Aplicação prática do estado de necessidade no Direito Civil

29/03/2017 às 06:20

Resumo:


  • O estado de necessidade exclui a ilicitude por danos se a deterioração da coisa alheia ou lesão à pessoa for para remover perigo iminente, desde que o perigo não tenha sido causado voluntariamente e seja inevitável.

  • Para configurar o estado de necessidade, é essencial que as circunstâncias tornem a ação absolutamente necessária e que não se excedam os limites do indispensável para remover o perigo.

  • Apesar de ser considerado lícito, o autor do dano em estado de necessidade ainda é responsável pelos prejuízos causados, exceto se a pessoa lesada ou o dono da coisa for o responsável pela situação de perigo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Principais pontos sobre o Estado de Necessidade no Direito Civil, aplicado a uma sentença judicial emitida na Ação nº 001/3.12.0049307-4 RS. Descubra como este instituto funciona na prática.

Definição do estado de necessidade no Direito Civil

O ato ilícito é fonte de obrigação: a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta, por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resultam dano para outrem. Foi com este conceito que a vítima baseou-se para pleitear na justiça a reparação dos seus prejuízos na sentença escolhida.

O estado de necessidade exclui o autor da ilicitude por danos como prevê o artigo 188, inciso II, Código Civil de 2002, se a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente. Exige-se que o perigo não tenha sido causado voluntariamente pelo autor do dano e que este seja inevitável.

Para confirmar o estado de necessidade é fundamental que as circunstâncias o tornem absolutamente necessário e que não seja excedido os limites do indispensável para a remoção do perigo.

Todavia, a responsabilidade civil não é afastada, o autor do dano responde pelos prejuízos causados, a lei determina apenas que os atos praticados nesta situação são lícitos, mas não são isentos de indenização por danos materiais, exceto se a pessoa lesada, ou o dono da coisa for o responsável pela situação de perigo como determina o artigo 929.

Um exemplo clássico do estado de necessidade, nos efeitos do artigo 188, inciso II, é fornecido por Alves (2005): “um motorista dirigindo com prudência, para não atropelar um pedestre que inopinadamente atravessa a rua, faz projetar seu carro sobre outro veículo.” Neste exemplo, o motorista cometeu ato licito ao destruir o outro veículo, pois era a única forma de evitar o acidente, e o dano à propriedade alheia foi apenas o suficiente para evitar o atropelamento.

Todavia, o motorista responderá pela reparação do dano, mesmo tendo agido em estado de necessidade, pois o caso apresentado configura hipótese de responsabilidade civil por ato lícito. Só não será responsabilizado pelas perdas materiais se o proprietário do veículo destruído foi o responsável pela situação de perigo, como por exemplo, se estivesse estacionado em cima da faixa de pedestre, obrigado assim o pedestre a atravessar em local inapropriado.

Síntese do Acórdão

O autor Aurelio Ferreira Rodrigues entrou com ação judicial contra o Condomínio Caiçara/Piraque/Joa requerendo a restituição do valor da cobrança do arrombamento do seu apartamento e danos morais relativos a invasão em sua propriedade.

Após tentativas mal sucedidas de avisar a vítima que havia um vazamento hidráulico com origem em sua propriedade, foi necessário arrombar a porta, pois o vazamento afetou a rede elétrica do apartamento no andar inferior ao de sua propriedade, estava gotejando na lâmpada da cozinha do apartamento, havia assim o risco iminente de pane elétrica ou até alguma consequência mais grave.

O problema do vazamento foi resolvido, mas a vítima achou-se injustiçada com a posterior cobrança no valor de R$ 165,00, referente aos custos do condomínio com arrombamento da sua propriedade.

A juíza deu improcedência no pedido da vítima tanto de ressarcimento do valor pago, como o pedido de danos morais. Depois, a decisão da juíza foi ratificada pelos juízes de segunda instância que negaram provimento ao recurso e ainda condenou a vítima a pagar os custos do processo no valor de R$ 678,00.

Analisando o Caso

Diante da situação de perigo iminente, a única opção que a sindica encontrou a fim de evitar o incidente, foi arrombar a porta do apartamento onde havia o vazamento, pois este se encontrava desocupado, e o proprietário não foi localizado em tempo hábil para evitar o perigo imediato de choque elétrico, pane elétrica, incêndio, ou quaisquer outras possíveis situações desastrosas que aquele fato poderia gerar.

Com base no inciso II, do artigo 188 do Código Civil a sindica não cometeu ato ilícito, pois a deterioração da porta do apartamento da vítima foi com a finalidade de remover perigo iminente, e pela circunstância era absolutamente necessário as ações da sindica e não houve nenhuma reclamação por parte da vítima de nenhuma outra destruição além da que foi realmente necessária para remoção do perigo.

Embora a lei declare que o ato praticado pela sindica seja licito, o dever de reparar o prejuízo causado pelo arrombamento da porta para remoção do perigo seria do condomínio se, e somente se, a vítima não fosse culpada do perigo (artigo 929 do Código Civil), só assim a responsabilidade civil seria do condomínio.

Na segunda instância os desembargadores acompanharam a decisão da juíza da primeira instancia. O relator assim determinou:

“Não procede o pleito indenizatório, porque foi o demandante que deu causa ao arrombamento, uma vez que o vazamento originava da sua residência. Assim, em face do estado de necessidade, não há ilicitude na atitude dos vizinhos, que agiram no interesse próprio e/ou coletivo, para afastar o perigo.”

Considerações Finais

Talvez o Senhor Aurelio devesse provar que o vazamento só aconteceu em sua propriedade, devido à falha nas instalações hidráulicas por responsabilidade do condomínio, este teria sido o fato gerador da situação de perigo, pois se assim o fosse, o artigo 930, determina que “Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram.”

Bibliografia

ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz. Código civil anotado: inovações comentadas: artigo por artigo. São Paulo: Método, 2005. 1038 p. ISBN 8586456616

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GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 561 p. ISBN 9788502044104

Site  http://www.tjrs.jus.br, acessado em 17 de maio de 2014 às 20:28

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