entendimentos da doutrina, jurisprudência, e análise da Carta Magna Constitucional e das legislações brasileiras.
3.1 Ordenamento e vertentes doutrinárias
Como já abordado, a Constituição impinge ao estado a obrigação da tutela quanto ao fornecimento dos direitos fundamentais aos entes familiares.
Ao se falar em família, sempre teremos uma visão especial quanto à prole, uma vez que o objetivo mais importante da família seja o de procriação do ser humano. Sendo assim, a Lei 8069, de 13 de julho de 1990, conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente, impõe normas e apresenta regras básicas de proteção ao menor, que devem ser respeitadas no mesmo sentido ditado pela Constituição Federal, objetivando proteger e tutelar os direitos fundamentais do menor.
Para ilustrar tal obrigação, trago à baila o art. 5º da supracitada lei:
Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Ainda neste sentido, podemos citar para elucidação da discussão o art. 70, da supracitada lei, nos informando que “é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança ou do adolescente”.
O Estado sempre possui uma característica secundária quando do surgimento de uma lesão a um direito, o que ocorre quando as partes não conseguem a resolução por esforço próprio, não sendo diferente com a família, que por sinal compõe grande parte das prestações jurisdicionais prestadas pelo poder público. Ao analisar os dispositivos ora mencionados, mais uma vez chega-se à conclusão de que deveria sim o ente estatal participar do berço da construção da entidade familiar, pois muitos destes conflitos inerentes à prestação dos direitos básicos poderiam ser amenizados, ou até mesmo inexistentes, uma vez que os recursos disponíveis para tal fossem observados, evitando assim a origem de um conflito e futuros desconfortos jurídicos.
A lei 9263/96, conhecida como a Lei do Planejamento Familiar foi criada justamente visando regular o § 7º do art. 226, da CF, estabelecendo formas de concepção e contracepção, sempre de forma optativa ao indivíduo, devendo este manifestar sua vontade ou não de realizar tais procedimentos, respeitando a proibição do intervencionismo.
O advento dessa lei demonstra que o Estado tem sim intenção de participar na construção da família, o que é mitigado pela Constituição Federal. Tendo em vista o Princípio da Liberdade e o passado histórico, vemos sim por muitas vezes ações enérgicas do Estado visando a tutela dos direitos dos cidadãos em geral. Porém, devemos ter em mente a evolução dinâmica da sociedade e, apesar das camadas mais desenvolvidas apresentarem uma composição familiar mitigada, a situação fática ainda demonstra famílias de elevado número de componentes, vivendo em condições precárias, com subsídios mínimos do governo, não conseguindo propiciar aos seus entes condições básicas qualitativas.
Sobre esta liberdade de composição, vale salientar que:
De liberdade necessita o homem para poder desenvolver todas as suas potencialidades, fazendo ou deixando de fazer algumas coisas por vontade própria, quando não o for em virtude de lei. Liberdade que precisa respeitar o direito alheio, [...] porque adiante dessa fronteira haverá abuso, arbitrariedade e prepotência. (MADALENO, 2011, p.89).
Como constatado, os direitos são dotados de pesos e contrapesos, não devendo esta liberdade quanto à constituição do núcleo familiar ser tida de forma absoluta e desmedida.
Se por um lado o Estado possui a restrição da interferência de forma direta e coercitiva, não podemos só por este fato deixar que o cidadão exerça esse direito de forma inconsequente e desenfreada, pois assim estaríamos caminhando para uma realidade anárquica e desordenada, marcada pelo abuso do exercício de suas faculdades.
3.2 Conflito do ponto de vista social
O maior problema que esse cenário aqui abordado pode gerar é no sentido desses direitos fundamentais não poderem ser ofertados com excelência aos cidadãos, gerando também um desconforto desses para com o Estado.
O Estado por sua vez fica limitado a ofertar seus recursos que, aparentemente são muitos, mas quando se analisa o número de pessoas que o compõem no total e as necessidades de todas as famílias, não será esta tratada com prioridade, e, sendo isso, se o Estado pudesse desde o início dessas intervir, dando ciência aos entes de suas possibilidades para o desenvolvimento do núcleo familiar, poderiam ser evitados dados alarmantes como o baixo nível de educação e saúde no Brasil.
No âmbito familiar, talvez quem mereça uma proteção mais especial sejam as crianças, e nesse sentido, a legislação consagra o Princípio do Melhor Interesse da Criança, no sentido que:
O princípio parte da concepção de ser a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, e não como mero objeto de intervenção jurídica e social quando em situação irregular, como ocorria com a legislação anterior sobre os “menores”. Nele se reconhece o valor intrínseco e prospectivo das futuras gerações, como exigência ética da realização de vida digna para todos. (LOBO, 2011, p. 75)
Sendo assim, para se falar em vida digna devem os direitos mínimos serem ofertados, o que infelizmente não vem ocorrendo. Dois dos principais direitos que podem ser citados são a educação e a saúde, direitos fundamentais e sem os quais não há de se falar em vida digna, ou até mesmo nem há de se falar pura e simplesmente em vida.
3.3 Viabilidade da intervenção
Como citado no tópico anterior, como ponto de partida para demonstrar que uma intervenção estatal no que diz respeito à constituição da família seria viável, serão apresentados dados que demonstram a realidade brasileira relativa a dois princípios basilares de qualquer sociedade: a saúde e a educação.
No que diz respeito à saúde, segundo pesquisas feitas pelo CNI, Confederação Nacional da Indústria, em parceria com o IBOPE, no início do ano de 2012, 61% da população brasileira consideram o serviço público de saúde do país “péssimo” ou “ruim”. (RETRATOS..., 2012, p. 9). Outro fato relevante que foi constatado com essa pesquisa é que 85% dos entrevistados não perceberam avanços no sistema público de saúde do País nos últimos três anos. (RETRATOS..., 2012, p. 9).
Essa pesquisa também serviu como alerta ao Estado, uma vez que 95% dos entrevistados reconhecem a importância e a necessidade de se destinar mais recursos para a saúde (RETRATOS..., 2012, p. 11), o que demonstra a insuficiência e dificuldade que os administradores possuem para oferecer um serviço de saúde qualitativo aos cidadãos caso não haja prévio planejamento, pois deve o Estado alocar anteriormente seus recursos, evitando o caos social, uma vez que não pode esquecer as suas outras obrigações que consomem parte desses recursos.
Na educação, a insatisfação da população e os dados também demonstram a triste realidade. Em pesquisa realizada pela Pearson International, integrando a The Learning Curve, o Brasil apresentou um baixo desempenho, ocupando o penúltimo lugar da lista dos 40 países pesquisados, com um nível de ensino abaixo da média global, no valor de -1,65 pontos. (PEARSON INTERNACIONAL, 2012).
Diante desses dados, verificamos a dificuldade que o Estado passa, uma vez que por mais que se façam investimentos nesses setores, o crescimento populacional sem um devido olhar investigativo e, limitadamente controlador, esses nunca serão suficientes, pois enquanto o Estado recolhe verbas para tutelar os direitos de um cidadão, outros dois ou mais nascem.
Não é uma questão de coibir as pessoas de terem seus filhos, ou muito menos de limitar a liberdade de algum cidadão nessa vontade de compor suas futuras gerações, mas sim um olhar em prol da sociedade que já passa por tantos transtornos sociais. Diante dessa situação, se há um modo de evitar que outros conflitos surjam, devemos utilizar destes, respeitando também a vida dos que virão, podendo conceder a eles um mundo justo e que faça jus ao que se propõe nossa norma suprema ao dizer que todos têm direito a uma vida saudável e digna.
CONCLUSÃO
Doutrinadores entendem que a educação cabe ao Estado ou às instituições privadas por ele supervisionadas. Além da educação, também outros direitos seriam de responsabilidade estatal, como a assistência geral às crianças, adolescentes, necessitados e idosos.
Posto isso, se faria necessária uma atuação estatal, agindo como um pai que acompanha o crescimento de seus filhos, pois de forma vigilante, poderia averiguar a situação de nascimentos no Brasil, e, tendo isso em vista, alocando de forma segura seus recursos a fim de ter a possibilidade de conceder um mínimo de dignidade à vida de seus cidadãos. Para tal, devemos ter uma intervenção de caráter assistencial, não se deixando de lado uma postura mais controladora, que em certos casos se faz necessária para o cumprimento do que diz ser fundamental em nossa Constituição.
Tal intervenção pode se dar de forma não coercitiva, evitando abusos contra os entes familiares e vícios na sua íntima vontade de paternidade ou maternidade. Contudo, também se deve evitar que a liberdade de composição dessas famílias se dê de forma desmedida, de forma a evitar que esse direito seja exercido de forma absoluta, mitigando direitos de outros vários cidadãos que compõem nossa sociedade, pois o fato do cidadão possuir uma faculdade, não é pressuposto para que seja exercida de forma absoluta e plena. Deve-se, acima de tudo, atender o interesse social, uma vez que, neste tema de exercício de direitos fundamentais, o benefício de uma pessoa não pode ser o prejuízo de exercício de outra.
A melhor forma de solução de qualquer problema é evitando que este surja, e, para tal, deveria o Estado intervir de forma a conscientizar e educar a população.
Não há que se falar em desenvolvimento sem uma educação de qualidade e, ao se pronunciar educação, não se deve ter em mente só aquela educação popularmente concebida como comparecer à aula; mas sim educação em suas manifestações formais e informais, mostrando a todos cidadãos, de forma especial aos mais jovens, os pontos positivos e também as grandes responsabilidades que implica ser pai e mãe, evitando assim que novos seres humanos sejam concebidos sem nenhum planejamento, em pura e simples respostas aos estímulos naturais incitados pelo id de suas consciências.
Para tal, faz-se necessária a difusão, de uma forma mais aberta e sem restrições de métodos e técnicas de contracepção, objeto este da Lei 9263/96. Nota-se que as camadas sociais de menor renda possuem numerário maior de filhos pois desconhecem tais métodos, ou simplesmente os ignoram, visto que se existissem campanhas mais amplamente difundidas no sentido de incitar a responsabilidade da paternidade e da maternidade, tal desequilíbrio poderia ser mitigado, ou até mesmo evitado.
Tentando auxiliar os administrados, em especial aqueles com renda ínfima, o Governo institui políticas assistenciais, ação essa que se faz necessária face à situação de parte das famílias brasileiras, mas que em contra peso geram comodismo e um cenário de pessoas saudáveis para o labor habitual, mas que uma vez recebendo valores e contribuições sem esforço, nada fazem para a mudança dessa situação.
Tendo isso, visando a mudança desse cenário, uma solução reside na criação de empregos e geração de renda, onde, uma vez qualificando-se os integrantes da sociedade para o mercado de trabalho, as condições econômicas, tanto destes, como do próprio Estado apresentariam grande elevação, pois implicaria na autossubsistência da população e, como é popularmente conhecido, pessoas que trabalham não geram danos ao poder público, pois ocupam seu tempo buscando seu sustento de forma digna e legal.
Uma vez conscientizados das responsabilidades que implica a concepção de um ser vivo, aliados aos métodos contraceptivos, os cidadãos poderiam desenvolver uma consciência voltada a realmente planejarem melhor a família, e como essa será composta, dentro de seus parâmetros e possibilidades e, dessa forma, buscar o equilíbrio e harmonia social.
FAMILY PLANNING IN FACE OF RESOURCES OF THE STATES
ABSTRATC: The human being for survival gathered in groups, which developed guidelines for harmonious coexistence. This grouping has undergone basic changes coming to the modern family today, in its manifestations, thanks to the Principle of Pluralism Family Entities, which has a free training by the citizen, and the State shall protect in a non coercive, with the obligation to provide rights fundamental and basic for a qualitative life. This paper aims to discuss this conflict, questioning and seeking to foist a reflection on the insurgent social conflict, since it can generate disharmony between number of people and the possibility of offering fundamental rights in the face of limited resources for such a state obligation. Through legislative and doctrinal analysis, using survey method hypothetical-deductive method and comparative procedural seeks to demonstrate that an intervention more effective preventive / educational state is shown as a viable alternative, as well as an instrument of social peace.
Keywords: Family. State. Coercive.
REFERÊNCIAS
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DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
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