Direito Penal mínimo: uma análise da desnecessidade da tutela penal nos crimes contra a ordem tributária

15/04/2017 às 22:43
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O presente artigo tem como objetivo defender a aplicação do Direito Penal Mínimo, sob o enfoque constitucional do Estado Democrático de Direito, na tutela penal de diversos bens jurídicos inadequadamente amparados pelo Estado.

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo defender a aplicação do Direito Penal Mínimo, sob o enfoque constitucional do Estado Democrático de Direito, na tutela penal de diversos bens jurídicos inadequadamente amparados pelo legislador, uma vez que estes podem ser protegidos e reparados satisfatoriamente por medidas civis, administrativas, dentre outras. O estudo utiliza-se da metodologia dedutiva, por meio de pesquisa bibliográfica, no qual a abordagem do texto, inicialmente, esboça a finalidade do direito penal, ponderando, por conseguinte, sobre a natureza do bem jurídico a ser protegido penalmente. Elucida-se também sobre a função social da pena, alicerce do garantismo penal, cujas premissas axiológicas são fundamentais para a compreensão dos argumentos seguintes. Em ato contínuo, explana sobre a necessidade de integração do Direito Penal Mínimo ao Estado, demonstrando sua fundamentação através do princípio da intervenção mínima e seus correlatos. Por fim, se análise a tutela penal concedida aos crimes contra a ordem tributária e sua desnecessidade, compreendendo-se, ao final que, o Estado nunca teve intenção de criminalizar tais condutas, sendo descabida e desproporcional a penalização dos ilícitos tributários, pois carecedores de dignidade penal.

PALAVRAS-CHAVE: DIREITO PENAL MÍNIMO; TUTELA PENAL; CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA.

ABSTRACT

This article aims to defend the application of minimum criminal law, under the constitutional approach of the Democratic state, in criminal tutelage of various legal goods inadequately supported by the legislature, since they can be protected and repaired satisfactorily by civil and administrative actions. The study used the deductive method, by means of literature review, in which the text of the approach initially outlines the purpose of the criminal law and considering, therefore, the nature of the legal right to be protected criminally. It elucidates also about the social function of the penalty, which is the foundation of “penal garantism” whose axiological assumptions are fundamental to understand the following arguments. Immediately thereafter, it explains the need of integration of the minimum criminal law to the State, thereby demonstrating its foundation through the principle of minimum intervention and its correlates. Finally, it analyzes the criminal protection given to crimes against the tax system and its unnecessary. It being understood in the end that the State never intended to criminalize such conduct, being unreasonable and disproportionate the penalization of tax offenses because they do not need criminal protection.

KEYWORDS: MINIMUM CRIMINAL LAW; CRIMINAL RESPONSIBILITY; CRIMES AGAINST THE TAX ORDER.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.. 5

1 FINALIDADE DO DIREITO PENAL.. 6

2 CONCEITUAÇÃO DE BEM JURÍDICO.. 7

3 FUNÇÃO SOCIAL DA PENA.. 9

4 DIREITO PENAL MÍNIMO.. 11

5 TUTELA PENAL A ORDEM TRIBUTÁRIA.. 16

6 MEDIDAS ALTERNATIVAS PARA ILÍCITOS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA   19

CONCLUSÃO.. 21

REFERÊNCIAS. 22

INTRODUÇÃO

A finalidade do direito penal e consequentemente da aplicação da pena vem tomando cada dia mais assento no equilíbrio entre o abolicionismo penal e o direito penal máximo, dois enfoques em extremos opostos e completamente radicais, de impossível aplicação prática hodiernamente.

Tal inferência sobrevém com a Carta Magna de 1988, que inaugurou uma nova ordem constitucional no Estado brasileiro, introduzindo o garantismo jurídico, especialmente na esfera penal, limitando e obrigando o Estado na observância do rol de direitos e garantias individuais para realizar seu direito de punir.

Desta forma, apoia-se o Estado Constitucional de Direito na adoção de um direito penal mínimo, pautado na teoria garantista, no qual todos os aplicadores e criadores das leis devem observar os direitos fundamentais consagrados no texto constitucional.

Á vista disso, busca-se aferir a conformidade do ordenamento jurídico com a Constituição, em específico, das tutelas penais previstas no direito, analisando a princípio, as finalidades do direito penal, os bens que devem ser protegidos penalmente e a função social da pena.

O que se percebe a partir dessa análise, corroborando com o exposto acima, é que o melhor caminho a seguir em consonância com os direitos fundamentais previstos constitucionalmente é a intervenção mínima do direito penal, uma vez que tem-se rechaçado que aumentar os dispositivos penais e os delitos não é desejável, pois torna mais difícil reagir aos crimes, haja vista que as instituições de execução bem como os recursos financeiros indispensáveis para o cumprimento da pena estão muito aquém do necessário.

Ancorando-se no pensamento apresentado, comenta-se brevemente sobre a tutela penal da ordem tributária, exibindo as mais importantes tipificações e consequente incompatibilidade das sanções aplicadas, restando claro que as condutas do agente ativo dos crimes tributários não merecem chancela do direito penal.

No entanto, sem querer preconizar pela impunidade, demonstra-se que existem outras formas de punição mais eficazes em outros ramos do direito, como o direito administrativo, direito civil e até mesmo pelo direito tributário.

1 FINALIDADE DO DIREITO PENAL

O direito penal surgiu como um meio de controle social formalizado, que busca regular as relações dos indivíduos em sociedade, resolvendo seus conflitos, quando demais meios de controle se tornam ineficazes ou insuficientes para harmonizar o convívio social.

Nesta toada, o jurista Claus Roxin (2006, p. 32), um dos mais influentes dogmáticos do direito penal alemão, expõe em um dos seus artigos que compõem o livro “Estudos de Direito Penal” que o direito penal “deve garantir os pressupostos de uma convivência pacífica, livre e igualitária entre os homens, na medida em que isso não seja possível através de outras medidas de controle sócio-políticas menos gravosa”.

Como resultado, para que se consiga alcançar essa garantia, estabelece-se normas proibitivas com as respectivas sanções de modo a evitar que o infrator pratique determinado crime. Assim, o que se pretende com a fixação dessas normas, antes de qualquer punição, é motivar o infrator a não as praticar.

No entanto, a finalidade do direito penal, que é a garantia da convivência pacífica da sociedade, conforme explanado, está subordinado a limitação de que a pena só pode ser cominada quando for impossível obter esse propósito através de outras medidas menos gravosas (ROXIN, 2006, p. 33).

Compreende-se então que o direito penal é desnecessário quando se existe a possibilidade de garantir a segurança e a paz jurídica através de outros ramos do direito, como o direito civil e o direito administrativo.

Ainda neste escopo, podemos alcançar um pensamento mais amplo e aprofundado, quando da análise das influências que o direito penal vem experimentando com a constitucionalização do direito, fenômeno este que se harmoniza com a teoria do direito penal mínimo, admitida com ampla aceitação no meio jurídico, conforme será demonstrado no decorrer do tema. 

2 CONCEITUAÇÃO DE BEM JURÍDICO

Na doutrina brasileira tem predominado o entendimento de que a função do Direito Penal é a proteção de bens jurídicos fundamentais, aqueles de maior importância, que não são tutelados por outros ramos do direito.

Damásio de Jesus (2010, p.46) ensina que bem é tudo aquilo que pode satisfazer as necessidades humanas e sendo um valor reconhecido pelo Direito se torna um bem jurídico. Esclarece ainda que o Direito Penal visa proteger os bens jurídicos mais importantes, onde somente deve intervir em caso de lesão de bens jurídicos fundamentais para a vida em sociedade.

O que se constata, ademais, é que os bens protegidos pelo direito penal não interessam apenas ao indivíduo, mas a coletividade como um todo.

A Constituição Federal Brasileira em seu artigo 1º, inciso III estabelece como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana. Além disso, garante em seu artigo 5º, caput serem invioláveis os direitos à liberdade, à vida, à igualdade, à segurança e a propriedade, bem como diz no mesmo artigo, inciso XLI que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”.

Assim, quanto ao direito a vida, a liberdade, igualdade, segurança, propriedade, não há dúvida de que se tratam de bens que merecem proteção em todas as esferas jurídicas, sendo na maioria das vezes extremamente necessária a intervenção penal para assegurá-los quando colocam em risco a paz social.

No entanto, apesar de existirem bens jurídicos dos quais subsiste um consenso sobre sua classificação, alguns têm sido tutelados sobre muitas dúvidas, que geram discussões, devido a seu caráter, na maioria das vezes, político e particular de proteção.

Para findar a incerteza sobre a necessidade da tutela penal é necessário analisar as funções do bem jurídico. Álvaro Mayrink da Costa de maneira bastante elucidativa expõe que

O bem jurídico desempenha duas funções relevantes: a) garantidora ou limitadora da tarefa legiferante penal; b) teleológica-sistemática, básica para limitar a tentação de aumento da matéria de proibição, avassaladora do Direito Penal. Tal tarefa implica introduzir o pensamento teleológico na construção dogmática. Assume iniludível função de caráter axiológico de singular relevância no plano científico do Direito Penal, com destaque para o momento de ponderação dos singulares objetos estimados normativamente como merecedores da tutela, bem como na determinação dos fins das normas jurídico-penais e dos singulares tipos, tanto em referência ao âmbito de fundamento do injusto, quanto às causas de justificação. (COSTA, 2011, p. 14-15)

Com outras palavras, quer dizer que o bem jurídico deve assumir seu caráter axiológico, no qual através de um juízo de ponderação se concluirá justificadamente que realmente merece ou não a tutela penal.

Por certo, tendenciosamente se busca coagir determinadas condutas tipificando comportamentos que são indiferentes para o direito penal, fazendo surgir uma inflação legislativa, que conduz ao descrédito e a desmoralização do direito penal (GRECO, 2009, p.66).

O que precisa se ter em mente é que quando se opta pela tutela de um determinado bem, não necessariamente a proteção deve ocorrer no âmbito penal. É imprescindível valorar os bens jurídicos dentro de uma concepção do direito penal mínimo, pois significa reservar os mais relevantes, que possam efetivamente gerar dano ou perda ao bem tutelado, repercutindo contra toda sociedade.

Conclui Nucci (2011, p. 71) sobre o tema que “é fundamental o conhecimento do bem jurídico em questão, no caso concreto, avaliando se houve efetiva lesão, ou se, na essência, encontra-se preservado, sem necessidade de se movimentar a máquina estatal punitiva para tanto”. 

A importância desse argumento é de tal intensidade que Ferrajoli (2002, p. 575) defende a completa despenalização das contravenções penais, em razão de as contravenções penais competir a proteção dos bens que não são tão importantes a ponto de serem protegidos pelos tipos penais que preveem os delitos, sendo melhor, na perspectiva do direito penal mínimo, que todas fossem extintos, sendo os bens nelas previstos, protegidos por outros ramos do ordenamento jurídico.

Essa perspectiva leva a crer ainda, que a redução de bens jurídicos tutelados desnecessariamente e consequentemente de tipificações penais, desafogará a justiça criminal, trazendo mais qualidade e eficiência nos fins que se presta.

Deste modo, ainda que exista liberdade política na escolha dos bens que merecem a tutela do direito penal, essa liberdade de escolha se encontra limitada pela obrigatória observância dos princípios penais fundamentais, a fim de refinar sua escolha, não permitindo que comportamentos plenamente tolerados pela sociedade sejam protegidos.

3 FUNÇÃO SOCIAL DA PENA

Na busca da razão que fundamenta a tutela de certos bens jurídicos e aqui especificamente trata-se dos crimes contra a ordem tributária, sem olvidar, contudo, que são diversas condutas incriminadas com objetivo de proteção completamente distinta da finalidade penal é de notável importância entender a função social da pena.

É importante salientar que o legislativo se manifesta e se orienta de modo a atender a sociedade que busca ver seus direitos e bens protegidos, acreditando ser a tipificação de determinada conduta como ilícito penal a solução dos problemas. Mas temos claramente algumas tipificações penais sem qualquer clamor social, muito mais interesses particulares, como no caso apresentado, do que interesse da sociedade, usando-se de motivações subjetivas para dar guarida aos anseios políticos.

Desse modo, buscando dar maior embasamento para a argumentação preconizada, entende-se que quando há criminalização de uma determinada conduta, se deve não apenas verificar se necessita ou não ser o bem jurídico tutelado, deve-se examinar se a pena imposta servirá para evitar novos danos e desestimular os demais de agir do mesmo modo.

Isso porque a pena tem que cumprir sua função social de ressocialização. A sociedade precisa ter certeza que aquela sanção imposta irá coibir as condutas ilícitas e ressocializar o infrator.

Nucci (2011, p. 391) conceitua pena como sendo “a sanção imposta pelo Estado, através da ação penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção dos novos crimes”.

Retribuir quer dizer compensar o mal causado pelo crime que é combinado com a prevenção, onde se busca coibir a prática de delitos futuros. No entanto, pondera Luiz Regis Prado (2007, p.548) que é indispensável que a penal seja justa, proporcional a gravidade do injusto e a culpabilidade do seu autor, além de necessária para a manutenção da ordem social.

Seguindo este entendimento, Sarrule, citado por Greco, reprova o pensamento retribucionista atribuído à pena, alegando:

O fim da pena não é atormentar o réu para anular o mal que o delito implica, porque na realidade não o anula, senão que gera uma nova espiral de violência que não pode, por suas características, retornar as coisas ao estado anterior. A vingança implica uma paixão, e as leis, para salvar a racionalidade do direito, devem ser isentas de paixões. (SARRULE, apud GRECO, 2009, p. 146)

Diante das exposições, depreende-se que a pena é uma necessidade social quando aplicada em casos indispensáveis para a proteção de bens jurídicos, devendo ser, sobretudo, em um Estado Democrático de Direito, sempre justa e restrita a culpabilidade do autor do fato (PRADO, 2011, p. 551).

No entanto, o que se vê na pratica tem sido a aplicação das penas ao excessivo rigor da lei, submetendo infratores aos regimes mais severos, quando sequer se mostra necessário a tipificação da conduta com crime.

Consequência pior, se observa que a pena não tem cumprindo sua real função de ressocializar, tendo em vista que, principalmente as privativas de liberdade, obrigam a convivência do condenado num ambiente degradante e consequentemente a sofrer com o estigma imposto pela própria sociedade quando da sua liberdade.

Greco (2009, p. 150) argumenta que o direito penal mínimo atenuaria a problema da ressocialização, uma vez que se minimizaria condenações desnecessárias, conduzindo para um número reduzido de complicações sociais.

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No mesmo sentido, Beccaria, com notória sensibilidade sobre o tema, fez a virtuosa afirmação:

O fim da pena, pois, é apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo.

É, pois, necessário selecionar quais penas e quais os modos de aplicá-las, de tal modo que, conservadas as proporções, causem impressão mais eficaz e mais duradoura no espirito dos homens, e a menos tormentosa no corpo do réu. (Beccaria, 2006, p. 43)

A polêmica a respeito da função social da pena ganha maior dimensão nos delitos que ficam limitados a esfera patrimonial, como é o caso dos crimes contra a ordem tributária e financeira, não parecendo razoável uma intervenção penal, que não encontra justificativas para a supressão de garantias individuais.

Nesses casos, muitos doutrinadores apontam que a descriminalização seria o mais sensato, eliminando os dispositivos que não são necessários para a manutenção da paz social. Claus Roxin com maestria assevera sobre o tema que

Comportamentos que somente infrinjam a moral, a religião ou a political correctedness, ou que levem a não mais que uma autocolocação em perigo, não devem ser punidos num estado social de direito. Afinal, o impedimento de tais condutas não pertence às tarefas do direito penal, ao qual somente incumbe impedir danos a terceiros e garantir as condições de coexistência social (ROXIN, 2006, p.12)

Em vista disso, pode-se perceber a importância da adoção pelo Estado do direito penal mínimo, pois ao mesmo tempo que atenderia aos preceitos constitucionais, possibilita a minimização do caos enfrentado pelo sistema punitivo na aplicação de suas penas.

4 DIREITO PENAL MÍNIMO

A Constituição da República de 1988 consolidou o Estado Democrático de Direito. Seu texto prolixo trata de diversos aspectos relevantes dos mais variados ramos jurídicos, trazendo em seu bojo desde princípios gerais a regras detalhadas, de modo a garantir o exercício pleno dos direitos individuais e sociais, subordinando todo o sistema infraconstitucional a seguir suas previsões.

E nesse contexto surge o fenômeno da constitucionalização do direito. Sumariamente falando, tendo em vista que se busca apenas o amparo a teoria do direito penal mínimo, a constitucionalização do direito se trata da expansão das normas constitucionais, irradiando com força normativa seu conteúdo material e axiológico por todo o sistema jurídico[1].

Desse modo, para que seja uma norma válida, segundo a emblemática teoria apresenta por Hans Kelsen (1999, p. 136) e ratificada pelos mais renomados juristas, é necessário a adequação de todo o ordenamento infraconstitucional de acordo com as regras e princípios previstas constitucionalmente. Além do mais, preveem os constitucionalistas que sua repercussão se dá inclusive na produção legislativa, que deve observar e se limitar ao catálogo de garantias constitucionais.

Tratando da repercussão constitucional sobre o direito penal, Luís Roberto Barroso[2], percursor desse fenômeno no Brasil, ensina que

A Constituição tem impacto sobre a validade e a interpretação das normas de direito penal, bem como sobre a produção legislativa na matéria. Em primeiro lugar, pela previsão de um amplo catálogo de garantias, inserido no art. 5º. Além disso, o texto constitucional impõe ao legislador o dever de criminalizar determinadas condutas, assim como impede a criminalização de outras. Adicione-se a circunstância de que algumas tipificações previamente existentes são questionáveis à luz dos novos valores constitucionais ou da transformação dos costumes, assim como podem ser excepcionadas em algumas de suas incidências concretas, se provocarem resultado constitucionalmente indesejável. (BARROSO, 2005, grifo nosso)

Assim, buscando atender os princípios que vigoram num Estado que se declara Democrático de Direito, não deve lançar um sistema penal de violência, em razão de ser um dos grandes responsáveis pelas graves disfunções sociais existentes (QUEIROZ apud GRECO, 2009, p. 29).

Nesse âmbito ganha destaque o direito penal mínimo, atrelado ao garantismo penal, que tem por grande expoente Luigi Ferrajoli[3]. Trata-se de uma teoria que busca evitar o excesso na aplicação do direito penal, exigindo uma adequação razoável e proporcional entre a conduta e o bem jurídico lesado, bem como que a reparação penal somente seja aceitável quando não for possível através de outros ramos do direito (GRECO, 2009, p. 24).

No entanto, essa teoria encontra-se entre duas outras, o abolicionismo penal e o direito penal máximo, com enfoques extremados e de ampla discussão doutrinária.

O abolicionismo penal propaga que o direito penal deve ser pensado através de um novo método, com novas condições de liberdade e justiça, sugerindo a descriminalização e a despenalização como soluções para o caos penitenciário, além de recomendar a legalização das drogas, a guerra contra a pobreza, atendimento prioritário as vítimas, etc (NUCCI, 2011, p. 392).

Conquanto desejável, seguramente se trata de uma ilusão, conforme exposição de Luigi Ferrajoli:

O abolicionismo penal – independentemente dos seus intentos liberatórios e humanitários – configura-se, portanto, como uma utopia regressiva que projeta, sobre pressupostos ilusórios de uma sociedade boa ou de um Estado bom, modelos concretamente desregulados ou autorreguláveis de vigilância e/ou punição, em relação aos quais e exatamente o direito penal - com o seu complexo, difícil e precário sistema de garantias - que constitui, histórica e axiologicamente, uma alternativa progressista. (FERRAJOLI, 2002, p. 275)

Já o direito penal máximo, em direção contrária, supõe que o direito penal é a solução para os males da sociedade, caracterizado pela severidade e pela imprevisibilidade de suas condenações e penas, direcionado a garantia de que nenhum culpado fique impune, ainda que a custa do sacrifício de algum inocente (FERRAJOLI, 2002, p. 84-85). Sem delongas, evidente que se trata de uma teoria regressiva e muito criticada.

Com esse discernimento, o direito penal mínimo demonstra uma posição equilibrada onde o Estado consegue punir, sem ofender a dignidade dos seus cidadãos. Cesare Beccaria (2006, p. 22) corroborando o alegado diz que “todo ato de autoridade de homem para homem que não derive da absoluta necessidade e tirânico”.

O direito penal mínimo tem sido um anseio para o sistema penal que ainda se mostra hostil e opressor.

Muitos doutrinadores têm buscado disseminar os reais efeitos que o sistema atual tem gerado, como o conceituado professor Thiago Fabres de Carvalho[4], grande estudioso do tema, quando assegura que “o sistema penal é um instrumento que produz muito mais violência, dor e sofrimento do que a violência que ele pretende combater”, do qual pode-se constatar a urgente necessidade de aplicação de uma nova justiça criminal.

Outrossim, alguns princípios que derivam dos direitos assegurados constitucionalmente e buscam adequar a realidade social, devem ser observados para pensar o direito penal na atualidade, sendo o mais mencionado e relevante, sem dúvida alguma, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Rogério Greco (2009, p. 24) aponta além da dignidade da pessoa humana, os princípios da intervenção mínima, da lesividade, da adequação social, da insignificância, da individualização da pena, da proporcionalidade, da responsabilidade pessoal, da limitação das penas, da culpabilidade e da legalidade como indispensáveis para pensar o direito penal mínimo.

A aplicação desses princípios possibilita a escolha do bem jurídico valorado como de importância proteção dentro do direito penal mínimo, onde se pode evidenciar que o comportamento que o ataca é lesivo e inadequado socialmente.

Além da aplicação dos princípios citados, para chegar a essa medida de escolha do bem jurídico, deve-se examinar que quanto mais necessária é a segurança dos cidadãos, mais justa é a pena aplicada, de modo que se sacrifique parte da liberdade individual em prol da coletividade, isto é, do direito de se aplicar as penas a quem descumpra as regras de conduta que visam a proteção das liberdades coletivas.

Portanto, a única e verdadeira medida do delito é o dano causado a nação. Significa dizer que o delito deve ter sua importância medida em relação ao bem-estar geral, e não em relação a intenção de quem o comete ou em relação a dignidade da pessoa ofendida (BECCARIA, 2006, p. 36).

De tudo que expõe Beccaria (2006, p. 119), ele chega a conclusão muito conveniente de que “para que toda pena não seja a violência de um ou de muitos contra o cidadão particular, devendo, porém, ser essencialmente pública, rápida, necessária, a mínima dentre as possíveis, em dadas as circunstâncias, proporcional aos delitos e ditada pelas leis”.

A limitação a direitos ou garantias constitucionais somente se justificam quando houver ameaça de tal ordem que seja imprescindível a intervenção do direito penal e a aplicação de sua consequência jurídica, não podendo servir de instrumento único de controle social, sob pena de banalizar-se a sua atuação que deve ser subsidiária, em ‘ultima ratio’.

Neste passo, temos o princípio da intervenção mínima, considerado como coração do direito penal mínimo por Rogério Greco (2009, p. 25) que se constitui em decorrência imediata do garantismo penal, consubstanciado na aplicação constitucional do direito penal.

Apesar de não estar expressamente previsto na Constituição Federal, o modelo garantista e o princípio da intervenção mínima são referências do Estado Democrático de Direito.

A intervenção penal mínima surge como ideia a combater as penas impostas pelo Direito Penal que são extremamente invasivas, afetando os direitos individuais. Restringir a liberdade física é uma grave suspensão desses direitos e por isso este verdadeiro princípio se faz necessário de ser aplicado.

Assim, temos que é um princípio limitador do poder punitivo estatal, onde a criminalização de comportamentos só deve ocorrer quando se constituir meio necessário a proteção de bens jurídicos ou em defesa da coexistência harmônica e pacifica da sociedade.

Cezar Roberto Bitencourt faz a seguinte afirmação:

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os outros ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade. (BITENCOURT, 2010, p. 43)

Importante salientar que o princípio da intervenção mínima decorre da natureza subsidiária que possui o direito penal (GRECO, 2009, p.25). Tal característica determina que o Direito Penal deve ser aplicado apenas quando falham as defesas do bem jurídico predispostas por outros ramos do Direito. Obtendo-se o mesmo resultado através de um recurso mais suave, torna-se desnecessária a aplicação de um recurso mais grave, que é o Direito Penal.

Nessa lógica de aplicação do direito penal mínimo, o Supremo Tribunal Federal vem pautando alguns julgamentos, conforme ementa colacionada:

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PENAL. CRIME MILITAR. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECONHECIMENTO NA INSTÂNCIA CASTRENSE. POSSIBILIDADE. DIREITO PENAL. ULTIMA RATIO. CONDUTA MANIFESTAMENTE ATÍPICA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ORDEM CONCEDIDA.

1. A existência de um Estado Democrático de Direito passa, necessariamente, por uma busca constante de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social.

2. O fato típico, primeiro elemento estruturador do crime, não se aperfeiçoa com uma tipicidade meramente formal, consubstanciada na perfeita correspondência entre o fato e a norma, sendo imprescindível a constatação de que ocorrera lesão significativa ao bem jurídico penalmente protegido. [...] (STF - HC: 107638 PE, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 13/09/2011, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-187 DIVULG 28-09-2011 PUBLIC 29-09-2011, Grifo nosso).

Harmonizando-se com o propósito do Estado Democrático de Direito, o judiciário na medida de suas possibilidades, se esforça para alcançar o bem comum, todavia, esse esforço precisa vir principalmente do legislativo, responsável pela elaboração das leis e ponderação da necessidade pratica da tipificação de determinadas condutas, vislumbrando através do direito penal mínimo, uma nova forma de tentar alcançar a paz social.

5 TUTELA PENAL A ORDEM TRIBUTÁRIA

Após todas as considerações feitas, tem-se que alguns bens jurídicos podem ser tutelados por meio de outros ramos do direito, perfeitamente capazes de amparar com primazia os casos que lhes são impostos.

Esse aspecto pode ser percebido quando o direito penal inadequadamente é requisitado na alçada tributária para tão somente assegurar a função arrecadatória do Estado, quando existem mecanismos muito mais eficazes para reprimir ou evitar esse tipo de ilícito, sem que seja necessário apelar para a tutela penal.

Atualmente, a Lei 8.137/1990 e os artigos 167-A e 337-A do Código Penal são os mais importantes dispositivos aplicados em casos de crimes contra a ordem tributária, tratando especificamente da sonegação fiscal.

A Lei 8.137/1990 que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências, traz em seu contexto a sonegação fiscal em seus artigos 1º e 2º, senão vejamos:

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:

I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;

III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;

IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;

V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.

Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração prevista no inciso V.

Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:      

I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;

II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;

III - exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal;

IV - deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;

V - utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública.

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

A tutela penal da ordem tributária tem justificativa na natureza supra individual do bem jurídico, em razão de que os recursos auferidos das receitas tributárias darão o respaldo econômico necessário para realização das atividades destinadas a atender as necessidades sociais.

Em vista disso, alguns doutrinadores mencionam que a tutela penal da ordem tributária serve a dignidade humana, uma vez que a não arrecadação comprometerá a prestação dos serviços destinados a sociedade, no entanto, essa posição não deve prevalecer, pois é um conceito genérico, que sob uma perspectiva classificatória e sistemática do bem jurídico há uma perda da sua objetividade, uma vez que toda proteção penal visa tutelar a dignidade humana.

O artigo 168-A que trata da apropriação indébita previdenciária e artigo 337-A que dispõe sobre a sonegação de contribuição previdenciária são delitos específicos contra o sistema previdenciário, introduzidos no Código Penal através da Lei nº 9.983 de 2.000, in verbis:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional: 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem deixar de: 

I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; 

II – recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;  

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.  

§ 2o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. 

§ 3o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:  

I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou  

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais. 

Art. 337-A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: 

I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços; 

II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços; 

III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias: 

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. 

§ 1o É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. 

§ 2o É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que: 

I – (VETADO)

II – o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

§ 3o Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa. 

§ 4o O valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social. 

Não se quer aqui aprofundar o estudo das condutas e sanções aplicadas, mas somente debater acerca da sua necessidade de criminalização.

A justificativa usada também para essas condutas é de que se busca reprimir penalmente as condutas que atentem contra a ordem tributária com o objetivo de assegurar o cumprimento das prestações públicas por parte do Estado.

Todavia, apesar do inegável efeito prejudicial no cumprimento das prestações públicas que ficam sensivelmente prejudicadas quando da violação das obrigações tributárias, não se encontra amparo penal para tais casos.

O que se percebe é uma nítida violação do princípio da intervenção mínima ou ultima ratio, com o objetivo de coibir o cumprimento de prestações de ordem tributária sob pena de ser enquadrado penalmente e sofrer as consequências de uma sanção penal, que podem levar inclusive a privação de liberdade ou a restrição de direitos.

Fica sensível essa afirmativa quando se vê que é possível a extinção da punibilidade quando do pagamento do tributo entendido como devido, ou quando da suspensão da pretensão punitiva do Estado nos casos em que o agente dos crimes estiver incluído no regime de parcelamento, conforme assim dispõe a Lei nº 10.684/2003 que dispôs sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social, também conhecido como REFIS 2, sendo essa possibilidade de extinção de punibilidade verificada nos demais programas de parcelamento de débitos tributários posteriores.  

Na Corte Suprema, é pacífico o entendimento de que o pagamento do débito possibilita a extinção da punibilidade, conforme julgado que segue:

QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO PENAL. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. SUSPENSÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PARCELAMENTO E PAGAMENTO DO DÉBITO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA: EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência deste Supremo Tribunal é firme no sentido da possibilidade de suspensão da pretensão punitiva e de extinção da punibilidade nos crimes de apropriação indébita previdenciária, admitindo a primeira se a inclusão do débito tributário em programa de parcelamento ocorrer em momento anterior ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória e a segunda quando o débito previdenciário for incluído - e pago - no programa de parcelamento ordinário de débitos tributários. Precedentes. 2. Questão de ordem resolvida no sentido de declarar extinta a punibilidade do réu em relação ao crime de apropriação indébita previdenciária, pela comprovação da quitação dos débitos discutidos no presente processo-crime, nos termos das Leis ns. 10.684/03 e 11.941/09. (STF - AP: 613 TO, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 15/05/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 03-06-2014 PUBLIC 04-06-2014)

A par disso, constata-se que o interesse do Estado está tão somente no pagamento do débito, não fazendo sentido insistir na criminalização da conduta.

6 MEDIDAS ALTERNATIVAS PARA ILÍCITOS CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

A infração tributária é caracterizada pelo descumprimento da obrigação tributária, no qual o Estado pode lançar mão de diversos instrumentos jurídicos, também conhecidos como remédios sancionadores, para o fim de lograr o cumprimento da obrigação.

Diversos são os tipos de sanções tributárias, que se mostram adequadas aos seus ilícitos, porquanto possui caráter essencialmente patrimonial, tais como a privação de direitos como a proibição de contratar com o Poder Público, perdimento de bens ou a sua apreensão, penalidades pecuniárias como as multas de mora e o juros moratório, cassação de regimes especiais de pagamento do imposto (TORRES, 2011, p. 334-336 e CARVALHO, P., 2007, p. 532-534)

A propósito, ensina Luciano Amaro

No direito tributário, a infração pode acarretar diferentes consequências. Se ela implica falta de pagamento de tributo, o sujeito ativo (credor) geralmente tem, a par do direito de exigir coercitivamente o pagamento do valor devido, o direito de impor uma sanção (que há de ser prevista em lei, por forca do princípio da legalidade), geralmente traduzida num valor monetário proporcional ao montante do tributo que deixou de ser recolhido. Se se trata de mero descumprimento de obrigação formal (“obrigação acessória”, na linguagem do CTN), a consequência e, em geral, a aplicação de uma sanção ao infrator (também em regra configurada por uma prestação em pecúnia). Trata-se das multas ou penalidades pecuniárias, encontradiças não apenas no direito tributário, mas também no direito administrativo em geral, bem como no direito privado. Em certas hipóteses, a infração pode ensejar punição de ordem mais severa, quais sejam, as chamadas penas criminais. (AMARO, 2007, p. 432, grifo do autor)

Verifica-se que a multa pecuniária é muito mais eficaz ao restabelecimento das relações jurídicas afetadas pelas fraudes tributárias. Nesse sentido, Paulo de Barros Carvalho

As penalidades pecuniárias são as mais expressivas formas do desígnio punitivo que a ordem jurídica manifesta, diante do comportamento lesivo dos deveres que estipula. Ao lado do indiscutível efeito psicológico que operam, evitando, muitas vezes que a infração venha a ser consumada, é o modo por excelência de punir o autor da infração cometida. Agravam, sensivelmente, o débito fiscal e quase sempre são fixadas em níveis percentuais sobre o valor da dívida tributária. (CARVALHO, P., 2007, p. 532)

E caso as medidas adotadas na seara administrativa não sejam suficientes, tem-se a possibilidade do Estado cobrar judicialmente a dívida através da execução fiscal, no qual o juízo competente pode efetuar penhora ou determinar a indisponibilidade dos bens e direitos do devedor, podendo assim fazer inclusive por meio eletrônico, no qual recairá sobre bens móveis e moeda em conta correntes bancarias (CARVALHO, P., 2007, p. 541). 

Dessa forma, dependendo da gravidade do ilícito a sanção pode ser mais ou menos rigorosa. No entanto, assinala Amaro (2007, p. 433) que é importante que a pena seja adequada a infração, por essencial relevância no conceito de justiça.

Verificado, pois, que a Administração Pública possui mecanismos aptos a coagir o contribuinte ao devido pagamento, não se justifica suprimir as garantias individuais através de meios deveras rigorosos para alcance.

Neste contexto, é notório que o perfil dos infratores de tais ilícitos não condiz com a sanção penal, principalmente no que tange a pena privativa de liberdade, tendo em vista que não se cumpriria a finalidade social da pena.

Portanto, insistir no direito penal como meio de resolução de todas as patologias sociais, extrapola a racionalidade humana, indo de encontro com todo o apresentado, ou seja, contra os princípios e garantias fundamentais previstos no Estado Democrático de Direito.

CONCLUSÃO

A ânsia do direito penal em criminalizar condutas que podem ser apenadas por outros ramos do direito, gera um contingente muito amplo de ilícitos para fins penais, colaborando para uma crise de legitimidade da justiça penal, uma vez que gera mais morosidade, aumenta a sensação de impunidade e percebe-se que a sanção é ineficaz.

A limitação do direito de punir deve ser rigorosa, principalmente nos delitos tributários aqui apontados, uma vez que o percurso necessário para uma pena digna e proporcional é custoso para a sociedade e aflitivo para o apenado.

Não se deseja diminuir a potencialidade de tais crimes para a sociedade, mas buscar meios mais eficazes de reparação do ilícito cometido, vislumbrando-se que o direito civil, o direito administrativo e a própria legislação tributária são instrumentos mais adequados para repelir e reparar as infrações fiscais.

Todas as infrações penais que não atenderem aos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, sendo este pautado claramente pelo garantismo penal dentro de uma esfera penal mínima, devem ser eliminadas para permitir que a justiça criminal se comprometa com o realmente é importante para a sociedade.

Conclui-se por fim que, não obstante por vezes a penalização ser uma resposta mais rápida dada a coletividade e esperada por ela, não é a mais eficiente, uma vez que melhores resultados podem ser obtidos diretamente através de medidas menos severas e indiretamente pela implementação de políticas públicas com aprimoramento do controle da sociedade.

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 13 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547>. Acesso em: 24 jul. 2016.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 3ª ed. rev. da tradução. São Paulo: RT, 2006.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. 15ª ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.

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BRASIL. Lei Federal nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 28 dez. 1990. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis /L8137.htm>. Acesso em: 24 jul. 2016.

BRASIL. Lei Federal nº 10.684, de 30 de maio de 2003. Altera a legislação tributária, dispõe sobre parcelamento de débitos junto à Secretaria da Receita Federal, à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e ao Instituto Nacional do Seguro Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 31 mai. 2003. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /leis/2003/L10.684.htm>. Acesso em: 24 jul. 2016.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007.

CARVALHO, Thiago Fabres de. Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal. In: TED x Pedra do Penedo, 2015, Vitória/ES. Disponível em: < http://emporiododireito.com.br/tag/ thiago-fabres-de-carvalho/>. Acesso em: 24 jul. 2016.

COSTA, Álvaro Mayrink da. Direito Penal e Proteção dos Bens Jurídicos. Revista da EMERJ. Rio de Janeiro, v. 14, n. 53, p. 7-15, jan./mar. 2011.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

GRECO, Rogério. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 4. Ed. Niteroi, Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, volume I: Parte Geral. 31. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral: parte especial. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.


[1] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/7547>. Acesso em: 24 jul. 2016.

[2] Ibdem

[3] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

[4] CARVALHO, Thiago Fabres de. Justiça Restaurativa e Abolicionismo Penal. In: TED x Pedra do Penedo, 2015, Vitória/ES. Disponível em: < http://emporiododireito.com.br/tag/ thiago-fabres-de-carvalho/>. Acesso em: 24 jul. 2016.

Sobre o autor
Claudio Ribeiro Barros

Advogado, Possui graduação em Direito pelo Centro de Ensino Superior de Vitória e graduação em Administração pela Fundação de Assistência e Educação - FAESA, M.B.A - Master in Business Administration - em Gestão Empresarial pela UVV, especialização em Criminologia pelo Centro de Ensino Superior de Vitória, especialização em Docência do Ensino Superior pelo Cesv, especialização em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário pela UNESA, Mestrado em Andamento Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Atua como professor na graduação de Direito no Centro de Ensino Superior de Vitória, e Professor na Pós Graduação. Participou da Comissão Legislativa da lei 8.666/93 de Licitações e Contratos. Atualmente está produzindo duas obras literárias: Direito Penal Mínimo - Desnecessidade da Tutela Penal nos Crimes Contra a Administração Pública (fase inicial de elaboração e pesquisa), e Curso de Direito Penal Simplificado - Parte Especial (finalizando).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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