Um breve histórico sobre a mediação

11/03/2017 às 13:20
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A historiografia da mediação no Brasil vem a suscitar o conceito oriundo da cultura oriental e desenvolve-se de forma bem diferenciada, vindo a ser formar a noção de mediação na cultura ocidental.

Começar a historiografia da mediação no Brasil, prima por tocar o conteúdo do conceito na cultura oriental, traçando a diferença como conteúdo conceitual da mediação na cultura ocidental.

Os caminhos riscaram um percurso no Reino Unido, nos Estados Unidos, no Canadá e na França e só os acompanhando que podemos entender os movimentos e suas fases evolutivas do Brasil.

A mediação brasileira se construiu e ainda se constrói atualmente a partir da distinção desse instituto jurídico com a conciliação e arbitragem.

A mediação passou a se inserir no ordenamento jurídico pela interdisciplinariedade e foi alimentada pela via principiológica.

Infelizmente os movimentos legislativos brasileiros estão divorciados, pois um lado há ausência de construção teórica e, de outro lado há uma rigorosa preocupação com a natureza jurídica da mediação.

Mas vivenciamos um momento alvissareiro pois o acesso à justiça bem como a duração razoável do processo conspiram a favor da mediação (e demais meios autocompositivos).

Compreender a mediação sob o enfoque moderno nos faz refletir sobre os debates surgidos a partir da década de 1960, onde a prática processual reaparece como possibilidade de mudança de cultura, saindo do adversarial para uma construção dialógica.

A mediação como atividade humana tem existido desde os primórdios da vida em sociedade, porém é preciso reconhecer que nas derradeiras décadas, apresenta-se como um fenômeno sem fronteiras, presente em costumes ou nas religiões. Modernamente, a mediação vem firmando como modo de regulação da conduta humana, traduzindo-se, portanto, como prática social.

A mediação é inescapável a essência humana pois o homem é ser social por excelência. É verdade que há pessoas que nascem com essa qualidade aperfeiçoada, portanto, sendo mais hábeis como mediadores. Outras pessoas porém, se valem de esforço positivo da boa influência do meio sociocultural, permitindo o aperfeiçoamento progressivo da qualidade mediadora.

Na cultura oriental, a mediação goza de tradição milenar entre os povos antigos. A mediação integra usos e costumes e a figura do mediador pode ser institucional decorrente de uma hierarquia na organização comunitária, seja como poder delegado, ou natural, seja como expressão de exercício da cidadania, permitindo homenagear as personalidades da sociedade mais afeitas à comunicação humana, onde se instrumentaliza o poder mediador.

Entre os chineses, há uma instância institucional da mediação que constitui uma etapa obrigatória de acesso à justiça.

No Japão existe a figura milenar chamada chotei que atua nos conflitos de direito de família, operando quase uma conciliação quase judiciária, sendo mesmo uma das atividades jurisdicionais.

Em resumo, o chotei confia a solução do conflito a uma terceira pessoa ou a uma comissão formada por um magistrado e também dois ou mais conciliadores, se fosse necessário. Os conciliadores nipônicos são nomeados pelo Supremo Tribunal e, atuam por um biênio, deve ter a faixa etária de quarenta a setenta anos, tendo uma qualificação técnica para a função além de competência. Em verdade, o principal critério de eleição era ser um dos notáveis da comunidade.

Existe um corpo trans e multidisciplinar de especialistas universitários que dão auxílio quando na função de chotei.

Apenas quando esgotamos os meios disponíveis para essa etapa, é que os interessados são encaminhados ao shimpam (que equivale a um procedimento de instrução e julgamento).

O instituto da mediação no Japão se encontra legalmente regulado desde dezembro de 1947, porém o modelo só veio a ser adotado no meio ocidental em 1980, com as adaptações necessárias para traduzir a conciliação mencionada pelos japoneses, que muito se assemelha à mediação notadamente a mediação familiar no ocidente.

A mediação ressurgiu no final do século XX apontando significativa mudança nos meios de regulação e controle social e teve sua origem em dois movimentos simultâneos um no Reino Unido e, outro nos Estados Unidos, disseminando-se para o Canadá e França.

A evolução da mediação na Europa e nos Estados Unidos reflete a historiografia particular da mediação familiar, o que culminou com a recepção do instituto no âmbito brasileiro.

É relevante ressaltar que a mediação realmente é fenômeno universal e atua tanto no sistema do common law, onde se encontra muito desenvolvida, sendo que a mediação prévia representa uma fase obrigatória em relação ao processo judicial. Bem como também se encontra a mediação no civil law que trouxe o caráter de meio alternativo de solução de conflitos.

O marco da mediação no Reino Unido consiste em dois eventos históricos cujo contexto era ser uma ajuda aos divorciandos em movimentos associativos como por exemplo, “Parents forever” (ou pais para sempre).

Guynn Davis em 1977 (pesquisador da Universidade de Bristol) criou o primeiro serviço de conciliação familiar judicial, junto ao tribunal com a finalidade de atuar antes das medidas judiciais que poderiam ser promovidas.

Caracterizou-se por ser uma especialidade voltada aos conflitos que envolvem crianças.

Era uma ousada experiência que queria oferecer um atendimento mais especializado e eficaz para os conflitos de família. Nessa época não havia profundas diferenças entre conciliação e, o que posteriormente, veio se tornar a mediação. O serviço foi relevante principalmente em razão da grande publicidade dada e pelo apoio recebido pelo judiciário local.

Porém, a boa iniciativa não teve seguimento em virtude do ritmo escolar da universidade, ocorrendo a renovação do corpo docente e discente a cada período letivo. A falta de continuidade não deu chance de se extrair o sentido filosófico da mediação, permanecendo apenas em sua fase empírica.

A pioneira conciliação familiar foi marcada pela gratuidade e obrigatoriedade, e deu origem a outra iniciativa. Pois em 1978 surgiu o primeiro serviço de mediação na Inglaterra, na cidade de

Bristol, concebido pela assistente social Lisa Parkinson, marcado pela natureza independente, com remuneração simbolizando o imprescindível reconhecimento dos mediadores pela atividade altamente especilizada na prestação dos serviços de mediação.

A iniciativa baseou-se no reconhecimento da competência dos conciliadores judiciais para as questões de guarda e visitas das crianças, e na competência técnica dos advogados, agregando-lhes a prática do método de enquete social, preservando-se, porém, o espírito da mediação.

Com essas peculiaridades, a partir de uma prática de serviços independentes dos tribunais, foi construído um modelo de mediação que se difundiu em toda a Inglaterra onde está prevista a prática de uma mediação parcial, desde que incluídas as relações às crianças.

Já em 1988, a difusão da mediação familiar britânica chegou a criação da Family Mediators Association – FMA que retomou um projeto experimental lançado em Londres, em 1986.

Desse estágio evoluiu-se para a prática de uma mediação global, tendo por objeto as crianças e as questões financeiras do divórcio, experiência realizada em co-mediação com advogado em uma média de cinco sessões.

O FMA organizou estágios de formação e instituiu um código nacional de mediação. A mediadora e assistente social Lisa Parkinson escreveu importantes obras que retratam a evolução do instituto na Inglaterra tornando-se formadora de mediadores na França.

EUA

A iniciativa da revalorização da mediação ocorreu na década de 1960, por Danzia, sendo marcada pela interdisciplinariedade.

Houve influência da imigração chinesa quando se facilitou a implantação a prática milenar da mediação em tempos modernos, adaptado ao mundo ocidental.

A mediação foi tema de estudos junto a Harvard School Law, concluindo por uma fundamentação teórica que limita seu conceito como modo de resolução de conflitos, já que visa o acordo entre as partes, sem qualquer preocupação com as causas subjacentes ao impasse, portanto, sem caráter preventivo.

Desta forma, implantou-se a famosa ADR – Alternative Dispute Resolution, que se apresentava como uma alternativa rápida e econômica para a solução de litígios. Principalmente em frente do altíssimo custo do judiciário para os cidadãos norte americanos, estes aderem rapidamente a essa forma de acesso à justiça, porém, taxada de “justiça de segunda classe”.

Mas, no entanto, a moralidade implantada atendia ao propósito mais imediato o desafogo do judiciário, tomado por expressiva quantidade inimaginável de litígios, a maioria de pequeno valor não justificando o alto custo acarretado ao Estado.

A partir da década de 1970 nos Estados Unidos ocorreu forte disseminação preocupada com o aperfeiçoamento do acesso à justiça, como resposta à explosão de contencioso em massa marcando o início de uma tendência mundial de criação de “circuitos derivados” como instância de conciliação para a disciplina das pequenas causas.

Tal iniciativa dirigiu-se principalmente à proteção do consumidor e as relações locatícias.

A chamada “justiça de segunda classe” instituíra uma “nova” forma de controle social, e passou-se a desenvolver experiências de mediação em todos os campos de relações humanas, principalmente a mediação familiar que, sobretudo no divórcio, encontra um campo fértil.

Os bons resultados obtidos o desenvolvimento de uma nova mentalidade no trato dos conflitos humanos.

A origem e criação da expressão “mediação familiar” é atribuída a D. J. Coogler que era advogado de Atlanta em 1974, que inaugurou um escritório de prática privada de mediação familiar, vindo a publicar a teoria da experiência em 1978, sob o título de Structured Mediation in Divorce Settlement. A iniciativa teve enorme sucesso que em 1982 já se contava com mediadores em quarenta e quatro estados norte americanos.

Em razão da língua inglesa e ainda sua disposição geográfica, a prática da mediação se disseminou na Austrália e na Nova Zelândia que aderem ao conceito norte americano de mediação. Entretanto, no Canadá, a dupla influência cultural (francesa e inglesa) dá a mediação características próprias, desenvolvida em relevantes práxis.

A mediação chega ao Canadá em 1980, inicialmente pelo setor público de natureza gratuita, não obrigatória, global e fechada, já que o juiz e os advogados não tem acesso ao conteúdo das sessões de mediação.

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Em 1984 foi criado o primeiro serviço de mediação familiar de Montreal – SMF, passando a haver a prática privada exercida por advogados, terapeutas de família e de casal, assistentes sociais que, independentemente de suas atividades profissionais de origem, praticam a mediação como função especialziada, como profissionais liberais.

A mediação canadense desde 1997 o governo Quebec que aprimorou o instituto com a promulgação da lei dispondo que casal e crianças envolvidos em conflito familiar terão acesso a uma sessão de divulgação da mediação e a cinco sessões de instância de mediação, todas gratuitas.

O casal tem alternativa de recorrer ao judiciário, inaugurando-se uma nova cultura e mentalidade.

A dualidade de idiomas do Canadá propiciou aos canadenses absorção de cultura da estrutura de pensamento proveniente dos ingleses e dos franceses e, pela relação de vizinhança geográfica, também o pragmatismo dos norte americanos, que lhes é tão peculiar. Nota-se que o Canadá desenvolveu um modelo próprio de mediação harmonizante de recursos naturais advindo das diversas culturas, exaltando as diversas culturas, instituindo a autêntica mediação de culturas.

Já em 1985, a lei canadense de divórcio possibilitou a atribuição da guarda dos dois pais, instituindo assim a guarda conjunta ou compartilhada que se caracteriza pelo reconhecimento da responsabilidade e dos deveres dos pais na reorganização da vida da família pós divórcio.

A primeira aparição da mediação na França está em norma jurídica datada de 1671 que atribuía a assembléia de nobres e ao clérigo a tarefa de pacificar as desavenças e discórdia para realização da mediação de todos os litígios.

A verdade é que na França antiga os bispos normalmente confiavam tradicionalmente aos padres a missão de ser mediador entre seus párocos e, mais recentemente também aos professores da escola infantil retomaram a tradução.

Nos anos de 1980 veio à França resgatar a mediação por influência de alguns doutrinadores atentados à exitosa difusão da mediação na América do Norte e, no Reino Unido e ainda, no Canadá (que tem adepto °da língua francesa). Tais doutrinadores, como Jacqueline Mourret, Anne Babus, Jean Pierre Bonafe-Schmitt e Benoit Bastard foram responsáveis não só pelo modelo francês mas também pelo modelo europeu de mediação.

A mediação francesa fora institucionalizada formalmente pela Lei n° 73-6 de 1973 que criou o Mediador da República que é chamado a intervir no conjunto de conflitos de Direito Público e, o Decreto n° 78-381 de 1978 que deu origem à função de conciliadores que atuam nos litígios privados.

Finalmente a Lei n° 93-2 de 04 de janeiro de 1993 consagrou essa prática e sublinhou que deve ser prévia a decisão sobre ação pública e com o consentimento das partes.

Mas sua regulamentação no Código de Processo Civil foi finalmente feita pela Lei n° 95-125 de 1995 que prevê no Título II em sua primeira parte “a Conciliação e a Mediação Judiciária”.

A mencionada lei fora regulamentada pelo Decreto n° 96-652, definindo finalmente da mediação sobre o enfoque jurisdicional.

A mediação familiar na França foi implantada e conceituada sob o fundamento interdisciplinar, afastando-se, assim, do conceito de mediação consagrada nos Estados Unidos, resolução de conflitos para construir um conceito próprio – transformação do conflito.

A contribuição da França para o desenvolvimento da mediação está na superação e abandono do pensamento binário muito peculiar da linguagem jurídica, substituindo pelo pensamento ternário[1] (conforme Jean François Six, Dinâmica da Mediação, tradução Agda Arruda Barbosa, Gisele Groeninza de Almeida e Eliana Riberti Nazareth, Belo Horizonte, Del Rey, 2001).

Atualmente não se cogita mais em modelo francês ou europeu de mediação pois o principal modelo fora concebido pela assistente social mediadora familiar Lisa Parkinson, que, embora seja inglesa domina o idioma francês por conta de sua origem paterna. A mediadora inglesa passou a compartilhar com a França e o Canadá a sua grande experiência em aplicar a mediação no judiciário do sistema da common law, passou também a lecionar o curso de formação de mediador familiar promovido pelo Instituto Europeu de Mediação Familiar (IEFM).

A importância da mediação é tamanha que a sua menção está inserida na recomendação do Conselho Europeu aos Estados-Membros a respeito da mediação familiar (n. R [98.1] adotado pelo Comitê dos Ministros em 21 de janeiro de 1998).

O enfoque atual na França da mediação é centrado na cultura da paz e, não apenas na pacificação dos conflitos, cujo mecanismo era restrito à conciliação. Contemporaneamente o conceito francês de mediação consagrou o modelo europeu, cujo fundamento está no movimento da Associação pela Promoção da Mediação (APPM) que é legitimada e reconhecida pela Comunidade Européia.

A definição da mediação é um processo de criação e repartição do vínculo social e de regramento dos conflitos da vida cotidiana no qual um terceiro imparcial e independente, por meio da organização de trocas entre pessoas ou instituições, tenta ajudá-los a melhorar uma relação ou regular um conflito que as opõe.

A partir da distinção, em síntese, pode-se dizer em linguagem binária, de alguma forma contém julgamento, portanto, a exclusão até mesmo quando se renuncia a uma direito que se acredita ter, ocorrendo na conciliação, no entanto, na mediação, no exercício de linguagem binária a dinâmica de comunicação é de inclusão, e não julgamento.


[1] O pensamento binário é frequente na cultura ocidental. Na França, é comum trocarem-se a qualificação cartesiano posto que se nutra de raciocínio matemático ou de ciências exatas (ou é certo ou é errado). O princípio binário é expressão pelo terceiro excluído. Já o pensamento ternário é próprio do mundo oriental, por influência da cultura, da religião, dos usos e costumes. A superioridade do pensamento é evidente, pois muito mais afeito à atividade humana. A verdade que a distinção do pensamento binário e ternário é de conteúdo filosófico.

O pensamento ternário ao incluir o terceiro abre o tempo-espaço que contempla fundamentando-a no reconhecimento do valor do outro, que se, encontra encoberto pela ausência de diálogo.

OBS: Meus sinceros agradecimentos para Dra. Amanda Montenegro.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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