Algumas anotações e a resposta para a questão: Ministério Público, quarto poder?

Leia nesta página:

Analisa-se, neste trabalho, o surgimento, estrutura e funcionamento (na perspectiva nacional e comparada) do Ministério Público, além de responder a seguinte questão: Ministério Público, quarto poder?

Sumário

Introdução. 1. O surgimento do Ministério Público: breves anotações. 2. A origem das expressões “Parquet” e Ministério Público. 3. O Ministério Público no Brasil, Argentina, Bolívia e Venezuela: semelhanças institucionais. 4. Ministério Público no Brasil na Constituição de 1988: natureza jurídica, estrutura e funcionamento. 5. Ministério Público, quarto poder? Conclusão. Referências.

Siglas

MP – Ministério Público

CRFB/1988 – Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Introdução

                Este trabalho surgiu da necessidade de se analisar a instituição forte e democrática denominada Ministério Público: suas origens, estrutura, funcionamento e, principalmente, a resposta para a pergunta: Ministério Público, quarto poder?

                Este trabalho é divido em cinco capítulos.

                No primeiro, discorrer-se-á de forma breve sobre a origem da instituição ministerial.

                No segundo capítulo dedicar-se-á a explicação sobre a origem das expressões “Parquet” e “Ministério Público”.

                No terceiro capítulo expor-se-á sobre as semelhanças entre o MP brasileiro e o de outros países: Argentina, Bolívia, Paraguay e Veneuzela.

                No quarto capítulo discorrer-se-á sobre o Ministério Público no modelo brasileiro a partir da Constituição de 1988.

                E, no quinto capítulo, responder-se-á a seguinte questão: Ministério Público, quarto poder?

                Ao final, traz-se a conclusão do estudo.

1.    O surgimento do Ministério Público: breves anotações

Atualmente, muito se tem discutido a respeito da origem do Ministério Público. Para alguns autores, essa instituição remonta ao tempo dos egípcios quando, há aproximadamente quatro milênios, teria surgido a figura dos magiai, também conhecidos como procuradores do Rei: eles constituíam-se de classe de agentes públicos com funções de domínio da repressão penal.

Confira-se:

Para alguns autores, a instituição precursora do Ministério Público remonta à civilização egípcia, onde, há mais de quatro milênios, representada pelos magiai (procurador do rei), existia uma classe de agentes públicos com atribuições no domínio da repressão penal, com liberdade para castigar pessoas rebeldes, reprimir os mentirosos e os violentos, protegendo os cidadãos pacíficos, formalizando acusações, utilizando-se das normas existentes e participando das diligências probatórias necessárias à busca da verdade. Atuavam também na defesa de algumas classes de pessoas mais frágeis, como órfãos e viúvas. Os magiai eram tratados como verdadeiros olhos e línguas do Rei, do Faraó (SOUZA, 2004).

Assim, torna-se verossímil a afirmação de que a instituição ministerial não existiu na Grécia Antiga.

Veja-se:

Os doutrinadores especializados no assunto têm inúmeros motivos para confiar que não existiu entre os gregos a instituição do Ministério Público. Isso porque no que diz respeito à acusação pública, função básica da instituição, como na maioria das civilizações da Antiguidade, era realizada pelas vítimas do crime ou seus familiares, que decidiam processar o criminoso ou não. Além do que, a democracia exercida nos moldes da época, onde a participação ativa nos destinos da nação era inerente a um círculo restrito do corpo cívico da República ateniense, não tinha o porque existir uma instituição com atribuições específica como as do Ministério Público (POLI, s.d.).

Na Idade Média, aqueles que poderiam ser tidos como membros do Ministério Público eram os funcionários fiscais do Reino:

Já na Idade Média, ligados aso visigodos apontam-se como iniciadores do Ministério Público germânico os saions, funcionários de atuação marcadamente fiscal, mas que também tinham atribuições na defesa de incapazes e órfãos (SOUZA, 2004).

Depois disso, com o início da formação do Estado, em rompimento ao então existente Feudalismo, a instituição ministerial foi se solidificando, notadamente na França. Daí porque se pode afirmar que o Ministério Público – nas feições que hoje são conhecidas, tem origem francesa.

(...) saliente-se que, inegavelmente, a França, desde os enciclopedistas, vem causando inúmeras inovações e transformações no Direito, com a criação de institutos que até hoje são bastantes utilizados e difundidos pelos operadores jurídicos do mundo ocidental, mormente naqueles países de raiz jurídica romano-germânica. Com a instituição do Ministério Público não foi diferente (SOUZA, 2004).

            A partir de então, o Ministério Público foi se aprimorando e se formando como instituição, até chegar à estrutura conhecida de hoje.

            No Brasil, só em 1832, com o Código de Processo Criminal é que o MP apareceu, pela primeira vez, de maneira expressa.

            Colhe-se o seguinte:

Somente com o Código de Processo Penal do Império, de 29 de novembro de 2832, foi dado tratamento sistemático ao Ministério Público. O Código de 1832 colocava o Promotor de Justiça como órgão defensor da sociedade, titular da ação penal pública (SOUZA, 2004).

            Depois disso, somente a Constituição de 1934 foi que tratou de forma minudente da instituição ministerial, inclusive, assegurando garantias funcionais a seus membros:

A Carta Magna de 1934 inovou ao assegurar ao Ministério Público a estabilidade funcional de seus componentes e dispôs que os mesmos deveriam ingressar na carreira através de nomeação precedida de concurso público, além de apenas poderem perder seus cargos nos moldes da lei e por sentença judicial. Tais garantias atribuídas a Instituição em patamar Federal foram estendidas, posteriormente, aos Estados (POLI, s.d.).

            A constituição de 1937, ditatorial que era, pouca atenção deu ao MP:

Com a Carta Constitucional de 10 de novembro de 1937, imposta pelo Presidente Getúlio, em caráter marcadamente ditatorial, o Ministério Público praticamente desparece como Instituição, o que nos condena a minorar a importância de tal Constituição como meio de se realizar algum estudo doutrinário-jurídico da Instituição. Com a Constituição elaborada pelo Ministro Francisco Campos, mentor de nosso Código Penal, o Ministério Público perde a estabilidade e a paridade de vencimentos com os magistrados. Cria-se a máxima, que se veria repetida no Golpe Militar de 31 de março de 1964: regime ditatorial forte, Ministério Público fraco (SOUZA, 2004).

            No entanto, a Carta Política de 1946 rompeu com o então descaso: “(..) não tem como não reconhecer que foi com a Carta Magna de 1946 que a Instituição do Ministério Público ganhou tamanho destaque e independência” (POLI, s.d.).

            A Constituição de 1967 também manteve e aprimorou, ao menos no plano teórico, aquilo que a Carta Magna precedente havia deferido à Instituição ora estudada:

Na Constituição de 1967 o Ministério Público foi posto como um autêntico apendido do Judiciário. Foi ele alocado a uma seção no Capítulo destinado a reger o Poder Judiciário. Porém, ao vir a integrar o Título que tratava do Poder Judiciário, o Ministério Público deu importante passo na conquista de sua autonomia e independência, através de importante e assegurada equiparação com os juízes (SOUZA, 2004).

            No entanto, lamentavelmente, a partir de 1969 – quando começou um dos períodos políticos mais turbulentos da história nacional, o Parquet perdeu tudo aquilo que estruturalmente foi conquistado:

Com a Emenda Constituição nº 1, de 17/10/69, passou ele a figurar como parte integrante do Poder Executivo, sem independência funcional, financeira e administrativa, o que lhe tirava vigor para alçar vôos maiores. Voltava ele a ser mero funcionário administrativo do Estado. Lembremos que, em adendo, esta Carta também suprimiu a oitiva do Senado Federal, quando da nomeação do Procurador Geral da República, acentuando sua subordinação ao Presidente da República (SOUZA, 2004).

            Sem qualquer sombra de dúvida foi a Carta Política de 1988 que conferiu o maior respaldo de todos os tempos ao Ministério Público.

            Os traços característicos da Instituição na atual Lei Maior serão tratados de forma minudente no capítulo quatro.

2.    A origem das expressões “Parquet” e “Ministério Público”

            É comum se ler nos livros históricos, políticos e jurídicos o termo “Parquet”, quando se quer referir a instituição conhecida hoje como Ministério Público.

            Aquela denominação tem origem na França.

            Confira-se maiores detalhes do assunto:

Autores atribuem à origem da expressão designativa de Parquet, o que atesta a versão de Jorge Perrot, que ela deriva do local aonde os representantes da Instituição realizavam audiência: pequeno espaço de assoalha, existente nos Tribunais, cercado por uma balaústra. Provavelmente o nome parquet advém do piso taqueado (POLI, s.d.).

            No entanto, não há convergência na doutrina sobre quando e onde, exatamente, surgiu a designação “Ministério Público”.

            Acredita-se que tenha sido por volta do século XVIII, na Europa.

No concernente a expressão Ministério Público não apresente uma opinião unânime dos autores. Para parte dos autores ela advêm da terminação ter, que indica graduação, oriunda de minister. Concluindo, então que magister significaria o maior, o líder. Por analogia, minister seria o menor, por consequência: servidor de alguém. Contudo, ministério público seria servidor da lei, representante da lei. Entretanto, parte da doutrina aposta que a expressão teria surgido a partir do século XVIII, quando os procuradores e advogados do rei, “Le gens du roi”, eles mesmos se denominavam como mister ou ministere com o adjetivo public, para dizer respeito ao seu ofício (POLI, s.d.).

            Assim, infere-se que, apesar de não haver precisão quanto ao surgimento das expressão Ministério Público, trata-se de instituição jurídica antiga.

3.    O Ministério Público no Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguay e Venezuela: semelhanças institucionais

            O Ministério Público brasileiro, constituído a partir da Carta Magna de 1988 guarda, indiscutivelmente, semelhanças com a estrutura da instituição em outros países da América do Sul.

Na Argentina, as funções desempenhadas pelo Ministério Público se assemelham muito àquelas estabelecidas para Instituição brasileira.

A Constituição argentina expressa em seu artigo 120, caput, que:

El Ministerio Publico es un organo independiente con autonomia funcional y autarquia financiera, que tiene por funcion promover la actuacion de la justicia em defensa de la legalidad de los intereses generales de la sociedad, en coordinacion con las demas autoridades de la Republica.

Esta integrado por un procurador general de la Nacion y um defensor general de la Nacion y los demas miembros que la ley establezca.

Sus miembros gozan de inmunidades funcionales e intangibilidade de remuneraciones (ARGENTINA, 1853).

A autonomia funcional do MP argentino, bem como algumas das prerrogativas asseguradas aos membros do órgão ministerial são as mesmas asseguradas pela Constituição do Brasil.

No Paraguay, as semelhanças são muito aparentes: desde a autonomia da instituição, até os direitos e deveres dela.

O artigo 266 da Constituição do Paraguai estabelece o seguinte: “El Ministerio Público representa a la sociedad ante los órganos jurisdiccionales del Estado, gozando de autonomía funcional y administrativa en el cumplimiento de sus deberes y atribuciones. Lo ejercen el Fiscal General del Estado y los agentes fiscales, en la forma determinada por la ley” (PARAGUAY, 1992).

Tal dispositivo se assimila ao §2º, do art. 127, da Constituição do Brasil: a disposição constitucional pátria assegura ao MP autonomia financeira e administrativa para, por exemplo, prover seus cargos e estabelecer os planos de carreira dos seus servidores – tudo com vistas ao fiel cumprimento das atribuições constitucionais do Parquet.

Além disso, o art. 268 da Constituição Paraguaya cuida dos deveres e atribuições do Ministério Público naquele País:

Artículo 268 - DE LOS DEBERES Y DE LAS ATRIBUCIONES

Son deberes y atribuciones del Ministerio Público:

1. velar por el respeto de los derechos y de las garantías constitucionales;

2. promover acción penal pública para defender el patrimonio público y social, el medio ambiente y otros intereses difusos, así como los derechos de los pueblos indígenas;

3. ejercer acción penal en los casos en que, para iniciarla o proseguirla, no fuese necesaria instancia de parte, sin perjuicio de que el juez o tribunal proceda de oficio, cuando lo determine la ley;

4. recabar información de los funcionarios públicos para el mejor cumplimiento de sus funciones, y

5. los demás deberes y atribuciones que fije la ley (PARAGUAY, 1992).

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Indubitável a lembrança do dispositivo acima transcrito com o art. 129, da Constituição do Brasil de 1988: algumas das funções institucionais do MP de ambos os países se encontram, notadamente, no que se refere ao exercício da ação penal pública, a defesa do meio ambiente e dos direitos e garantias constitucionais.

No plano constitucional boliviano tem-se as semelhanças com o modelo do Brasil, no que se refere a autonomia financeira, administrativa e funcional, bem como na atuação em prol dos interesses sociais e no exercício da ação penal pública.

O art. 236, da Carta Política daquele País estabelece o seguinte: “El Ministerio Público defenderá la legalidad y los intereses generales de la sociedad, y ejercerá la acción penal pública. El Ministerio Público gozará de autonomía funcional, administrativa y financiera” (BOLÍVIA, 2009).

A Constituição da Venezuela, assim como a brasileira, também estabeleceu que incumbe ao Ministério Público a proposição de ações penais, bem como a defesa da garantia dos direitos e liberdades constitucionais.

Confira-se:

Artículo 285. Son atribuciones del Ministerio Público:
1. Garantizar en los procesos judiciales el respeto de los derechos y garantías constitucionales, así como de los tratados, convenios y acuerdos internacionales suscritos por la República.
2. Garantizar la celeridad y buena marcha de la administración de justicia, el juicio previo y el debido proceso.
3. Ordenar y dirigir la investigación penal de la perpetración de los hechos punibles para hacer constar su comisión con todas las circunstancias que puedan influir en la calificación y responsabilidad de los autores y demás participantes, así como el aseguramiento de los objetos activos y pasivos relacionados con la perpetración.
4. Ejercer en nombre del Estado la acción penal en los casos en que para intentarla o proseguirla no fuere necesario instancia de parte, salvo las excepciones establecidas en la ley.
5. Intentar las acciones a que hubiere lugar para hacer efectiva la responsabilidad civil, laboral, militar, penal, administrativa o disciplinaria en que hubieren incurrido los funcionarios o funcionarias del sector público, con motivo del ejercicio de sus funciones.

6. Las demás que le atribuyan esta Constitución y la ley.

Estas atribuciones no menoscaban el ejercicio de los derechos y acciones que corresponden a los o las particulares o a otros funcionarios o funcionarias de acuerdo con esta Constitución y la ley (VENEZUELA, 1999).

Registre-se que, embora existam grandes semelhanças entre a estrutura constitucional do Ministério Público brasileiro com a de outros Países, os alicerces dados à Instituição Pátria, a partir da CRFB/1988, foram mais claros e definidos.

Válidas, em relação ao tema, são as lições da doutrina: “O Ministério Público no Brasil, máxime após a Constituição de 1988, adquiriu feições singulares, que o estremam de outras instituições que eventualmente colham designação semelhante no direito comparado” (MENDES; BRANCO, 2013, p. 896).

Infere-se, por isso, que o órgão ministerial brasileiro, pelas feições com que foi estruturado, aproxima-se mais do ideal democrático e republicano do que de outras nações.

4.    O Ministério Público no Brasil na Constituição de 1988: natureza jurídica, estrutura e funcionamento

                    Registre-se que nenhuma das constituições brasileiras deu ao Ministério Público tanto destaque quanto a de 1988. Tanto é assim, que reservou uma seção exclusiva para tratar de suas funções, características, prerrogativas e competências, fato até então nunca visto em nenhum texto constitucional já existente neste País.

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 127, institui o Ministério Público, como instituição permanente.

Tal adjetivação merece explicação: na época em promulgada a Constituição de 1988, a nação vivia (e ainda vive), em fase de transmutação constante, pelo que ela, a sociedade, necessitava (e ainda necessita) de um poder regulador e fiscalizador dos interesses sociais.

Daí já saiu uma conclusão: o Ministério Público, como bem colocado pela Constituição do Brasil, é uma instituição permanente.

Permanecer tem um sentido próximo daquele estabelecido para a palavra constante.

Portanto, o qualificativo “permanente” lançado sobre o Ministério Público tem a finalidade de enaltecer a finalidade política, jurídica e social que tem tal instituição: a de constantemente atuar na defesa dos interesses indisponíveis do Estado Democrático de Direito.

A Carta Política brasileira de 1988, ao proclamar os direitos fundamentais, também teve de criar uma instituição para tutelá-los, inclusive, com força coercitiva para exigir do Estado proteção eficaz em favor da dignidade e justiça dos cidadãos brasileiros.

A calhar: “A função do Ministério Público é a defesa do conjunto de valores que compõem a ordem jurídica do Estado, bem como das instituições democráticas e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, por essenciais à própria sociedade” (BASTOS; MARTINS, 2001, p. 6).

Pode-se afirmar, em resumo, que o Parquet se tornou permanente devido ao fato de que, nos átrios da sociedade, existe a real e constante necessidade da existência de uma Instituição que zele pelos valores inerentes à sociedade, de construir uma sociedade digna.

Colhe-se da doutrina as seguintes lições:

O Estado contemporâneo assume por missão garantir ao homem, como categoria universal e eterna, a preservação de sua condição humana, mediante o acesso aos bens necessários a uma existência digna – e um dos organismos de que dispõe para realizar essa função é o Ministério Público, tradicionalmente apontado como instituição de proteção aos fracos e que hoje desponta como agente estatal predisposto à tutela de bens e interesses coletivos ou difusos (CINTRA; GRINOVER; DINARMARCO, 2013, p. 239).

O artigo 127 da Constituição do Brasil, além de definir o Ministério Público como instituição permanente, dá a ele algumas funções: “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.”

Ao dizer que o Ministério Público defende a ordem jurídica, o legislador constituinte entendeu que a instituição deve cumprir e fazer com que se cumpra a própria Constituição, bem como as leis.

Colhe-se dos ensinamentos de alguns constitucionalistas: “Se o MP cumpre o seu dever, a ordem jurídica se regulariza: “coíbem-se abusos, denunciam-se delitos, defendem-se interesses gerais, prevalece a ordem jurídica” (BASTOS; MARTINS, 2001, p. 8).

O legislador constituinte de 1988, ao dizer que o Ministério Público defende os “interesses sociais e individuais indisponíveis”, mostrou preocupação com a situação dos interesses coletivos, principalmente das minorias:

(...) o Ministério Público dos nossos dias deixou de ser apenas órgão incumbido da persecução penal, deduzindo em juízo a pretensão punitiva do Estado contra os criminosos, ou, no juízo cível incumbido da defesa de certas instituições (como a família, as fundações) ou de certas pessoas (como os ausentes, os incapazes, os acidentados do trabalho), passando a ser, principalmente, fiscalizador e defensor da correta aplicação das leis e da Constituição, personalizando-se, pois, como órgão de defesa dos interesses sociais em juízo, até mesmo contra o Estado (BASTOS; MARTINS, 2001, p. 4).

Ao cuidar dos interesses sociais e individuais indisponíveis o Ministério Público cuida daquelas situações inerentes a melhor qualidade de vida para todos, buscando a efetivação dos direitos fundamentais e cada vez mais a afirmação da dignidade da pessoa humana, elencada como fundamento da República (CRFB/1988, art. 1º, III).

A exemplo da atuação do Ministério Público na defesa dos interesses indisponíveis, cita-se sua participação nos processos relacionados a crianças e adolescentes, como dispõe o artigo 202 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Nos processos e procedimentos em que não for parte, atuará obrigatoriamente o Ministério Público na defesa dos direitos e interesses de que cuida esta Lei, hipótese em que terá vista dos autos depois das partes, podendo juntar documentos e requerer diligencias, usando os recursos cabíveis (ECA, 1990).

Entende-se assim, que o papel do Ministério Público Brasileiro é defender o cidadão, a democracia e, quando couber, o próprio Estado, revelando-se como uma das mais importantes instituições do Estado Democrático de Direito, proclamado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Quanto a estrutura e o funcionamento, calha aquilo que foi estabelecido no art. 127, §1º, da Constituição do Brasil de 1988: “São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional” (BRASIL, 1988).

Esclarece-se: unidade: os Promotores e Procuradores integram um só órgão, ainda que com funções e cargos distintos.

Indivisibilidade: os integrantes do Parquet podem ser substituídos, desde que por outros de mesma carreira. É dizer: a atuação dos Promotores ou Procuradores, de qualquer nível da carreira, representa a própria Instituição.

Independência Funcional: o órgão ministerial não tem subordinação e nem qualquer vínculo com nenhuma outra instituição da República.

Os §§2º e 4º do mesmo artigo ainda garantem ao Ministério Público autonomia funcional, administrativa e financeira – atribuindo, por isso, competência ao MP para elaborar proposta orçamentária e apresentar projetos de lei referentes à Instituição.

Visando garantir maior imparcialidade aos membros do Ministério Público, a Constituição estabeleceu aos seus membros as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

No âmbito das vedações, aplica-se aos membros do MP as mesmas estabelecidas para os membros da Magistratura.

Cada Estado-Membro é responsável por organizar o Ministério Público frente ao Poder Judiciário local, de acordo com o que diz a Constituição Federal.

O Ministério Público da União é formado pelos Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, Militar e o do Distrito Federal e territórios.

A Carta Política brasileira, no artigo 129, estabeleceu as funções institucionais do Ministério Público, além daquelas outras que o forem confiadas por Lei ou que não sejam incompatíveis com seus princípios instituidores.

5.    Ministério Público, quarto poder?

Uma das discussões mais acaloradas da atualidade é, sem dúvida, a resposta para a seguinte pergunta: Ministério Público, quarto poder?

O tema relacionado à divisão dos poderes do Estado é antigo: tem precedentes na Grécia antiga, através dos estudos de Platão:

Em Platão, já podemos visualizar esta intenção. Ele foi o primeiro a falar sobre separação das funções da cidade na instituição da cidade, quando este discorreu sobre a Pólis perfeita, afirmando que deveria haver uma distribuição de funções dos entes da comunidade, ou seja, cada pessoa deveria realizar a sua função junto ao grupo social, ficando mais clara essa ideia, inclusive, quando menciona os afazeres dos guerreiros que deveriam proteger a cidade, dos magistrados que deveriam governá-la e dos mercadores que deveriam produzir e comercializar os bens de consumo. Platão seria o primeiro autor a esboçar a ideia de uma desconcentração de poder, levantando uma corrente doutrinária baseada no equilíbrio, proporcionado por uma organização política formada por partes, defendendo inclusive uma teoria de que o todo precede as partes. Entendia a realização das funções de cada indivíduo de acordo com as suas atribuições, como sendo o princípio de uma ordem justa, equânime e harmônica (COUCEIRO, 2011).

No entanto, quem efetivamente deu contornos a tal teoria, inclusive, balizando e estabelecendo de forma minudente as funções estatais, foi o filósofo e cientista político francês Montesquieu.

A obra daquele ícone do Iluminismo não foi gestada nos melhores momentos políticos da Europa: havia, na época, uma monarquia absolutista, onde o rei, ao concentrar todos os poderes, exalava autoritarismo e cometia de forma múltipla e contínua as mais variadas arbitrariedades.

No entanto, munido do espírito racional advindo do Iluminismo e com ampla formação religiosa e jurídica, o grande filósofo deu início ao seu trabalho, que, em matéria política, pode ser sintetizada na obra Espírito das Leis.

O pensador valorizava a liberdade e, para concretização de tal mister, propôs que lei dividisse as funções do Estado entre mais pessoas, por isso que o poder concentrado nas mãos de apenas um indivíduo levaria ao governo despótico:

O padrão da liberdade é a lei: liberdade é poder fazer tudo o que as leis permitem. Se os poderes estão concentrados na mesma pessoa ou órgão, azo ao despotismo, não há liberdade. A propensão ao abuso, à tirania, decorrente da confusão entre orgânico-funcional entre os poderes, inviabiliza que se afiance a liberdade. A separação de poderes é, pois, técnica em defesa da liberdade (STRECK; OLIVEIRA, 2013, p.143).

Entretanto, observa-se que, apesar os esforços doutrinários, os estudos do filósofo francês foram mal interpretados

Leia-se:

Tem-se como propagador da separação ou tripartição dos poderes estatais, em Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciária, fruto das ideias de Montesquieu, donde se justifica essa divisibilidade apenas porque através do poder seria capaz de deter o outro poder, ideias essas refletidas na maiorias das constituições no tocante a autonomia e divisão dos poderes do Estado, entretanto, fora mal interpretado (CHAVES, 2012, p.121).

Alguns autores, com grande acerto, fazem uma nova leitura do pensamento de Montesquieu, para concluir que o termo mais apropriado à designação das atividades estatais não é “poder” e, sim, “função”, pois o único e verdadeiro poder é povo, de onde se emana a legitimidade do Estado, subdividido nas funções Executiva, Legislativa e Judiciária: “O Estado Constitucional de Direito assenta-se na ideia de unidade, uma vez que, o poder estatal é uno e indivisível, havendo órgãos estatais, cujos agentes políticos têm a missão precípua de exercerem atos de soberania” (COUCEIRO, 2011).

Contudo, a interpretação literal e desconectada do contexto, mantém no senso comum a ideia da divisão do poder e não do poder do povo em funções, cujo princípio é, sem dúvida, o mais acertado.

Tanto é assim, que a própria Carta Política do Brasil, ainda usa o termo poder: “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988).

No Brasil, à exceção da Constituição de 1824 – a primeira do País, todas as outras conceberam as três funções tradicionais: executiva, legislativa e judiciária. Aquela, além destas três, ainda criou a figura do Poder Moderador, extinto com a República, notadamente, com a Constituição de 1891.

Neste ínterim, surge a controvérsia se o Ministério Público, da forma como estruturado no modelo brasileiro, pode ou não ser considerado um quarto poder, ou melhor, uma quarta função do Estado.

            Quem primeiro respondeu afirmativamente àquela pergunta foi o jurista Alfredo Valladão.

Atualmente, também existem outras pessoas que respondem de forma positiva a mesma pergunta, fundamentando a posição no fato de que o órgão ministerial, da forma como colocado na Constituição (autônoma e com atribuições bem definidas), faz parte do sistema de freios e contrapesos da República – não havendo, por isso, como negar que a instituição seja, efetivamente, a quarta função essencial do Estado: “o Ministério Público também compõe o sistema de freios e contrapesos, pelo que o ordenamento jurídico pode estabelecer previsões de que a instituição interfira nas atividades das demais, bem como que estas intervenham em suas funções” (SANTOS, 2016)

Registre-se que a doutrina traz justificativa para o fato de o Ministério Público não ter sido inserido no artigo 2º na Carta Política do Brasil de 1988, como uma das funções do Estado:

Outra observação que pode ser feita é que, se à época da elaboração da Constituição não se havia propriamente elementos para reconhecer o Ministério Público como um “Poder”, isso não significa que o reconhecimento não possa ser feito atualmente (SANTOS, 2016).

            Além disso, a mesma doutrina traz a solução para a questão. É dizer: o mesmo autor ainda sustenta como o Ministério Público pode ser expressamente considerado o quarto poder do Estado:

A principal objeção à categorização deste entidade como um “Poder” pode ser apontada no art. 2º da Constituição Federal, que faz referência apenas ao “Legislativo, o Executivo e o Judiciário” como “Poderes da União”. Evidentemente, o melhor caminho seria que o reconhecimento fosse efetivado mediante emenda constitucional, que estabelecesse simetria entre este dispositivo e o art. 85, inc. II, que relaciona a necessidade de o Presidente da República não atentar contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público (...) (SANTOS, 2016).

            Apesar de firme e combativa, a teoria que ora se apresentou não é a majoritária. A maior parte dos autores não reconhecem o MP como a quarta função estrutural do Estado brasileiro.

            Apesar de autônomo, o Ministério Público, segundo maioria significativa dos autores, não tem préstimo para ser uma quarta função essencial. A independência do órgão, por si só, não é suficiente para tal mister, pois se assim fosse, outros órgãos públicos também deveriam ser elevados ao status de Função Constitucional essencial do Estado

            O mesmo autor que defende a primeira posição, também traz em sua obra a opinião dos quantos pensam diferente:

Há quem negue a possibilidade de reconhecimento do status de “Poder” ao Ministério Público sob o argumento de que, caso isso ocorresse, dever-se-ia também fazê-lo em relação a outros órgãos institucionais dotados de autonomia, a exemplo da Defensoria Pública e do Tribunal de Contas (SANTOS, 2016).

            Com todas as vênias, razões lógicas impedem a adesão à primeira corrente: o Ministério Público não é quarto poder.

            Como se vê da estrutura da Constituição Federal de 1988, o MP aparece no Capítulo IV, do Título IV, na condição de “Função Essencial à Justiça”. É dizer: a instituição ministerial não foi colocada no rol dos poderes do Estado. Se fosse do interesse do legislador constituinte, colocar o Ministério Público como a quarta função do Estado, ele o teria feito.

            Assim, o Ministério Público é uma das mais belas instituições do Estado brasileiro, dotado de autonomia administrativa e financeira apenas para o fiel exercício das suas funções, pois caso não as tivesse, sua independia funcional estaria comprometida por influências de qualquer dos três poderes.

            Por isso, a autonomia constitucional outorgada ao Parquet não é elemento suficiente para conduzi-lo a titulação de Função essencial da República.

Conclusão

            O Ministério Público, sem dúvida, é instituição essencial ao Estado.

            Apresentou-se, nesta pesquisa, a origem história da instituição, bem como a semelhança estrutural daquela constituída no Brasil a partir do Texto Político de 1988, com a de outros países.

            Cuidou-se, também, de apresentar a origem das expressões “Parquet” e “Ministério Público”.

            Além disso, mostrou-se, de forma minudente, os alicerces em que se fundou a formação da Ministério Público brasileiro.

            O tema fundamental da pesquisa, no entanto, se deu entorno da discussão se o MP é ou não o quarto poder, ou melhor, a quarta função do Estado.

            Para a boa compreensão do tema, discorreu-se sobre a “Teoria da Tripartição dos Poderes”, cuja autoria é reportada ao filósofo francês Montesquieu. Não se deixou de citar que o tema tem precedentes desde a Grécia antiga, através dos estudos de Platão.

            A primeira conclusão que se extraiu foi a de que é incorreto, embora o sendo comum permita, dizer que o Estado é divido em Poderes. O mais acertado é afirmar que ele se compõe de três funções: executiva, legislativa e judiciária.

            Explica-se: o poder é uno, isto é, pertence ao povo.

            Assim, para que o Estado (formado pelo povo – titular do único poder) possa exercer suas atividades, se faz necessário a divisão dele em funções.

            Neste mister, verificou-se que, embora existam vozes no sentido de que, pelas feições com que o MP brasileiro foi instituído, pode ele ser considerado a função essencial do Estado.

            No entanto, com respaldo na doutrina majoritária, conclui-se pela impossibilidade de o Ministério Público ser a quarta função.

            Passe-se a explicação.

            Registre-se, primeiramente e por questões lógicas, que se fosse do interesse do legislador constituinte elevar o Parquet à categoria de função, ele o teria feito.

            No entanto, não foi isso que aconteceu.

A instituição ministerial foi concebida como “Função Essencial à Justiça”.

Ademais, a autonomia conferida ao MP não é, por si só, fator suficiente para considerá-lo a quarta função do Estado, pois caso fosse desse modo, outros órgãos públicos, também autônomos, deveriam ser a quinta ou sexta (e assim sucessivamente) função estatal.

Para o fiel desempenho que lhe foi atribuído, o MP necessita, sim, de autonomia administrativa e financeira, pois caso estas não existissem sua atuação estaria fadada ao fracasso.

Explica-se: sem autonomia, impossível exercer o mister fiscalizador que lhe foi atribuído.

Portanto, pode-se afirmar que o MP, da forma como estruturado no modelo brasileiro, nada mais é do que um órgão público autônomo (pelas razões já explicadas) e com funções bem definidas, sendo seu foco principal, a proteção do Estado e da sociedade.

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