A cláusula abusiva de plano de saúde que limita no tempo a internação do segurado e o valor de cobertura do tratamento

07/04/2017 às 09:31
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O artigo põe em discussão interpretação jurisprudencial sobre limite de tempo e de gastos de internação em cobertura de tratamento de saúde.

O Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 302, oriunda de julgamento, em 18.10.2004, DJ de 22 de novembro de 2004, pág. 425, onde se diz:

“É abusiva a cláusula de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado”.

Observa-se  que toda cláusula contratual abusiva, cuja tipificação e elenco se encontram no artigo 51 do CDC, afora outros artigos esparsos (artigos 52 e 53) é nula.

Observe-se que a expressão usada na Lei (artigo 51, caput) é clara. Nunca tem eficácia não convalescendo nem pela passagem do tempo e nem pelo fato de não serem julgadas. O juiz deve pronunciá-las de ofício que as conhecer, não são suprimíveis e a declaração de nulidade retroage ao início do contrato, ex tunc.

O artigo 51, parágrafo segundo do CDC, deixa ainda resolvida a questão da aplicação dessa cláusula abusiva ao contrato como um todo ou parte dele. Diz a norma que “a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência." 

Além das cláusulas abusivas arroladas no artigo 51, existem outras. Nos contratos que objetivarem o fornecimento de produtos e serviços, havendo crédito ou financiamento ao consumidor, são abusivas as cláusulas que, ou prevejam, face ao atraso no pagamento pelo consumidor, multas de mora superiores a dez por cento do valor da prestação ou vedem a liquidação total ou parcial do devido, sem a proporcional redução de juros e demais acréscimos. Essas cláusulas são abusivas e por isso são nulas, sendo indicadas indiretamente nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 52 da lei de proteção ao consumidor.

A nulidade detectada, segundo a lição de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (Comentários ao Código do Consumidor, vide pág. 69) se resolve por substituição, assim, as cláusulas infringentes não ingressam no mundo jurídico.

A matéria foi objeto de precedentes originários:

"A Egrégia Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça uniformizou jurisprudência a respeito das cláusulas de limitação temporal de internação hospitalar nos contratos de seguro-saúde, prestigiando o entendimento esposado pelo venerando acórdão paradigma, como se verificado REsp nº 251.024, SP, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira [...]. A cláusula que limita o tempo de internação hospitalar é abusiva."(EREsp 242550 SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/08/2002, DJ 02/12/2002, p. 217).

"Fortes os fundamentos de ambas as correntes. De um lado, a liberdade de contratar, a regra do art. 1460 do Código Civil('quando a apólice limitar ou particularizar os riscos do seguro, não responderá por outros o segurador') e a obrigação do Estado, e não da iniciativa privada, de garantir a saúde da população. De outro, a hipossuficiência do consumidor, o fato de o contrato ser de adesão, a nulidade de cláusula que restringe direitos e a necessidade de preservar-se o maior dos valores humanos, que é a vida. Ponderando as duas correntes, tenho que mais acertada a segunda, notadamente por não encontrar justificativa na limitação de internação imposta pelas seguradoras. Se a doença é coberta pelo contrato de seguro(e isso a recorrida não nega), não se mostra razoável a limitação a seu tratamento. Até porque o consumidor não tem como prever quanto tempo durará a sua recuperação. [...] Nesta linha, tenho por abusiva a cláusula que impõe a limitação temporal no tratamento da doença sofrida pelo segurado, levando em consideração a norma do art. 51-IV do Código de Defesa do Consumidor, a impossibilidade da previsão do tempo de cura, a irrazoabilidade da suspensão do tratamento indispensável, a vedação de restringir-se em contrato direitos fundamentais e a regra de sobredireito contida no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual, na  aplicação da lei, o juiz deve atender aos fins sociais a que ela se dirige a às exigências do bem comum." (REsp 251024 SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/09/2000, DJ 04/02/2002, p. 270).

"[...] a cláusula limitativo de internação, constante de planos de saúde, não pode ser acolhida diante do enunciado no CDC e na legislação hoje em vigor: 'A limitação do número de dias de internação não prevalece quando o doente tiver a necessidade, reconhecida pelo médico que ordenou a sua baixa em estabelecimento hospitalar, de ali permanecer por mais tempo do que o inicialmente previsto no contrato de seguro saúde. A natureza desse contrato e a especificidade do direito a que visa proteger estão a exigir sua compreensão à luz do direito do contratante que vem a necessitar do seguro para o pagamento das despesasa que não pode se furtar, como exigência do tratamento de sua saúde. Já está referida nos autos a lição do eminente

Prof. Galeno Lacerda: 'Ocontrato de seguro saúde cria um direito absoluto. Estamos em presença, assim, de uma categoria nova de direitos sobre direitos. Nessa espécie prevalece a natureza mais importante. Ou como esclarece Ferrara, il diritto dominato assume Ia natura del diritto dominante (ob. cit. p.414). Por isso, se, no caso concreto, a seguradora, sem razão, negar cobertura à segurada, estará atentando contra direitos absolutos à saúde e à vida do paciente' (cf. Seguro de Saúde in RT 717/117)'. Não é razoável que as seguradoras operadoras nesse ramo de atividade tenham como perspectiva possível a desinternação do segurado, embora ainda doente e necessitando desses serviços com risco de vida, apenas porque terminou o prazo inicialmente previsto para a cobertura. Tanto assim que a legislação hoje em vigor (Lei nº 9.656/98), que não se aplica ao contrato antes celebrado, mas que serve de boa orientação para interpretá-lo, dispõe: 'Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência de planos ou seguros privados de assistência à saúde que contenham redução ou extensão da cobertura assistencial e do padrão de conforto de internação hospitalar, em relação ao plano referência definido no artigo 10, desde que observadas as seguintes exigências mínimas: I - quando incluir atendimento ambulatorial: a) cobertura de consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina; b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico e tratamento e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente; II -quando incluir internação hospitalar: a) cobertura de internações hospitalares, vedada a limitação de prazo, em clínicas básicas eespecializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina,admitindo-se a exclusão dos procedimentos obstétricos; b) cobertura de internações hospitalares em centro de terapia intensiva, ou similar,vedada a limitação de prazo, a critério do médico assistente.' A recorrente demonstrou o existência de julgados que decidiram de acordo com a sua tese, mas a orientação já acolhida neste Tribunal é no mesmo sentido expresso no r. acórdão recorrido, que por isso deve ser mantido:[...] (REsp n° 242550-SP, Quarta Turma, de minha relatoria).' [...] É abusiva a cláusula que limita o tempo de internação em UTI." (REsp249423 SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2000, DJ 05/03/2001, p. 170).

"Na verdade, o que se está discutindo, concretamente, é a abusividade de cláusula contratual que impõe limite de tempo para internação de segurado. O Acórdão recorrido não considerou abusiva a cláusula limitativa da internação, apoiado no que dispõem os arts. 1.434, 1.435 e 1.460 do Código Civil, afastando a alegada contrariedade ao Código de Defesa do Consumidor. Cláusula abusiva, na dicção de Nelson Nery Júnior,'é aquela que é notoriamente desfavorável à parte mais fraca na relação contratual, e, no caso de nossa análise, é o consumidor, aliás porexpressa definição do art. 4º, I, do CDC' (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Forense Universitária, 4ª ed., com outros autores, 1995,pág. 339). Ora, uma cláusula que limita a internação do segurado, apesar da causa da prorrogação decorrer de complicações da própria doença, por fato inesperado, a provocar nova internação, ainda em decorrência do mesmo fato, é, a meu juízo, efetivamente abusiva do direito do consumidor, que não é senhor do prazo de sua recuperação, que, como é curial, depende de muitos fatores, que nem mesmo os médicos são capazes de controlar. De fato, a realização do contrato de seguro, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, aplicável, por inteiro, à espécie,pressupõe o atendimento dos serviços contratados. Ora se a enfermidade está coberta pelo seguro, não é possível, sob pena de grave abuso, impor ao segurado que se retire da unidade de tratamento intensivo, com o risco severo de morte, porque está fora do limite temporal previsto em uma determinada cláusula. Não pode a estipulação contratual ofender o princípio da razoabilidade, e se o faz, comete abusividade vedada pelo art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor. Anote-se que a regra protetiva, expressamente, refere-se a uma desvantagem exagerada do consumidor e, ainda, a obrigações incompatíveis com a boa-fé e a eqüidade. Não há como admitir cláusula que assuma pela realidade concreta da doença uma limitação de internação. Havendo vinculação ao fato inaugural coberto pelo contrato, não pode a seguradora, pura e simplesmente, fragilizado o segurado, negar a internação pelo período necessário ao tratamento. Em outra ocasião escrevi que 'as cláusulas que limitam os dias de internação, se tal serviço está alcançando pelo contrato, como é curial, não podem ser interpretadas contra o paciente porque restringem um direito fundamental inerente à natureza do contrato, como previsto no inc. II, do § 1º, do art. 51 do Código. E,ademais, é abusivo impor para uma intervenção coberta pelo serviço um determinado tempo de cura, eis que complicações operatórias podem surgir por circunstâncias imprevistas. Por exemplo, em uma cirurgia gástrica a formação de um abcesso, ou uma coleção serosa, sob o fígado ou sob o diafragma, pode ampliar, compulsoriamente, o tempo de internação. Do mesmo modo, a síndrome de pericardiotomia, após uma cirurgia cardiológica. Ou, ainda, embolias pulmonares, que podem se seguir a qualquer intervenção cirúrgica, apesar de todas as providências adotadas para evitá-las. Os citados Guersi, Weingarten e Ippolito advertem com razão que as estipulações contratuais devem adaptar-se, necessariamente, ao conteúdo técnico e científico que vigora no campo da medicina; emfunção de cada uma das especialidades, que nos permitam enquadrar o objeto e a finalidade da atuação médica' (Revista Forense 328/315)."(REsp 158728 RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO,

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TERCEIRA TURMA, julgado em 16/03/1999, DJ 17/05/1999, p. 197).

Assim a Súmula citada  decorre de julgados proferidos em diversos precedentes, que consideraram a abusividade da cláusula limitativa do tempo de internação, especialmente quando essa internação se dava em Unidade de Terapia Intensiva: EREsp 242.550, DJ 02.11.2002; REsp 158728, DJ 17.5.1999; REsp 249.423, DJ 05.3.2001; REsp 251.024, DJ 04.02.2002 e REsp 402.727 , DJ 02.02.2004.

Tal cláusula de limitação no tempo de internação inserta em plano de saúde é considerada abusiva.

Veja-se julgamento recente do STJ:

Processo

AgRg no AREsp 614411 DF 2014/0289034-7

Orgão Julgador

T3 - TERCEIRA TURMA

Publicação

DJe 12/05/2015

Julgamento

28 de Abril de 2015

Relator

Ministro MOURA RIBEIRO

Ementa

CIVIL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO DO PRAZO DE INTERNAÇÃO EM CLÍNICA PSIQUIÁTRICA. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE INTERNAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 302 DO STJ. RECURSO IMPROVIDO.

1. É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado - Súmula nº 302 do STJ.

2. Não sendo a linha argumentativa apresentada pelo agravante capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado, devendo ele ser integralmente mantido em seus próprios termos.

3. Agravo regimental não provido.

Processo

AgRg no Ag 1088452 RS 2008/0181417-1

Orgão Julgador

T4 - QUARTA TURMA

Publicação

DJe 03/02/2014

Julgamento

10 de Dezembro de 2013

Relator

Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Ementa

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. PLANO DE SAÚDE. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE INTERNAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 302 DO STJ.

1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC se o tribunal se pronuncia suficientemente sobre as questões relevantes à lide, sem incorrer em nenhum dos vícios elencados na referida norma.

2. "É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado" - Súmula 302/STJ.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

Nessa mesma linha tem-se julgamento do TJRS:

Processo

ED 70060689502 RS

Orgão Julgador

Sexta Câmara Cível

Publicação

Diário da Justiça do dia 19/09/2014

Julgamento

28 de Agosto de 2014

Relator

Elisa Carpim Corrêa

Ementa

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SEGUROS. AÇÃO REVISIONAL DE PLANO DE SAÚDE. FAIXA ETÁRIA. LIMITAÇÃO DO TEMPO DE INTERNAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. OMISSÃO/CONTRADIÇÃO NÃO VERIFICADA.

Embargos de declaração desacolhidos. (Embargos de Declaração Nº 70060689502, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elisa Carpim Corrêa, Julgado em 28/08/2014)

Esclareça-se que tal limitação de tempo é vedada pela própria Lei 9.656/98, que regulamenta o setor de saúde complementar.

Ademais a Quarta Turma do STJ, no julgamento do REsp 735.750,  entendeu abusiva cláusula que limita despesa com internação hospitalar. Para os ministros, não pode haver limite monetário de cobertura para as despesas hospitalares, da mesma forma que não pode haver limite de tempo de internação, como já acentuado.

Consignou-se naquele julgamento que o sistema normativo vigente permite às seguradoras fazer constar da apólice de plano de saúde privado cláusulas limitadas de riscos adicionais relacionados com o objeto da contratação, de modo a responder pelos riscos somente na extensão contratada. Essas cláusulas meramente limitativas de riscos extensivos ou adicionais relacionados com o objeto do contrato não se confundem, porém, com cláusulas que visam afastar a responsabilidade da seguradora pelo próprio objeto nuclear da contratação, as quais são abusivas.

Se a seguradora assumiu o risco de cobrir o tratamento de moléstia que acometeu o segurado, não pode se valer de cláusula limitada e abusiva, para reduzir os efeitos dessa cobertura, estabelecendo um valor máximo para as despesas hospitalares, tornando inócuo o próprio objeto do contrato.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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