Os artigos 277 e 278 do CPP e o Código de Defesa do Consumidor

21/03/2017 às 16:37
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O artigo examina os tipos penais expostos nos artigos 277 e 278 do código penal e o concurso material com crimes contra o consumidor.

Determina o artigo 277 do Código Penal: 
Art. 277 - Vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada à falsificação de produtos alimentícios, terapêuticos ou medicinais:(Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998)
Outras substâncias nocivas à saúde pública

O objeto material do crime é a substância destinada à falsificação de produto alimentício ou medicinal. 
A lei refere-se a substância, não abrangendo assim a maquinaria, petrechos, utensílios e alimentos, conforme se lê da lição de Celso Delmanto e outros(Código Penal Comentado, pág. 313) e ainda de Magalhães Noronha(Direito Penal, volume IV). 
Sobre o delito em tela explicou Heleno Cláudio Fragoso(Lições de Direito Penal, volume III, pág. 232), na mesma linha de Magalhães Noronha: 
“Tal destinação pode decorrer da própria natureza da coisa(exclusivamente empregada para esse fim), ou da especial aplicação que lhe vai ser dada pelo comprador ou por quem a recebe, a qualquer outro título(substâncias que podem ser empregadas para outros fins lícitos). 
Para a prova desse crime é mister o corpo de delito. 
O tipo exige o dolo de forma a vender, expor à venda, ter em depósito ou ceder substância destinada a falsificação de alimentos alimentícios. 
O crime é de perigo abstrato. 
Por sua vez, determina o artigo 278 do Código Penal: 
Art. 278 - Fabricar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, entregar a consumo coisa ou substância nociva à saúde, ainda que não destinada à alimentação ou a fim medicinal:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Modalidade culposa
Parágrafo único - Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de dois meses a um ano

Trata-se de crime contra a saúde pública. 
A primeira conduta exposta no artigo 278 do Código Penal envolve a ação de fabricar(preparar, beneficiar, manipular, produzir por qualquer meio) a coisa ou substância nociva à saúde. 
O objeto material do crime é a coisa nociva à saúde. 
O crime é doloso, mas havendo erro escusável, como explicou Júlio F. Mirabete(Manual de Direito Penal, volume II, 22º edição, pág. 129) não se configura o crime. 
A doutrina considera difícil a prática da tentativa, consumando-se o crime com qualquer das condutas indicadas no tipo penal. 
O crime poderá ser culposo, na medida em que não saiba o agente que a coisa era nociva. Mas exige a lei que o fabricante, o vendedor, pratiquem o tipo penal com especial cuidado. Agirá em conduta culposa quem estiver em negligência, imperícia ou ainda imprudência, dando causa à nocividade do produto. 
Se do crime resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada da metade, se resulta morte, aplica-se o dobro da pena. 
No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena é aumentada da metade; se resulta morte, aplica-se a pena de homicídio culposo aumentada de um terço. 
Especial cuidado exige-se do intérprete com relação a aplicação do artigo 63 do Código de Defesa do Consumidor. 
Diz o artigo 63 do CDC: 
Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
§ 1° Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas ostensivas, sobre a periculosidade do serviço a ser prestado.
§ 2° Se o crime é culposo:
Pena Detenção de um a seis meses ou multa.

Por sua vez, dita o artigo 64 do CDC: 
Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo único. Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo.

Há no caso um concurso material entre os crimes previstos nos artigos 278 do Código Penal e artigos 63 e 64 do CDC. 
As condutas narradas nos artigos 63 e 64 do CDC são crimes contra o consumidor, pois envolvem relações de consumo: 
Relações de consumo são as que se estabelecem entre "fornecedor" e o "consumidor", tendo por objeto os "produtos" e "serviços". Entende-se por "consumidores" todos que compram ou utilizam produtos e serviços para uso próprio; "fornecedores" são empresas ou pessoas que produzem, montam, criam constroem, transformam, importam, exportam, distribuem ou vendem produtos ou serviços; "produto" é qualquer bem móvel (carro, sofá, etc.) ou imóvel (casa, terreno, etc.) e "serviço" é qualquer trabalho prestado mediante pagamento, inclusive serviços públicos, bancários, financeiros, de crédito e de seguros.
Esses delitos têm as relações de consumo como objeto principal (imediato). O direito à vida, à saúde, ao patrimônio, etc., compõe o a sua objetividade jurídica secundária (mediata), isto é, são tutelados por eles de forma indireta ou reflexa. Têm, ainda, como elemento subjetivo o dolo de perigo (vontade livremente dirigida no sentido de expor o objeto jurídico a perigo de dano). É admitido o direto e o eventual.

São crimes de perigo abstrato, nos quais se presume iure et de iure o perigo para o bem público, que emerge da simples realização da conduta. 
O fornecedor de produtos e serviços perigosos ou nocivos à saúde ou segurança, a teor do art. 9º, está obrigado a informar (antes do ingresso no mercado – v. art. 10), de maneira ostensiva e adequada (v. art. 31), a respeito de sua nocividade ou periculosidade. Estes são elementos normativos do tipo, que hão de ser verificados pelo juiz cognitivamente. Nocivo é o que prejudica, faz mal, causa dano (efetivo). Nocividade é qualidade do que é nocivo. Periculosidade – conjunto de circunstâncias que indicam um mal, dano, para alguém ou alguma coisa (provável). O crime somente se caracterizará quando a omissão puder repercutir na esfera de bens jurídicos fundamentais do consumidor: vida, saúde, integridade corporal, liberdade, segurança e patrimônio. Fora de tais situações, nas quais haja probabilidade e não mera possibilidade de dano, não há de se falar em adequação típica.
Tem como elementos subjetivos o dolo e a culpa, nos tipos previstos no "caput" do artigo e no § 1º.
Cuidando-se de crime omissivo puro, a forma tentada é inadmissível.
Art. 64. Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado:
Pena – Detenção de seis meses a dois anos e multa.
Parágrafo único – Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de retirar do mercado, imediatamente quando determinado pela autoridade competente, os produtos nocivos ou perigosos, na forma deste artigo.
É o denominado "crime de omissão de informações sobre riscos conhecidos posteriormente à introdução no mercado."
A exigência é no sentido da dúplice comunicação: à autoridade e aos consumidores. Alguns juristas, dentre eles Antonio Herman V. Benjamin, são da opinião de que, na falta de uma delas, o crime se consuma. Outros esposam de entendimento diverso, como ensina o prof. Paulo José da Costa Jr.: "Se o agente, embora não comunicando o fato à autoridade, venha fazê-lo aos consumidores, não se perfaz o crime."
A forma culposa não foi contemplada neste dispositivo.
Trata-se de crime omissivo puro, uma vez que a conduta é o "não fazer", desatendendo ao comando da previsão normativa.
A tentativa é inadmissível.

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Disse a respeito Herman V. Benjamin(Manual de Direito do Consumidor, Saraiva): 
"As infrações de perigo abstrato – a regra absoluta nos crimes de consumo próprios – só mediatamente visam resguardar bens jurídicos individuais e materiais como a vida, o patrimônio e a liberdade, pois, não há dúvida, protegendo o supra-individual tutelam o individual. A abstração justifica-se, em tais casos, porque a exigência sistemática de um dano efetivo, ou mesmo de um perigo concreto, corresponderia, na prática, à impunidade generalizada e à perda da eficácia preventiva. Ressalte-se, por derradeiro, que o que é abstrato à vista dos bens jurídicos pessoais é concreto em relação a bens jurídicos coletivos. No direito penal econômico, o que, dirigido ao patrimônio individual, é perigo abstrato, pode atingir, efetivamente, o funcionamento do sistema social. Essa maneira de ver as coisas, ampliando o sentido do bem jurídico protegido, permite classificar os delitos contra as relações de consumo como de perigo concreto ou de dano, relativamente à própria integridade da relação de consumo. Dissertando sobre "crime de perigo", registra o renomado prof. Walter Coelho: "O Direito Penal moderno é avesso a presunções absolutas, que implicariam em abusivas criminalizações, a juízo arbitrário do legislador, em prejuízo da seriedade do direito repressivo. Em verdade, ou o perigo é efetivo e concreto, e, como tal, precisa ser demonstrado, ou é em abstrato, decorrendo sempre de uma presunção relativa, mas nunca absoluta. A questão vincula-se com a essência do próprio crime, ou seja, sua ilicitude substancialmente material e não meramente formal. Assim sendo, o dano potencial, ainda que decorrente de perigo abstrato ou presumido, ensejará sempre o eventual questionamento, no caso concreto, de sua efetiva ocorrência, pois a presunção, em tal matéria, só é justa e aceitável como juris tantum."

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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