Tudo é refugo.Tudo é descartável diante da globalização

25/01/2017 às 21:24
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Nada foi feito para durar. Nada tem conserto. Logo que enguiça, descartamos. E, assim, o lixo humano, o lixo dos consumidores e das indústrias se acumula... cada vez mais... incansavelmente. Rejeitamos pessoas, relações, coisas e produtos.

No eixo poderoso da centrífuga do capitalismo contemporâneo, ou seja, nas rotações da globalização, os seres humanos são abandonados, excluídos do mundo social e de sua própria humanidade.

A obra "Vidas desperdiçadas" de Bauman retrata as nefastas consequências da globalização, e aponta o cenário sombrio onde está imersa a vida humana, onde há o banimento da maioria de pessoas em prol do progresso frenético da modernidade.

Nessa obra, Bauman classificou os seres humanos que não conseguiram permanecer na dinâmica da modernidade, e nem conseguem se inserir no processo, e se tornam refugo humano. Assim, a globalização produz sua saga excludente, traiçoeira e eliminadora. E, efetivamente, causa mortes, fome, desemprego e, por fim, a eliminação sumária.

Há uma produção expressiva de lixo que são jogados longe dos grandes centros urbanos, e são colocados em depósitos em terra, sem qualquer tipo de tratamento e nem mesmo reciclagem. Nosso planeta está repleto de lixo, resultado da modernização globalizante que empreendeu uma corrida ao progresso.

A questão é mais que meramente ambiental, a produção de lixos de diferentes naturezas é contínua, o que abala a segurança e saúde de todos no planeta.

Mas, como acreditar em segurança num mundo onde existem milhares e milhares de pessoas se refugiando, se asilando e se isolando em guetos e, sempre, almejando uma chance de se engatar no progresso moderno?

Os alarmes soam por conta de ações de terroristas, por conta da sempre presente ameaça do progresso à natureza e ao ser humano.

Desta forma se traduz a expressão da vida contemporânea, impregnada de ideologia consumista que enfatiza a individualização e, consequentemente, a negação do sentido humano de solidariedade e de compartilhamento.

E, prossegue a vasta produção de refugo humano e de lixo em quantidades exponenciais, pois afinal, é maior a sociedade de consumidores do que a sociedade de produtores.

E a lógica é bem cruel: quem não consome, torna-se, automaticamente refugo humano. É rejeitado, pois não está no mesmo nível social, cultural e nem histórico. E, por outro lado, tudo que é consumido, se torna lixo, dejeto ou sujeira...

A obra está dividida em quatro capítulos que são capazes de esclarecer sobre os males da pós-modernidade, as consequências da globalização e a vida contemporânea nos tortuosos caminhos de recentes acontecimentos sócio-históricos.

Logo no primeiro capítulo, o autor analisou os projetos dos indivíduos, a partir, da chamada geração X, com o surgimento de nova patologia, atualmente tão comum: a depressão. As causas relacionadas com as grandes dificuldades enfrentadas pela geração X, principalmente com o aumento do desemprego e a instabilidade das relações afetivas.

A globalização transtornou a trajetória de vida da geração X, pôs fim aos sonhos e projetos e criou bipolaridades, rompeu tradições e acelerou vidas, num ciclo frenético. Enfim, a globalização peculiar da modernidade líquida, abandonou a sociedade de produtores pela sociedade de consumidores, onde o que impera é a produção crescente de refugo e de lixo.

Assim, a globalização[1] causou a desordem e o caos no admirável mundo líquido, novo e em constante mudança.

Nesse mesmo capítulo apontou a internet como poderosa ferramenta da modernidade líquida, e apontou que o cyber espaço é mais um depósito para refugo de informação.

Há milhões de bites em informações descartáveis e inúteis. Mas, os sites contabilizam enormes números de informações, e buscas o que reforça a noção de que o lixo humano no planeta está se tornando um dos mais angustiantes problemas da contemporaneidade.

No refugo humano há a exclusão de tudo, a lei não o contempla, os governos não se responsabilizam. E reina o caos onde há humilhados e excluídos que correspondem, infelizmente, a grande maioria de seres humanos existente no planeta. E, ainda há o lixo polui as águas, dizima faunas e floras.

Bauman ainda alertou para a superpopulação do planeta, e apontou que não existem mais terras cultiváveis para prover alimentação para todos. O debate sobre a explosão demográfica é sempre esquecido. Mas, a questão central está no paradoxo, a saber: os órgãos governamentais e oficiais afirmam que a população do planeta é de 6,5 bilhões de pessoas e que cresce tão rapidamente que não haverá comida para todos em breve. Mas, como a distribuição da superpopulação do planeta é irregular, desordenada e caótica, ainda passa desapercebida.

Assim, se na Europa há grande concentração por quilômetro quadrado, na África, há população é insuficiente. Mas, há de se lembrar dos desertos. Ademais, há ainda os recursos financeiros que são diferentes de cada país em razão de sua população.

Havendo superpopulação e instabilidades políticas há a produção de refugiados e asilados, que são considerados um grande problema para os países ricos. O medo surge como marca distintiva de nações como os EUA, Inglaterra e França... Lembremos que o próprio Bauman foi um refugiado polonês, radicado e naturalizado inglês.

Na genealogia do medo[2] está a raiz do receio ao erro e ao estranho (tais como imigrantes, refugiados e asilados).

Assim, esses estranhos à cultura local recebem toda a descarga de raiva, frustração e ansiedade, principalmente por representarem perigo constante para a segurança dos cidadãos. Daí, se tornarem alvos fáceis da xenofobia tanto dos governos como da população.

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Conclui que os imigrantes e asilados são considerados os refugos da globalização, é o lixo humano que busca ter um lugar na sociedade do progresso e da prosperidade.

O mundo globalizado prega a política da exclusão, de retirada de refugo, E, assim, egoisticamente cada país, cuida de seu lixo, de sua população redundante, retirando-o do convívio com os outros. A população redundante é a parte inútil, imprestável e que deve ser retirada de circulação e jogada em campos de refugiados. Perpetua-se a limpeza étnica e genocídios.

Em Vidas Desperdiçadas, Bauman nos convida à reflexão sobre o caminho trágico a ser seguido por indivíduos em diversas partes do mundo, caminho que nos conduz a uma exclusão forçada e que simultaneamente é inerente ao convívio social. Sendo fundamental arquitetar uma astúcia reflexiva e uma sensibilidade apurada para entender o destino da humanidade.


Referências:

BAUMAN, Zygmunt. Vidas Desperdiçadas. Tradução de Carlos Alberto Medeiros feita a partir de Wasted Lives (Modernity and Outcats), 1ª edição inglesa publicada em 2004 por Polity Press, Cambridge, Inglaterra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.

NETA, Orgides Maria da Silva. Vidas Desperdiçadas. Resenha in Revista ACOALFAplp: Acolhendo a Alfabetização nos Países de Língua portuguesa, São Paulo, ano 2, n. 3, 2007. Disponível em: http://www.mocambras.org e ou http://www.acoalfaplp.org. Publicado em: setembro 2007. Acesso em 20.01.2017.

DE SOUSA SILVA, Antonio Marcos. A vida transformada em lixo: o refugo da globalização.

Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/06.071/3097  Acesso em 20.01.2017.


Notas

[1] Resumindo, o pensamento de Bauman expresso nessa obra reflete a preocupação surgida nos últimos anos em face das consequências da globalização que é o aumento da produção de lixo (lixo tradicional, lixo industrial e o refugo humano) e o aumento da população mundial e, ainda, o aumento das desigualdades mundiais. Trazendo a reflexão sobre a divisão do mundo entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, com as relações sociais reconfiguradas a partir da Era líquida, que traduz um mundo em constante transformação.

[2] É verdade que a discussão sobre o medo nos permite abordagens bem variadas e distintas. Mas, reconhecemos que o medo é um componente básico da experiência humana. Em um sentido estrito do termo, o medo é concebido como uma emoção-choque devido à percepção de perigo presente e urgente que ameaça a preservação daquele indivíduo. Provoca, então, uma série de efeitos no organismo que o tornam apto a uma reação de defesa como a fuga, por exemplo.

O medo seria fronteiriço entre sensações e sentimentos: “angústia, mal-estar, desconforto são eventos afetivos que podem ser descritos como sentimentos ou como sensações, dependendo de critérios adicionais como a maior ou menor reflexividade, a maior ou menor modificação dos estados físicos dos sujeitos etc.”.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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