A prisão em flagrante será formalmente legal se preenchidos todos os procedimentos previstos nos artigos 304 a 306 do Código de Processo Penal. Entre estes procedimentos está o disposto no § 4º do artigo 304 do referido diploma legal:
§ 4o Da lavratura do auto de prisão em flagrante deverá constar a informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.
A informação sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência, e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa, deverá ser colhida pela autoridade policial logo que tenha conhecimento da prática de infração penal, conforme artigo 6º do CPP:
Art. 6º Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
X - colher informações sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa.
A Lei nº 13.257/2016 veio acrescentar diversos dispositivos ao Estatuto da Criança e do Adolescente, à Consolidação das Leis do Trabalho, bem como ao Código de Processo Penal. Tal Lei dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano.
Assim, ao interpretar o § 4º do art. 304 do CPP, observamos que a informação no auto de prisão em flagrante sobre a existência de filhos, respectivas idades e se possuem alguma deficiência, e o nome e o contato de eventual responsável pelos cuidados dos filhos, indicado pela pessoa presa, é fundamental para a garantia dos direitos fundamentais da criança. Ora, não é por outro motivo que a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da prática de infração penal, deverá colher tais informações. O interesse superior da criança é prioritário, mormente em se tratando da segregação de um ascendente, quiçá o único (como poderia a autoridade policial sabê-lo não sendo colhidas tais informações? E se forem, por que não constar nos autos da prisão em flagrante, conforme determina o § 4º do art. 304 do CPP?).
A alegação de que o não preenchimento desse requisito formal da prisão em flagrante constitui mera irregularidade, não observa o fato de que os interesses da criança é que estão em jogo, sendo estes protegidos constitucionalmente. A não observância de tal requisito pela autoridade policial, bem como a alegação do juízo (em caso de eventual indeferimento de pedido de relaxamento de prisão em flagrante) de que se trata de mera irregularidade, constituiu afronta à legislação e aos princípios constitucionais de proteção à criança. De fato, as modificações no Código Adjetivo Penal trazidas pela Lei 13.257/2016 não foram por acaso, e sim para antever possível prejuízo a essas pessoas em desenvolvimento, as quais, principalmente em se tratando de pais que por ventura tenham cometido condutas ilícitas, devem ter proteção e guarida, sendo papel do Estado garantir o bem estar destas crianças.
De outra sorte, possível alegação de que a informação que deveria ter sido prestada pela autoridade policial não foi feita devido ao indiciado ter exercido o direito constitucional ao silêncio não se sustenta, pois, ainda que o indiciado tenha exercido seu direito constitucional de permanecer calado, tal silêncio não importará confissão, e não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (parágrafo único do art. 186, CPP). Ora, se o fato de permanecer calado não pode ser interpretado em prejuízo da defesa, como pode o julgador fazê-lo, aduzindo que a informação não foi prestada pelo indiciado? Ademais, o silêncio do indiciado se dá em relação aos fatos que lhe foram imputados e não sobre as informações sobre a existência ou não de filhos.
Os requisitos formais da prisão em flagrante esculpidos nos artigos 304 a 306 devem ser preenchidos, e são garantia contra o encarceramento ilegal, e à própria proteção aos interesses da criança, em se tratando do § 4º do art. 304. A não observância de tais requisitos (elencados no inciso X do art. 6º e § 4º do art. 304 do CPP) pode trazer prejuízo substancial ao (s) filho (s) do preso que, em sendo caso de não haver alguém para cuidar deste (s) filho (s), este (s) ficaria (m) abandonados à própria sorte, vítima (s) do não preenchimento de um requisito formal previsto em Lei – seria, parafraseando o ilustre advogado criminalista Evinis Talon[1], o Estado tentando cumprir a Lei (quando da prisão de provável infrator), descumprindo outra. Evidentemente, por fim, não poderia a autoridade policial presumir tal circunstância, devendo efetivamente colher as informações necessárias e constá-las nos autos da prisão em flagrante, conforme determina o inciso X do art. 6º e § 4º do art. 304, todos do Código de Processo Penal.
[1] https://canalcienciascriminais.com.br/aprendi-execucao-penal/. Acesso em 02/04/2017.