Resumo: Tendo em vista a forma federativa de terceiro grau adotada pelo ordenamento jurídico pátrio, insculpido na Constituição da República de 1988, tem-se como entes federados autônomos a União, os Estados e os Municípios. Dentro desse contexto, fez-se necessário a distribuição e a delimitação da legitimidade para instituir tributos, a qual deu-se o nome de Competência Tributária. Em razão da autonomia dos entes federativos, tal competência tem, entre outras, a característica da facultatividade, podendo ser exercida ou não, a depender de critérios fiscais, extrafiscais e até mesmo políticos de cada Ente. A Lei de Responsabilidade Fiscal explicitando um novo modelo de governança fiscal, por meio de limites de gastos públicos e incremento de receitas, estabeleceu a obrigatoriedade de instituir exações, tributos, prevendo inclusive restrições sancionatórias em decorrência da não instituição. Este trabalho tem como desiderato tratar desse aparente conflito ou antinomia apontando soluções de interpretação e de aplicação.
Palavras-chaves: Competência Tributária. Facultatividade. LRF. Constitucionalidade.
Abstract: In view of the federative form of third degree adopted by the legal order of the country, inscribed in the Constitution of the Republic of 1988, the autonomous federated entities are the Union, the States and the Municipalities. Within this context, it became necessary to distribute and delimit the legitimacy to institute taxes, which was called Tax Jurisdiction. Due to the autonomy of federal entities, this competence has, among others, the characteristic of the faculties, being able to be exercised or not, depending on fiscal, extra-fiscal and even political criteria of each entity. The Fiscal Responsibility Law, explaining a new model of fiscal governance, through public expenditure limits and revenue growth, established the obligation to institute taxation, including penalties for non-establishment. This work has as desiderato to deal with this apparent conflict or antinomy pointing solutions of interpretation and application.
Keywords: Tax Jurisdiction. Facultativity. LRF. Constitutionality.
Sumário: Introdução. 1. Da facultatividade da Competência Tributária. 2. Da Obrigatoriedade do Exercício da Competência Tributária. Conclusão. Referências.
1.INTRODUÇÃO
Antes de adentrar-se mais amiúde no cotejo da questão, é primal tecer breves considerações sobre aspectos introdutórios acerca da Competência Tributária. Tem-se que ela é o poder de instituir tributo, adotando se para discriminá-los a teoria pentapartida, a qual tem como espécies do gênero tributo: os Impostos, as Taxas; as Contribuições de Melhoria; os Empréstimos Compulsórios e as Contribuições Especiais.
Vale observar que, nesse contexto, a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública foi colocada como uma espécie do gênero Contribuição Especial, à guisa de opiniões contrárias que a entende como gênero sui generis e autônomo.
Outro ponto que merece destaque diz respeito ao que prescreve o artigo 5º, II da Constituição Federal de 1988; “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por tal dispositivo chega-se à conclusão de que imposição de conduta deve ser descrita por lei, insculpindo o famoso Princípio da Legalidade Ampla.
Na seara tributária, o artigo 150, I da Lei Maior cristaliza o Princípio Tributário da Legalidade ao prever a necessidade de que uma lei, ou ato normativo com sua força (Medida Provisória), seja editada para instituir ou aumentar um tributo. Assim dispõe o artigo:”Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:” e o inciso I completa: “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Das ideias expostas acima, chega-se nas seguintes premissas: a) Todos os tributos são instituídos ou aumentados por lei, essa é a regra, cujas exceções não são objeto deste artigo e b) Somente quem possui poder legislativo, órgão legiferante, pode instituir ou aumentar um tributo. Postas tais considerações, passa se mais detidamente ao objeto de tal trabalho.
2. DA FACULTATIVIDADE DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
Embora os Entes Políticos não possam delegar nem renunciar sua competência tributária, eles são livres para dela se utilizar ou não, vale dizer, a competência tributária para instituir determinado tributo poderá não ser exercida por um longo período de tempo, isso porque o exercício da competência tributária não está adstrito a um prazo decadencial, é a incaducabilidade.
Por essa razão o artigo 8º do Código Tributário Nacional(CTN) dispõe:”O não exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.”
A pessoa política pode criar o tributo segundo sua discricionariedade, adotando critérios de conveniência e oportunidade que lhes forem próprios, com viés de arrecadação por meio dos tributos chamados fiscais, ou meramente político e não fiscal com os chamados tributos extrafiscais.
Por oportuno destacar a diferença entre competência e capacidade tributária. Esta é a capacidade para ser sujeito ativo da relação tributária por força de disposição constitucional ou legal do ente tributante, sendo delegável podendo inclusive ser transferida para outra pessoa jurídica as atividades atinentes a fiscalizar e arrecadar. Diferente daquela que é privativa, indelegável, incaducável, inalterável, irrenunciável e facultativa.
Todo Ente que possui competência tributária contém capacidade tributária, mas tal capacidade pode ser delegado a outra pessoa jurídica que não possua competência tributária, o espectro de tal delegação somente abrange a posição ativa, ou seja, ser credor do tributo, bem como as atribuições administrativas (arrecadar e fiscalizar) inerentes ao polo ativo da relação jurídica tributária, definindo assim a Capacidade Tributária Ativa.
Ultrapassada tal diferenciação, é importante perceber que a Constituição Federal apenas outorga aos entes tributantes o mister de instituir tributos, nossa Lei Maior não instituiu tributo algum. Ela tão somente elenca o exercício da competência tributária para cada ente da federação, dispondo como uma faculdade inserida na autonomia federativa de cada um deles, conforme o artigo 18 caput da CR/88: “ A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.
As pessoas políticas são livres para utilizar das competências tributárias atribuídas pela Constituição ou não. Isso é o que se depreende do artigo 145, caput do CR/88: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:”. É oportuno lembrar o exemplo do imposto sobre grandes fortunas, tributo de competência da União instituído por lei complementar, como determina o artigo 153, VII, da Constituição Federal, e que até hoje não foi criado.
3. DA OBRIGATORIEDADE DO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA
Com o advento da Lei Complementar 101/2000, a conhecida lei de responsabilidade fiscal-LRF, toda dinâmica da gestão orçamentária e fiscal passou a ser analisada por um outro prisma, focada na governança, em conceitos de eficiência, eficácia e efetividade da arrecadação tributária, bem como de gestão de risco e planejamento estratégico.
Toda essa exegética fez com que a competência tributária fosse refletida sob um outro olhar e algumas controvérsias foram enfrentadas pela doutrina e jurisprudência. Entre as maiores polêmicas destaca-se: a facultatividade da competência tributária frente ao que dispõe o artigo 11 e seu parágrafo único, isto porque uma leitura seca de tais dispositivos leva a clara dedução de que a competência tributária teria agora um viés obrigatório.
O artigo 11 da Lei de Responsabilidade Fiscal-LRF ( Lei Complementar nº 101/2000) inserta: “ Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da federação.” E seu parágrafo único arremata ao dispor: “ É vedado a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.”
A primeira observação digna de nota é que a vedação se dá em relação às transferências voluntárias, pois as de cunho obrigatório seja por disposição legal, seja por disposição constitucional não estão abarcadas em tal proibição, por exemplo as repartições constitucionais de receitas tributárias.
Outro ponto é que tal restrição se coloca somente em relação aos impostos. Logo se um ente deixar de instituir uma contribuição de melhoria, não sofreria nenhuma sanção, assim como se deixar de instituir uma taxa, estaria dentro da facultatividade da Competência Tributária.
Isso é de excelsa importância para a maioria dos Municípios, que possuem boa parte de sua saúde orçamentária e financeira a dependem de doações voluntárias com a União, seja por repasse de receita, seja por empréstimos.
Embora o dito acima, alguns Municípios deixam de instituir alguns impostos de sua competência, como por exemplo o ITBI ou ISS, em sua grande maioria das vezes em razão do custo que derivaria sua cobrança, tornando inviável sua instituição e isso levou a discussão se o referido artigo 11 e seu parágrafo único da LRF seria ou não constitucional.
A interpretação que prevalece hoje foi dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em sede liminar no ADI 2.238 o qual entendeu que tal artigo deveria ter uma interpretação conforme a constituição. Assim o ente pode deixar de instituir, por ser facultativa a competência, mas se ele instituir o imposto, fica obrigado a arrecadar tal tributo. Essa é a hermenêutica dada ao artigo de modo a compatibilizá-lo com o regramento constitucional.
4. CONCLUSÃO
O tema não é pacífico na doutrina e na jurisprudência, tanto que o próprio STF não concluiu o julgamento da ADI citada acima, não obstante a constitucionalidade do artigo 11, parágrafo único se dá por meio de uma interpretação conforme a constituição.
Assim, embora a Competência Tributária seja facultativa, no que se refere à instituição de impostos, tem-se que caso o ente escolha não instituí-lo, e arcar com a não possibilidade de transferências voluntárias, seria mais um desestímulo a não instituição do que uma proibição. E, dando esse viés interpretativo, o artigo 11 da LRF mantém sua constitucionalidade e não retira a facultatividade do ente político de instituir tributos.
Referência:
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