Uma afronta ao devido processo legal

24/02/2017 às 14:38
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Reflexões sobre o instituto da Deportação e os requisitos exigidos por lei para tal, em contradição ao que o atual cenário político dos EUA vem, inexplicavelmente, praticando.

Na lição de Valério de Oliveira Mazzuoli (Curso de Direito Internacional Público, 3ª edição, pág. 655), a causa de deportação é o não cumprimento de requisitos necessários para o ingresso regular ou para a permanência no país. Assim trata-se de causa estranha à prática de crime. A prática de delito pode ser motivo para a expulsão ou para a extradição de estrangeiros, mas nunca para a sua deportação.

Isso porque o que existe, em caso de deportação, é a não observância das regras que o Estado tem relativamente ao ingresso de estrangeiros no território nacional, não se assemelhando, em nada, à prática de conduta ilícita. Dito isso, veja-se o quadro atual de deportação nos Estados Unidos que nos faz lembrar tristes tempos do "ovo da serpente", na década de 30 na Alemanha. O fato é descrito no jornal O Globo, de 22.2.2017:

 "Ao anunciar seu novo plano de deportação e acabar com a prioridade de expulsar apenas imigrantes que cometeram delitos graves, o presidente americano, Donald Trump, abriu caminho ontem para cumprir o que prometeu na campanha: tirar do país todos os 11 milhões de ilegais. A partir de agora, pode ser alvo de deportação qualquer ilegal que tenha cometido um delito de qualquer tipo, como falsificar documentos para participar de programas do governo ou até para pagar impostos: estudos baseados em dados do governo estimam que ao menos 3,1 milhões deles pagam US$ 12 bilhões de impostos por ano. A deportação em massa deverá ainda ser reforçada pela contratação de mais 15 mil agentes."
Imigrantes indocumentados poderão ser expulsos se acusados —não há necessidade de condenação— de qualquer crime.

Estarão sujeitos à remoção expressa aqueles que não consigam comprovar ao menos dois anos de residência, em qualquer parte do território dos Estados Unidos. Afronta-se a história americana, afronta-se o devido processo legal. 

A doutrina brasileira, em especial com Rogério Lauria Tucci e José Roberto Cruz e Tucci (Constituição de 1988 e processo, 1989, pág. 15) emprega a locução devido processo legal no sentido da enumeração das seguintes garantias oriundas: a) o direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um público julgamento dentro de uma duração razoável; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; d) direito ao devido contraditório; e) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; f) direito de não ser condenado com provas ilegalmente obtidas; g) privilégio contra a autoincriminação.

Deportar sem dar direito de defesa é uma afronta aos mandamentos instituídos historicamente com relação ao devido processo legal. A história saberá julgar os episódios que hoje acontecem nos Estados Unidos da América.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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