Locus regit actum

10/04/2017 às 19:42
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O artigo estuda à luz da doutrina o artigo 9º da lei de introdução.

Observe-se a redação do artigo 9º da Lei de Introdução:

Art. 9o Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.

§ 1o Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.

§ 2o A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente

Trata-se norma de segundo grau onde se indica, na aplicação de várias leis territorialmente diversas, qual a que deve ser aplicada no Brasil. Estamos diante de normas de direito internacional privado. São as chamadas normas de conexão.

O Código Bustamante, no artigo 165, determina que as chamadas obrigações ex lege reger-se-ão pelo direito que as tiver estabelecido, por terem como característica primordial o fato de serem consequência de uma relação jurídica principal, de que são acessórias.

A obrigação alimentar entre parentes, decorrente de imposição legal relativa ao direito de família, será regida pela lei domiciliar(artigo 7º da Lei de Introdução). Assim se diga com relação às obrigações que envolvam a tutela. Entre proprietários vizinhos, nas relações de vizinhança, as relações devem ser disciplinadas pela lex rei sitae, obrigações propter rem.

Quanto às obrigações surgidas em virtude de ato ilícito, aplica-se a lex loci delicti commissi, que deverá solucionar, inclusive, as questões envolvendo as causas justificativas e dirimentes sobre a culpabilidade, sobre qualificadoras do ato que é tido como ilícito(artigos 167 e 168 do Código Bustamante).

Por sua vez, as obrigações convencionais(civis e comerciais) e as decorrentes de atos unilaterais, desde que entre presentes, reger-se-âo: a) quanto à forma ad probationem tantum ou ad solemnitatem, pela lei do local onde se originou; b) quando à capacidade, a lei a aplicar é aquela pessoal das partes(artigo 7º da Lei, a lei domiciliar). Ressalvam-se os casos de ordem pública, pois a lex fori não admitirá que produza efeito contrário à lei, à moral, à ordem  pública, na linha já prevista no Código Bustamante.

Ensinou Haroldo Valadão(Direito Internacional Privado, volume I, 1974, pág. 472) que a aplicação da lei estrangeira, direta ou indiretamente, pode ser afastada pelo juiz desde que ocorra algum dos excepcionais limites estabelecidos, a respeito, pela lex fori.

O principal deles, e universal, no Direito Internacional Privado, é a ordem pública.

Ainda ensinou Haroldo Valadão que Brocher, na Suíça, desenvolvendo ideia antevista por Savigny, distinguiu entre deux ordres publics, l´um interne, restreignant la liberte individuelle, l´autre externe ou international, restreignant l´autorité extra-territoriale des lois étrangères” (Nouv. Traité de DIP, 1876, Capítulo VII, 149).

O Tratado de Lima de 1879 afastava, em seu artigo 54, as leis, sentenças e demais atos originários de país estrangeiro incompatíveis com a Constituição, as leis de ordem pública ou os bons costumes.

Convenções europeias preferem a expressão ordem pública, como se vê: Benelux, artigo 26; Haia sobre a Lei Nacional e a Lei do Domicílio, 1955; Haia, Vendas de caráter internacional de bens móveis, 1955.

Assim denega-se no Brasil efeito ao direito estrangeiro que choque concepções básicas do foro, que estabelece normas absolutamente incompatíveis com os princípios essenciais da ordem jurídica do foro, fundados nos conceitos de justiça, de moral, de religião, de economia, que orientam a respectiva legislação.

A ordem pública, como disse Haroldo Valadão(obra citada, pág. 483), limita o direito estrangeiro quanto à sua aplicação direta, seja à aplicação das leis estrangeiras ou indireta, seja ao reconhecimento de atos ou sentenças de outro país.

Nos atos unilaterais irá prevalecer a lei pessoal do declarante. Nos atos bilaterais, como os contratos, apresentam-se cinco correntes doutrinárias: a) a que salienta a competência da lei pessoal dos contratantes, pela qual as declarações de vontade devem ser examinadas separadamente, cada uma de conformidade com a lei do declarante; b) a que admite a competência da lei do local da celebração negocial; c) a que entende ser competente a lei que rege a relação constituída por um ato volitivo, a lei do local de sua celebração ou de sua execução, sendo que essa norma deverá determinar se a vontade foi manifestada em condições de produzir efeitos jurídicos, na linha traçada por Machado Vilela(O Direito Internacional Privado no Código Civil brasileiro, 1921); d) a que proclama a competência da lei escolhida intencionalmente pelos contratantes para reger o acordo; e) a que proclama a predominância da lex fori nos conflitos de leis que surjam entre o Brasil e os países signatários do Código Bustamante(artigo 177) e da lei do local de constituição da obrigação entre os demais Estados que não o ratificaram.

A locus regit actum é uma norma de direito internacional privado aceita pelos juristas para indicar a lei aplicável à forma extrínseca do ato. É o que se fala com relação a atos jurídicos como testamento, procuração, contrato etc.

A forma intrínseca referente ao seu conteúdo, à sua substância, às suas condições de fundo relativas à validade do consentimento, à legitimidade de seu objeto e das suas modalidades acessórias, e a prescrição extintiva(Código Bustamante, artigo 230 e 299) regulam-se por outras normas.

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Haverá presunção iuris tantum de validade e legalidade de ato praticado no exterior por estar revestido de todas as formalidades legais.

Mesmo sendo a obrigação condicional, aplica-se a lex loci actus ou o ius loci contratus.

Entende Maria Helena Diniz(Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro interpretada, 1994, pág. 251) que o artigo 9º da Lei de Introdução, acima transcrito, é norma cogente, não podendo as partes alterá-la. Citam-se autores como Oscar Tenório(Direito Internacional Privado, volume II, páginas 39, 40, 43, 179), que não excluem a possiblidade de se aplicar a autonomia de vontade, desde que ela seja admitida pelo país onde a obrigação se constituir(lex loci celebrationis).  Assim entende-se ser inaceitável se falar em autonomia de vontade para afastar a norma explicitada na Lei de Introdução.

Mas entende Maria Helena Diniz(obra citada) que a norma do artigo 9º da Lei de Introdução não afastará a autonomia da vontade, que abrange os naturallia, accidentalia e essentialila negotii. A lex loci contractus regerá o negócio, atendendo as negociações feitas, fixando o elemento de conexão necessário, excluindo outras leis aplicáveis ao negócio jurídico, mas que respeitem as limitações de ordem pública.

A locus regit actum refere-se à forma ad solemnitatem e ad probationem dos atos e negócios jurídicos e só encontra limites na ordem pública, como explicita o artigo17 da Lei de Introdução e na fraude à lei de seu país.

São exceções à aplicação da lex loci celebrationis:

  1. A dos contratos trabalhistas assumidos pelas partes estrangeiras ou não, no território nacional, ou no exterior, que deverão obedecer à lei do local da execução do serviço ou do trabalho. Lembre-se que pela Convenção de Roma, de 1980, artigo 6º, tratando-se de contrato individual de trabalho, a aplicação da lei escolhida não poderá privar o trabalhador da proteção que lhe foi conferida pela lei: a) do país onde o trabalhador ao executar o contrato, habitualmente exerce seu ofício; b) do Estado em cujo território se encontra situada a empresa que contratou o empregado, que não realiza de modo habitual seu trabalho no mesmo país.
  2. A dos contratos de transferência de tecnologia, nos quais se buscará competência absoluta do direito pátrio interno, da lei brasileira para regê-lo, a teor do artigo 17 da Lei de Introdução;
  3. A dos atos relativos à economia dirigidos aos regimes de Bolsa e Mercado, que irão se subordinar à lex loci solutionis, lei do país de sua execução;

O artigo 9º, § 1º, da Lei de Introdução, visa contrapor a forma ad solemnitatem à ad probationem. Diga-se que a forma essencial é o requisito sem o qual a obrigação não chegará a existir, devendo ser observada a conformidade às leis brasileiras. Mas a lei do local de constituição da obrigação convencional disciplinará a sua validade e a produção de seus efeitos, ficando, como alertou Maria Helena Diniz(obra citada, pág. 257), a lex loci executionis com a competência para disciplinar os atos e medidas necessárias para a obtenção da proteção devida ou exoneração do devedor, como a tradição da coisa e a forma de pagamento ou quitação, a consignação em pagamento, a constituição em mora, a sua purgação.

Por sua vez, o artigo 9º, § 2º, da Lei de Introdução irá regular a obrigação convencional contratada entre ausentes, que se regerá pela lei do país onde residir o proponente, pouco importando o momento e o local da celebração contratual. Afastou essa norma o elemento de conexão domiciliar, por entender que a residência seria mais adequado à mobilidade negocial. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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