A maternidade é fato, a paternidade uma presunção. É dessa premissa que busca- se a justificativa para os casos de não reconhecimento paterno dos filhos no Brasil. O reconhecimento de paternidade é um dos direitos básicos assegurados a todo cidadão brasileiro ao nascer, porém em algumas circunstâncias esse direito não é efetivado. Ter um nome é direito à identidade pessoal, é ser reconhecido em sociedade por denominação própria, é participar de um núcleo familiar. O nome de um pai e o reconhecimento deste, vai mais além do que um nome no papel pode oferecer, ultrapassando os limites da razão e em busca principalmente de uma relação de presente e afetiva.
Para a legislação civil vigente, os filhos de pais casados não precisam de reconhecimento, pois presume-se a paternidade em razão do casamento dos pais. Por sua vez, os filhos havidos fora do casamento não são agraciados pela mesma presunção legal de paternidade que favorece aqueles.
A atual Constituição Federal preceitua no Art. 227, § 6º que é defeso qualquer distinção entres os filhos havidos ou não do casamento ou adoção, inclusive as designações relativas a filiação tendo em vista a dignidade da pessoa humana. Em complemento, o Estatuto da Criança e do Adolescente preleciona no Art. 27 que: “O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros em qualquer restrição, observando o segredo de justiça”.
Para que se possa falar sobre reconhecimento paterno é necessário fazer alusão ao instituto da filiação. Gonçalves (2015) traz o conceito de filiação preceituado pelo também doutrinador Silvio Rodrigues, que aduz que “Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àqueles que a geraram ou a receberam como se a tivessem gerado”.
Dessa forma, todos são filhos, independente da relação que se estabeleça entre os pais.
Quais os motivos e os reflexos do não reconhecimento paterno, seria este capaz de interferir no perfil das crianças não reconhecidas? Na maioria dos casos o não reconhecimento parte da mãe que não quer que seu filho mantenha vínculos com o genitor e sua família. Tal atitude decorre de motivos alheios a criança, porém estão atrelados a relação existente entre os pais e em muitos casos a gestação é indesejada ou resulta de atos de violência, estupro. De certa forma, essa atitude materna acaba sendo injusta com relação àquele pai que tem interesse em estabelecer vínculos afetivos com seu filho.
O não reconhecimento paterno acaba gerando desconforto para algumas mães, pois com o passar do tempo os filhos passam a sentir falta da presença paterna, estas que não tinham revelado o nome do pai tem como obrigação para com os filhos revelar o nome do seu genitor. O desconforto acontece porque algumas das mães não tem certeza com relação a paternidade ou não querem submeter- se ao processo de reconhecimento.
O reconhecimento é ato personalíssimo que pode ser realizado por ambos os pais, juntos ou separadamente. Aquele pode ser voluntário (perfilhação) ou judicial (coativo ou forçado), independente da sua forma é ato declaratório em que será reconhecido o vínculo jurídico parental.
O Código Civil elege cinco modos para que o reconhecimento seja realizado, aduz o Art. 1.609 que: “O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito: I- no registro de nascimento; II- por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; III- por testamento, ainda que incidentalmente manifestado; VI- por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém”.
A Lei n. 8560/92 regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências em seu Art. 2º apresenta mais um modo de reconhecimento voluntário, porém este, não é espontâneo. Ocorre nos casos registro de menores apenas com a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz a certidão integral do registro, o nome e prenome, profissão, identidade e a residência do suposto pai, para que seja averiguada a procedência da alegação oficiosamente. `
É nesse contexto que surge o programa Pai Presente com intuito de possibilitar o reconhecimento espontâneo de paternidade. Desde o surgimento do programa mais de 18,6 mil audiências foram realizadas no Brasil em buscar de assegurar esse direito. (Dados fornecidos à Corregedoria Nacional de Justiça pelos Tribunais até 9 de agosto de 2012).
De acordo com os dados fornecidos no Censo Escolar de 2010, mais de 600 mil crianças até os 10 anos de idade não possuem registro de nascimento e 5,5 milhões de estudantes não tem o nome do pai no registro de nascimento. Visando reverter essa situação a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) facilitou as normas para a emissão do registro de nascimento e o processo de reconhecimento paterno que atualmente pode ser realizado em qualquer cartório de registro civil.
Em síntese, o coordenador do programa Pai Presente no Estado de Minas Gerais, Juiz Reinaldo Portanova, ressalta a importância de tal programa:
Dá a conhecer ao filho a identidade do pai. E ao pai a existência do filho. Desperta o sentimento de segurança aos menores, melhor ainda se acompanhado de afetividade recíproca. Promove a paternidade responsável, a convivência do filho com o pai e com a família paterna. Compromete o pai com as necessidades sociais do filho: alimentos, participação na vida escolar do filho, convívio. Na medida em que viver é conviver. Enfim, há ainda o direito à sucessão, que tem também sua importância. (Justiça e Cidadania, set./2010: 4)
O Estado do Ceará obteve números significativos no desempenho do programa destacando-se no quadro nacional. De acordo com os dados fornecidos pelo Corregedoria Geral do TJCE, foram contabilizados cerca de 5.440 mil reconhecimentos voluntários até a primeira quinzena do mês de julho de 2015 e 603 reconhecimentos em colaboração com os exames de DNA.
O programa volta-se principalmente para mães e pais que sabem a real falta que a figura de um pai faz na formação do filho e para os cartórios de registro civil que são protagonistas principais nesses processos, facilitando o reconhecimento, mesmo que tardiamente.
O filho não reconhecido espontaneamente pode obter o reconhecimento judicial (coativo ou forçado) através da ação de investigação de paternidade em que os próprios filhos são os legitimados a reclamar o seu direito a filiação.
Gonçalves (2015) fazendo referência a Mario Aguiar Moura aduz o seguinte pensamento:
O reconhecimento tem natureza declaratória. Serve apenas para fazer ingressar no mundo jurídico uma situação que existia de fato. Repousando sobre a filiação biológica, a filiação jurídica, mesmo que declarada muito tempo depois do nascimento, preenche todo o espaço decorrido em que não existiu o reconhecimento. [...]. (Carlos Roberto Gonçalves, Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, p.380, ed.12ª, 2015 apud Mario Aguiar Moura).
Em oposição ao pensamento aludido é sabido que na caminhada para o estabelecimento da paternidade e a efetivação desta servem como remédio para as mazelas que assolam a sociedade causadas pelo desenvolvimento de um perfil negativo dos jovens, casos de atos infracionais, venda e consumo de entorpecentes, falta de interesse escolar, gestações precoces são resultantes da ausência paterna.
O perfil das crianças não reconhecidas foi traçado por meio dos dados demográficos fornecidos pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) resultante do censo escolar de 2010. O censo contabilizou 53 milhões de estudantes de todas as idades, as menores de idade correspondem a cerca de 42 milhões de crianças e adolescentes, 12,4 % são crianças que não atingiram de escolarização básica obrigatória.
As informações sobre a filiação devem ser extraídas do registro de nascimento que é solicitado pela instituição educacional no ato de matrícula. De acordo com o Censo 2010 cerca de 9,5% de crianças e adolescentes não contam com o nome paterno no registro.
Segundo os dados divulgados, as crianças da região Norte e Nordeste regularmente matriculadas comumente não possuem a filiação paterna confirmada. Em relação a cor da pele para população negra é mais recorrente o não reconhecimento. Quanto ao sexo, o não reconhecimento atinge meninos e meninas, indistintamente. Quanto ao desempenho escolar há uma considerável discrepância em relação as crianças reconhecidas e as não reconhecidas tem um rendimento bem abaixo da média prevista.
Concluímos que no decorrer dos anos houveram inúmeras mudanças em prol da segurança e desenvolvimento de proteção à criança e ao seu desenvolvimento. Cabe a família, a sociedade e ao Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade, o direito à vida, saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de todos de toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição Federal de 1988, Art. 228, §6).