Eca: proteção ou estímulo a violência?

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Esse trabalho tem por finalidade analisar se as medidas socioeducativas, aplicadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, se de fato, servem como um juízo de prevenção, ou se revestem de natureza punitiva, contrariando as diretrizes orientadoras

1 – INTRODUÇÃO

Logo de início, nosso trabalho busca fazer uma análise histórica da legislação menorista, evidenciando as transformações e conquistas relativas ao direito da criança e do adolescente, adentrando-se superficialmente na área de direitos humanos e diplomas legais internacionais que se posicionam acerca do assunto, uma vez que os mesmos são de suma importância, para em seguida, expor-se o posicionamento doutrinário acerca da Doutrina da Proteção Integral, fazendo-se inclusive um confrontamento entre esta e a revogada Doutrina da Situação Irregular que norteava o Código de Menores. Ainda, analisa-se, também, as disposições contidas na Constituição Federal vigente as já revogadas acerca dos direitos de crianças e adolescentes.

Ao que diz respeito à conceituação do ato infracional, buscaremos o posicionamento da doutrina, fazendo um paralelo entre a legislação penal menorista e a legislação penal direcionada para os imputáveis, bem como foi especificado separadamente todos os tipos de medidas de proteção e socioeducativas existentes em nosso ordenamento jurídico, destacando a maneira de aplicação das mesmas.

Por fim, tentar entender os motivos que levam à sociedade a compreensão que o ECA, mais incentiva a impunidade do que protege a criança e o adolescente e nesse sentido, buscará mostrar a importância do papel que a sociedade exerce em relação à delinquência juvenil,através da prevenção, mostrando que somente através da conjugação de esforços entre família, sociedade e o estado, se chegará a denominador comum em relação a problemática debatida, bem como a aplicação justa das medidas socioeducativas, buscando a ressocialização, conforme o que dispõe o

Estatuto da Criança e do Adolescente, e somente assim, o fenômeno da delinquência juvenil poderá ter uma diminuição.

Como referencial, termos o ,ECA, uma vez que adotou a doutrina da proteção integral como doutrina norteadora de seus princípios, deixando para trás a antiga doutrina da situação irregular, a qual era assegurada pelo Código de Menores. Porém, a legislação menorista passou por diversas alterações até chegar à criação do aludido Estatuto da Criança e do Adolescente, o que mostraremos á frente nesse trabalho.

É óbvio, que os interesses da criança e do adolescente sempre existiram, como também é certo que nem sempre tiveram dimensão suficiente para fomentar o reconhecimento de que suas relações pudessem interessar ao Direito, como explica Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 11):

Como mostraremos á frente, os interesses da criança confundiam-se com os interesses dos adultos, como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefícios da união estariam contemplados pela proteção jurídica destinada aos últimos.

A situação era vista em regra, como meros objetos da intervenção do mundo adulto, sendo exemplificativa a utilização da velha expressão pátrio poder, indicativa de uma gênese onde o Direito tinha como preocupação disciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relação aos filhos,tidas como suas crias.

2-TEORIA DA PROTEÇÃO INTEGRAL X TEORIA DA SITUAÇÃO IRREGULAR

Como é sabido, com o advento da Constituição Federal de 1988, o Brasil passou a adotar a teoria da proteção integral para crianças e adolescentes, pondo fim a teoria da situação irregular, que apenas tinha a preocupação de oferecer cuidados aos menores que eram classificados como estando em situação de risco, o que se via logo no artigo 2° do então Código de Menores.

Para a doutrina da Situação Irregular, os menores eram apenas sujeitos de direito ou merecedores da consideração judicial quando se encontrassem em uma determinada situação, caracterizada como "irregular", e assim definida em lei. Havia uma discriminação legal quanto à situação do menor, somente recebendo respaldo jurídico aquele que se encontrava em situação irregular; os demais, não eram sujeitos ao tratamento legal.

Nesse contexto, a teoria da proteção integral, contemplação da Constituição Federal de 1988, ampliou essa proteção, passando a reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos em processo de formação , criando um sistema especial de proteção, que independe de situação, adotando assim, a Doutrina da Proteção Integral.

Na crítica que faz, ensina Emílio Garcia Mendez: ‘[...].uma análise crítica permite pôr em evidência que o projeto dos reformadores, mais que uma vitória sobre o velho sistema, constitui um compromisso profundo com aquele. As novas leis e a nova administração da Justiça de Menores nasceram e desenvolveram no marco da ideologia dominante: positivismo filosófico’ (SARAIVA apud MENDEZ, 2005, p 19).

A Doutrina da Proteção Integral foi um avanço em termos de proteção aos direitos fundamentais, pois foi extraída da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, tendo, ainda, como referência documentos internacionais, como Declaração Universal dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, aos 20 de novembro de 1959, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude - Regras de Beijing - Res. 40/33 de 29 de novembro de 1985, as Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinquência juvenil - Diretrizes de Riad, de 1º de março de 1988 e a Convenção sobre o Direito da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e aprovada pelo Congresso Nacional Brasileiro em 14 de setembro de 1990.

Várias foram às conquistas adquiridas com o incremento da Doutrina da Proteção que introduziu-se no ordenamento jurídico brasileiro através do artigo 227 da Constituição Federal, que declarou ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com a conquista positivada no texto constitucional, crianças e adolescentes ganham um novo "status", como sujeitos de direitos e não mais como menores objetos de compaixão e repressão, em situação irregular, abandonados ou delinquentes. Para essa doutrina, pontua Amaral e Silva (apud PEREIRA, T. da S. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 27), "o direito especializado não deve dirigir-se, apenas, a um tipo de jovem, mas sim, a toda a juventude e a toda a infância, e suas medidas de caráter geral devem ser aplicáveis a todos".

3-VALORAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Não se pode negar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi um emaranhado de garantias que asseguraram o respeito e a dignidade à pessoa humana, tendo servido de exemplo para as inúmeras leis, tratados, convenções e constituições que surgiram com o decorrer dos anos. Ainda, foi um marco evolutivo dos direitos humanos, que para Roberto Barbosa Alves, resgatou princípios como o da igualdade, dignidade entre outros, deixando evidentes as necessidades que todo ser humano tem, e assim disponibilizando acesso à saúde, bem estar, educação, pleno desenvolvimento de suas capacidades e potencialidades.

A declaração Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pública mundial fundada no respeito à dignidade humana, ao consagrar valores básicos universais. Desde seu preâmbulo, é afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis. Vale dizer, para a Declaração Universal a condição de pessoa é o requisito único e exclusivo para a titularidade de direitos. A universalidade dos direitos humanos traduz a absoluta ruptura com o legado nazista, que condicionava a titularidade de direitos à pertinência à determinada raça (a raça pura ariana). A dignidade humana como fundamento dos direitos humanos é concepção que, posteriormente, vem a ser incorporada por todos os tratados e declarações de direitos humanos, que passam a integrar o chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos (PIOVESAN,2004, p. 146).

A Doutrina da Proteção Integral, que tem por norte a Convenção das Nações Unidas para o Direito das Crianças, estabelece que estes direitos se constituam em direitos especiais e específicos, pela condição que ostentam de pessoas em desenvolvimento. Desta forma, as leis internas e o sistema jurídico dos países que a adotam devem garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas até dezoito anos, não incluindo apenas o aspecto penal do ato praticado pela ou contra a criança, mas o seu direito à vida, à saúde, à educação, à convivência familiar e comunitária, ao lazer, à profissionalização, à liberdade, entre outros (SARAIVA, 2002, p. 14).

Em comparação com a Constituição Federal de 1988, de forma mesmo que superficial, vemos garantias asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, que se fazem presentes no artigo 5º da Carta Magna.

4-HISTÓRICO DO DIREITO COMPARADO

Para chegar a conclusão da importância destas coquistas narradas acima, basta fazer uma retrospectiva da situação da criança e do adolescentes no mundo jurídico em tempos passados e fica óbvio o quanto se evoluiu no Brasil, pois a proteção a .criança conta a história, se confundia com a dramática violência imposta ao menores.

O Código de Hamurabi, por exemplo, previa a pena de morte para o homem que roubasse o filho menor de outro, demonstrando uma proteção distinta, com base na idade.

Já no Direito Romano, os juristas distinguiam os menores púberes dos impúberes, e era feita uma avaliação física para saber se o jovem era púbere. Por outro lado, o povo judeu amenizava a severidade das penas quando os autores eram menores impúberes ou órfãos.

No Período Feudal, relata Maria Auxiliadora Minahim, (apud SARAIVA, 2003, p. 14) que em países como a Itália e a Inglaterra, era utilizado o método da ‘prova da maçã de Lubecca’, que consistia em oferecer uma maçã e uma moeda à criança, sendo que se escolhida a moeda, considerava-se comprovada a malícia, sendo inclusive aplicada pena de mortea crianças de 10 e 11 anos.

Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 14) enumera que, do ponto de vista do Direito, em termos de responsabilização penal, é possível dividir a história do Direito Juvenil em três etapas: a) de caráter penal indiferenciado; b) de caráter tutelar e c) de caráter penal juvenil.

A primeira etapa, marcada pelo caráter indiferenciado, vai do século XIX até a primeira década do século XX, e caracterizou-se por considerar as crianças e os adolescentes da mesma forma que os adultos, na medida em que eram recolhidos no mesmo espaço.

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Por tudo mostrado nesse estudo, chega-se a conclusão que o desconhecimento da realidade triste em que criança e adolescente se encontram, leva a sociedade a fazer criticas evasivas sobre a inserção do jovem no mundo do crime e mais, quando não se aprofunda na questão de forma técnica e jurídica, tem de forma natural, a sensação que ao invés de proteger, o ECA, abre caminho a impunidade e por isso, essa luta constante por leis e mais leis, imaginado ser a saída para o problema em que ela, sociedade é vitima, mas que também, faz vitimas alguns de seus atores, caso, de crianças e adolescentes infratores.

5-O ECA PROTEGE OU GERA A IMPUNIDADE?

A Advogada Ruthiléia Barbosa, publicou um importante artigo no portal jurídico jusbrasil.com.br, em que expressa seu conhecimento técnico sobre o tema que merece destaque nesse trabalho. “É engano achar que a inimputabilidade a que se refere o art. 104 do ECA, assim como o art. 228 da CF/88, é sinônimo de impunidade, pois o adolescente que pratica uma conduta delituosa estará sujeito as medidas referidas no Estatuto, que vão de advertência à internação em estabelecimento educacional. Esta inimputabilidade a qual se refere os artigos supramencionados, diz respeito a incapacidade que tem a criança e o adolescente em responder por sua conduta delituosa, incapacidade essa demonstrada tão somente por sua condição peculiar de pessoa em formação.

No tocante a impunidade se faz necessário destacar que essa, ocorre quando há ausência de castigo, punição ou sanção, o que não é o caso do Estatuto, pois conforme mencionado, prevê diversas medidas socioeducativas, que servem para educar e punir o adolescente que cometeu ato infracional. Ainda nesse sentido, vale destacar que ao preocupar-se com a inimputabilidade da população infanto-juvenil, o legislador teve por base a permeabilidade de sociabilização que tem essa população.

As medidas não se restringem apenas aos adolescentes, no que se refere a criança (até doze anos incompletos) autora ato infracional, o ECA trouxe a aplicação das medidas de proteção, que são aplicadas pela autoridade competente, incluindo-se neste caso, o Conselho Tutelar. Já o adolescente (entre doze e dezoito anos de idade) que cometer ato infracional estará sujeito à aplicação de medida socioeducativa, podendo variar de advertência à internação em estabelecimento educacional.

Essas medidas socioeducativas, aplicáveis somente aos adolescentes autor de ato infracional, possui previsão legal nos incisos do artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, são elas: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida e internação em estabelecimento educacional. Mais uma vez, vale destacar que as crianças, quando da prática de ato infracional estão sujeitas as medidas de proteção. No que se refere aos objetivos das medidas socioeducativas, a Lei nº 12.594/12 (Lei do Sinase), estabelece-os como sendo: a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento e a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.

Sendo assim, temos que não há que se falar em impunidade aos adolescentes que cometem ato infracional, o Estatuto da Criança e do adolescente prevê punições, no entanto para a aplicação dessas deverá sempre ser levado em consideração a capacidade que o autor do ato delituoso tem de cumpri-la, além das circunstâncias e gravidade da infração. Isso diz respeito a condição pessoal do adolescente (psicológicas, físicas, sociais, familiares e econômicas) e essa é a variável da medida.

A medida socioeducativa é, portanto, a manifestação do Estado, em resposta ao ato infracional praticado por menores de 18 anos, cuja aplicação visa inibir a reincidência, além de possuir caráter pedagógico, que tem por principal finalidade a reinserção do adolescente em conflito com a lei na vida em sociedade. Possui também caráter sancionatório, que servem como resposta à sociedade pela lesão que lhe foi causada. Isso desmistifica totalmente a ideia de que jovens autores de ato infracionais não sofrem nenhum tipo de sanção”. Ruthiléia Barbosa, inimputabilidade ou impunidade,qual o objetivo do ECA?, disponível em www.jusbrasilcom.br acesso em 12/10/2016.

             6- REFERÊNCIAS

Material Internet:

BRASIL.São Paulo.(Estado) http://www.cremesp.org.br/pdfs/eventos/ECA

BRASIL.Portal Jurídico. ”. Ruthiléia Barbosa, inimputabilidade ou impunidade,qual o objetivo do ECA?, disponível em www.jusbrasilcom.br acesso em 12/10/2016.

Livros:

PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Menores, direito e justiça: apontamentos para um novo direito das crianças e adolescentes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988

PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da Criança e do Adolescente e Tutela Jurisdicional Diferenciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002

.RUIZ, João Álvaro. Metodologia Científica: guia para eficiência nos estudos. 4. ed. SP: Atlas, 1996.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

AMARAL E SILVA, Antônio Fernando; et al. Cadernos de Direito da Criança e do Adolescente – 2. Florianópolis: ABMP, 1997.BRASIL.

CURY, Munir; et al. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado: comentários jurídicos e sociais. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002.

Desconstruindo o Mito da Impunidade: Um Ensaio de Direito (Penal) Juvenil. Brasília: CEDEDICA, 2002 b.

MENDEZ, Emilio Garcia apud SARAIVA, João Batista Costa.

Adolescente em conflito com a lei: da indiferença à proteção integral:

uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. 2 ed. rev. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2005.

PEREIRA, T. da S. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 27).

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 6ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2004.

MINAHIM, Maria Auxiliadora, Direito Penal da Emoção – Editora Revista dos Tribunais.

 

Sobre os autores
José Wilson de Melo

Jornalista e Advogado em Juazeiro do Norte,Ceará.

Danielle Ferreira de Souza

Estudante do Curso de Direito da Unileão, Juazeiro do Norte, Ceará.

José Expedito da Silva

Segurança do Trabalho e Estudante de Direito da Unileão.

Euclides Alves Ramalho Filho

Graduando em Direito pelo Centro Universitário Leão Sampaio em Juazeiro do Norte, Ceará.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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