Influências externas à descriminalização do aborto

05/04/2017 às 07:40
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O Estado Laico, então, é aquele Estado que permite a adoração de várias religiões e que, em contrapartida, não admite a influência de nenhuma delas sobre as outras ou sobre decisões que tragam conseqüências para a nação. Ele é um freio aos políticos que,

Após apresentar o crime de aborto, mister fazer uma reflexão sobre as influências que fomentam maior discussão sobre o assunto em pauta, tais como a interferência da bancada religiosa, o direito à vida e o desrespeito que o aborto poderia causar a este direito.

O aborto em si já é um tema extremamente polêmico que abrange não só o Direito como também questões sociais, políticas como a Saúde Pública e até religiosas.

O Brasil é um país religioso e o Aborto é ainda mais alvo de críticas e discussões por considerarem, os religiosos, uma afronta à vida. Começarei a discorrer sobre os argumentos religiosos que conflitam à descriminalização do aborto, incluindo uma explicação sobre o Estado Laico e seu papel frente à força religiosa nacional.

Laico é sinônimo de Leigo que por sua vez é antônimo de Clérigo. Clérigo é uma pessoa cuja importância se faz na religiosidade e na própria estrutura da igreja. Nesse contexto, Fiorito Pereira (2015) explica que:

Neste conceito, Estado leigo se difere de Estado religioso, no qual a religião faz parte da própria constituição do Estado. São exemplos de Estados religiosos o Vaticano, os Estados islâmicos e as vizinhas Argentina e Bolívia, em cujas constituições dispõem, respectivamente:“Art. 2. El Gobierno Federal sostieneel culto Católico Apostólico Romano” – “Art. 3. Religion Oficial – El Estado reconoce y sostienelareligion Católica Apostólica y Romana. Garantizaelejercício público de todo otro culto. Las relaciones conlaIglesia Católica se regirán mediante concordados y acuerdos entre el Estado Boliviano y la Santa Sede.”

As constituições de Argentina e Bolívia trazem em seu corpo a religião oficial dos países, mas, em contrapartida, não fazem opressão àqueles que desejem não pertencer à sociedade católica, como vemos no próprio artigo terceiro da constituição Argentina,por exemplo.

A Constituição pátria consagra em seus artigos 5º, inciso VI e no artigo 19, I, respectivamente:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Por estes dispositivos, nota-se que a Constituição se escusa a definir uma religião oficial como nossos países vizinhos, Bolívia e Argentina. Tal escusa nos remete à interpretação de que o Brasil, por não adotar uma religião oficial, é um país laico.

Explicando de maneira mais abrangente, Fiorito Pereira (2015):

Atualmente, o termo Estado laico vem sendo utilizado no Brasil como fundamento para a insurgência contra a instituição de feriados nacionais para comemorações de datas religiosas, a instituição de monumentos com conotação religiosa em logradouros públicos e contra o uso de símbolos religiosos em repartições públicas. Até mesmo a expressão “sob a proteção de Deus”, constante no preâmbulo da Constituição da República vem sendo alvo de questionamentos.

...

A Constituição da República apesar do disposto em seu artigo 19, inciso I protege a liberdade de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e o faz da seguinte forma:

Art. 5. VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto;

Art. 210 § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Art. 213 - Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas

Art. 226 § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

Corroborando, Sardinha (2015):

O Brasil é oficialmente um Estado laico, pois a Constituição Brasileira e outras legislações preveem a liberdade de crença religiosa aos cidadãos, além de proteção e respeito às manifestações religiosas.

No artigo 5º da Constituição Brasileira (1988) está escrito:

“VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,

sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida,

na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias."

Notadamente, o Brasil se apresenta como um Estado Laico. Mas, não quer dizer que seja um Estado Ateu. Garantir que um Estado Laico é Ateu é confrontar a idéia de laicidade estatal em face de um segmento de crença (que é o não acreditar em religião quando se trata de uma crença ateíca), conforme Pereira Fiorito (2015) explica:

É importante ressaltar que o conceito de Estado laico não deve se confundir com Estado ateu, tendo em vista que o ateísmo e seus assemelhados também se incluem no direito à liberdade religiosa. É o direito de não ter uma religião conforme disse Pontes de Miranda: “liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença” (Comentários à Constituição de 1967).

Assim sendo, confundir Estado laico com Estado ateu é privilegiar esta crença (ou não crença) em detrimento das demais, o que afronta a Carta Magna

Na mesma direção, Sardinha (2015):

Primeiramente, Estado laico não é um estado ateu. O Estado brasileiro, inclusive, é um Estado teísta, pois admite a existência de uma ou mais divindades. Todavia, ainda que mencione "a proteção de Deus" no preâmbulo da Constituição Federal, o Estado brasileiro não adota nenhuma religião como sendo a religião oficial. Ou seja, ser um Estado teísta é diferente de ser um Estado laico.

Ainda com o pensamento de Sardinha (2015):

Estado laico, também conhecido como Estado secular, tem como princípio a imparcialidade em assuntos religiosos, não apoiando ou discriminando nenhuma religião. O Estado laico garante a liberdade de culto religioso, ao mesmo tempo que garante a não interferência de nenhum culto religioso em matérias sociopolíticas, econômicas e culturais.

O Estado Laico, então, é aquele Estado que permite a adoração de várias religiões e que, em contrapartida, não admite a influência de nenhuma delas sobre as outras ou sobre decisões que tragam conseqüências para a nação. Ele é um freio aos políticos que, por uso de sua religiosidade, tentam interferir na estrutura da sociedade – usando da política – para que seus dogmas religiosos prevaleçam, como é o caso, por exemplo, da descriminalização do aborto..

Após essa explanação sobre Estado Laico, adentro ao tema da religiosidade no Brasil e a interferência na descriminalização do aborto.

  1. Do direito à vida e a influência religiosa

O doutrinador Paulo Lobo (2016) conceitua pessoa da seguinte maneira:

Pessoa é o sujeito de direito em plenitude de adquirir e transmitir direitos e deveres jurídicos. Todo ser humano nascido com vida é pessoa. Vê-se que pessoa é atributo conferido pelo direito, ou seja, não é pelo que se extrai da natureza. É, portanto, conceito cultural e histórico, que o direito traz para seu âmbito.

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Nesse trecho da doutrina de Lobo, tem-se o conceito de pessoa. Pessoa é aquele ser humano nascido com vida. Nesse sentido, o feto, por exemplo, não teria vida e se descartaria a tese da vida intrauterina.

Não obstante tal pensamento, nas doutrinas brasileiras, se opõem dois entendimentos à respeito da aquisição de direito pelo feto. Há quem defenda a teoria natalista além de existir a corrente concepcionista.

Teoria natalista para Siniscalchi (2016) é: “Na teoria natalista, atribui-se a personalidade apenas ao ente que nasceu vivo. Essa doutrina afirma que o nascituro possui expectativas de direitos por ser considerado uma expectativa de pessoa. Só é considerado existente para o que lhe é juridicamente proveitoso”.            

Pontes de Miranda apud Siniscalchi (2016):

No útero, a criança não é pessoa, se não nasce viva, nunca adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direitos, nem pode ter sido sujeito de direito (=nunca foi pessoa). Todavia, entre a concepção e o nascituro, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tem de esperar o nascimento para se saber se algum direito, pretensão, ação, ou exceção lhe deveria ter ido. Quando o nascimento se consuma, a personalidade começa

Ainda com Siniscalchi, a teoria concepcionista se resume em:

Apesar de o Código Civil Brasileiro não ter acolhido a tese do começo da personalidade do ser humano desde a concepção, tem ela o apoio incondicional de alguns doutrinadores, embora minoritários, como Teixeira de Freitas, Clóvis Beviláqua, Rubens Limongi França, Francisco Amaral e André Franco Montoro.

Segundo essa escola, a personalidade civil do homem começa desde a concepção, argumentando que tendo o nascituro direitos, deve ser considerado pessoa e, conseqüentemente, sujeito de direitos; só a pessoa possui personalidade jurídica.

Na visão desses conceituados doutrinadores, a punição do aborto como crime contra a pessoa é o mais acentuado sinal de que o nascituro tem personalidade civil e é pessoa no Direito Brasileiro.

Por conseqüência desta falta de definição, existem inúmeras discussões acerca da figura do nascituro. Uma delas é a descriminalização do aborto justamente pelo motivo de não haver vida na gravidez, se levar-se em conta a teoria natalista.

Contudo, para os religiosos, existe vida desde a sua concepção e o aborto se caracteriza crime por se ter um bem jurídico tutelado, qual seja a vida. Se não, vejamos com Siniscalchi (2016):

A verdadeiramente concepcionista afirma que a personalidade começa da concepção e não do nascimento, sem qualquer condição. Apenas os efeitos de alguns direitos, como os direitos patrimoniais, dependem do nascimento com vida. Mas o direito de nascer, a proteção jurídica à vida do nascituro existem na sua plenitude, antes do nascimento.

Siniscalchi (2016) traz em seu excelente artigo o pensamento da igreja sobre o aborto:

Foi, porém, no final do séc. XIX e começo do séc. XX que a Encíclica de Pio XI e a Sacra Congregação do Santo Ofício declararam que não existe aborto direto lícito. Se houvesse, estar-se-ia violando ao bem maior: a vida.

Nesse mesmo contexto, a Encíclica “Mater et Magistra” de João XXIII registra:

“A vida humana é sagrada: mesmo a partir da sua origem, ela exige a intervenção direta da ação criadora de Deus. Quem viola as leis da vida ofende e enfraquece a Divina Majestade, degrada-se a si e ao gênero humano e enfraquece a comunidade de que é membro” (Carta Encíclica “Mater et Magistra”: 1984 apud ALMEIDA: 2000: p. 103).

O aborto é a morte de um ser humano inocente, que não tem a possibilidade de se defender de tal ato. Não é lícito nem mesmo à mãe que tema a infância do bebê ou a sua morte. Na Igreja, se o feto for abortado, causar-lhe-á dano à alma e o privará do batismo; não o é permitido, mesmo alegando necessidade ou legítima defesa contra alguma agressão.

No Código Canônico mais recente, promulgado pelo Papa João Paulo II, não se faz nenhuma exceção quanto aos motivos do aborto; nem mesmo aos “abortos legais” previstos no Código Penal. No entanto, mesmo dentro da Igreja, há alas minoritárias que defendem uma maior flexibilidade no caso de interrupções da gravidez.

Os integrantes da bancada religiosa do senado se pautam nesses argumentos para barrar qualquer tentativa de discussão sobre a descriminalização do aborto. Por esse motivo que se fomenta tanta reação adversa e hostil quando se trata de assuntos desse escalão. Temos como exemplo recente o entrave que gerou o nascimento dos anecefálos. A bancada religisioa defendia que existia uma vida ali enquanto os seus opositores acreditavam que a gravidez traria mais riscos à mãe do que à criança.

Como foi dito anteriormente, deixar que uma bancada seja formada por pessoas fortemente ligadas à religião não afeta de forma alguma à estrutura política no Brasil. Entretanto, crer que essas pessoas fazem suas atribuições de maneira imparcial é ignorância. A atitude desses parlamentares ferem diretamente o instituto de país laico que a própria Constituição defende, pois, de uma maneira bastante incisiva, temos a religião católica afetando diretamente outras crenças o que afasta por completo o conceito de laicidade. 

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