Resumo: O presente artigo busca da forma mais sintetizada possível, demonstrar a necessidade de se observar à aplicação do princípio do devido processo legal ao processo administrativo. A conexão intrínseca entre este princípio e a ampla defesa e o contraditório, onde por vezes, acabam se confundindo. Define brevemente alguns termos para melhor compreensão do trabalho, bem como lista os objetivos de processo administrativo, que ainda pode ser contencioso ou não apresentar nenhuma controvérsia. A observação do devido processo legal é o fim de se instaurar um processo administrativo. Nas considerações finais, é realizado um breve resumo das ideias apresentadas.
Palavras-chave: Processo legal; Garantias; Constitucionais; Direito; Administrativo.
1. introdução
A Constituição de 1988, no inciso LV do art. 5º, assegura aos litigantes e acusados em geral, em processo judicial ou administrativo, o direito fundamental do contraditório e da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Conhecido como o Princípio do Devido Processo Legal, este já se encontrava implícito nas antigas Constituições do Brasil, porém, foi expresso na Constituição Federal de 1988 no art. 5º, inciso LIV in verbis:
Art.5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
Dessa forma, o ordenamento jurídico pátrio trouxe consignado em seu texto a fórmula do due process of law, de origem anglo-saxônica.
A cláusula do devido processo legal é a garantia das liberdades consagradas na Constituição, e apresenta duas dimensões ou momentos diferentes: uma natureza essencialmente processual (procedural due process), e, em outro outra de cunho material ou substantivo (substantive due process), conforme ensina Leonardo de Araújo Ferraz (2009, p. 131).
A magnitude do princípio do devido processo legal é tal, que, além de ser princípio presente em grande parte das constituições dos países soberanos, é consignada também na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos, como uma garantia de liberdade, sendo um direito fundamental do homem consagrado in verbis:
Art.8º “Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes, remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”.
O Brasil é signatário da Convenção de São José da Costa Rica, onde o devido processo legal, também é assegurado em seu art. 8º, in verbis:
Art. 8º – “Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.(...)
Em síntese, é o princípio que garante que todos tenham direito a um processo com todas as etapas previstas em lei e todas as garantias constitucionais. Caso não sejam observadas tais regras, tornar-se-á nulo. É o mais importante dos princípios constitucionais, já que dele surgem todos os demais.
Tal princípio reflete uma dupla proteção ao sujeito, no âmbito material e formal, de forma que o indivíduo receba instrumentos para atuar com paridade de condições com o Estado-persecutor.
Segundo Costa (2011), o conceito do devido processo legal se desenvolveu a partir do sistema jurídico inglês, remontando à Magna Carta de João Sem Terra, de 1215. O princípio “law of the land” isto é, o direito à terra, era garantia dos cidadãos ao direito a um justo processo legal. Depois disso, várias cartas dos estados norte-americanos incorporariam o conceito da “law of the land”, atualmente “due process of law”, ou devido processo legal.
O legislador brasileiro inspirou-se na Constituição Americana, ao trazer para o ordenamento jurídico brasileiro o princípio do devido processo legal.
O princípio do devido processo legal no direito administrativo brasileiro é de fundamental importância para caracterizar o desenvolvimento válido e regular do processo, porém, paira a dúvida se há determinadas situações que a ausência desse princípio não afetaria a regularidade processual.
O que impulsionou a realização deste trabalho foi a busca pela compreensão da necessidade em observar o principio do devido processo legal para validar o processo administrativo, já que sua ausência pode tornar nulo todo o procedimento, e a completa nulidade de um processo realizado pela administração pública resultará em desperdício de recursos, tão escassos e essenciais ao Estado, principalmente em razão da atual situação política e econômica da nação.
Objetiva-se com o presente trabalho analisar o devido processo legal no direito administrativo brasileiro, considerando que a observância desse princípio é uma forma de preservar o Estado Democrático de Direito.
A metodologia utilizada neste trabalho é a pesquisa bibliográfica, realizada em obras e artigos científicos, disponibilizados em livros e sítios de internet.
Importante destacar que este artigo não pretende esgotar a amplitude do tema, e sim esclarecer a efetiva necessidade de sua observação e uso em processo administrativo.
Está organizado este artigo em três capítulos, sendo que o primeiro trata de alguns conceitos para melhor compreensão do tema, o segundo capítulo apresenta os objetivos de um processo administrativo, e a terceira seção caracteriza o fim do processo administrativo quando observado a aplicação do princípio do devido processo legal. Por fim, as considerações finais, apresentam uma síntese da discussão apresentada.
Anseia-se que este trabalho possa servir como suporte para um melhor entendimento das dúvidas que permeiam o devido processo legal e que possa levantar novas e produtivas discussões, bem como propiciar uma maior consciência a respeito da necessidade de sua estrita observância, como meio e fim de garantir a efetividade de direitos essenciais para a perpetuação do Estado Democrático de Direito.
2. conceitos
Na introdução deste artigo foi apresentado um breve conceito acerca do princípio do devido processo legal, entretanto, deve-se frisar que tal princípio, por vezes se confunde com outros princípios a serem observados em um processo administrativo sancionador.
O devido processo legal engloba também o princípio do contraditório e da ampla defesa, assim como outros princípios do processo administrativo, porém, nos deteremos aos dois supracitados.
Salomão (2008) apresenta um conceito didático sobre o contraditório, que é o direito que tem as partes de serem ouvidas nos autos, ou seja, é o exercício do diálogo processual, caracterizado pela dualidade de manifestação das partes, enquanto, a ampla defesa é o princípio legal no direito ao contraditório, onde ninguém pode ser condenado sem ser ouvido.
Conclui se assim, que os princípios do contraditório e da ampla defesa, ainda que independentes, são essenciais para garantir a plenitude do devido processo legal, pois, que inegável que o direito a se defender de forma ampla significa, por conseguinte na observância de que seja assegurada legalmente essa garantia.
Gasparini (2005, p. 857) esclarece que o processo administrativo, em sentido prático, amplo, é o conjunto de medidas jurídicas e materiais praticados com certa ordem de cronologia, necessárias ao registro dos atos da Administração Pública.
Diferentemente do que ocorre no processo judicial, no processo administrativo se almeja a verdade material, e não somente a verdade formal, naquele importa apenas os fatos que se encontram nos autos, e as partes devem apresentar estes fatos para que o magistrado se convença, desde que tempestivamente, enquanto nesse busca-se a verdade efetiva, e as provas podem ser ofertadas por ambas as partes, em qualquer tempo, inclusive em outro processo até o julgamento final, bem como, é permitida a figura do reformatio in pejus, podendo a autoridade julgadora modificar uma decisão recorrida em desfavor do recorrente.
O devido processo legal, em regra, abriga as partes, dos possíveis atos arbitrários de autoridades jurisdicionais e executivas.
3. objetivos do processo administrativo
O processo administrativo deve ser regido em estrita observância ao principio do devido processo legal, que agora como já sabemos, complementa-se com outros princípios. A razão dos princípios que norteiam o direito administrativo é para, em última análise, atender ao interesse público, e com relação ao processo administrativo não poderia ser diferente.
Moreira (2010, p. 63) esclarece que “o processo administrativo é relação jurídica dinâmica, entre os sujeitos que dela participam”, havendo assim uma ligação entre os sujeitos participantes, onde um exerce o poder e o outro acata esse poder.
Sales (2016) ressalta também que a utilidade pública é interesse indisponível do Estado e faz parte do processo administrativo. O interesse público deve sempre ser almejado pelo Administrador, mesmo que se trate de procedimentos menos complexos, aparentemente deferidos de plano.
Assim, o processo administrativo tem por fim executar a vontade do Estado que está expressa em lei, e quando há o confronto de interesse particular contra o público, a Administração Pública, se valerá dos instrumentos que norteiam o processo, se posicionando sobre o direito do particular e ao mesmo tempo cumprirá sua função de zelar pelos direitos da coletividade.
Apesar do objetivo final da Administração Pública ser o de executar a vontade do Estado tutelando o interesse coletivo sobre o particular, o processo administrativo deve ainda observar se o assunto a ser tratado é entre o particular e o ente público, ou se o tema é interesse apenas da própria administração, como por exemplo a abertura de um processo administrativo disciplinar. (FILHO, 2010).
Gasparini (2005, p. 861) elenca uma relação de objetos possíveis de serem tratados em um processo administrativo in verbis:
Pode tratar da padronização de um bem, cuidar da investigação de um fato, visar a aplicação de uma pena, objetivar uma decisão, encerrar uma denúncia, consubstanciar uma sugestão, exigir um tributo, comprovar o exercício do poder de polícia, visar a apuração de certos fatos e a indicação dos respectivos autores. Estes temas, a exemplo de outros, podem ser objeto do processo administrativo. O objeto é, portanto, o tema versado no processo administrativo e esse pode ser qualquer um.
Necessário então observar se o tema do processo administrativo dirá respeito ao particular e à administração, ou dirá respeito a apenas este último, não olvidando da necessidade de sempre observar a aplicação do principio do devido processo legal, independente dos lados participantes da relação processual.
4. o devido processo legal como resultado a ser alcançado no processo administrativo
O homem é um ser que necessita viver em contato com seus iguais, faz parte da sua natureza essa convivência. Por isso, como pressuposto lógico surgirá conflitos, crises, disputas.
Castro (2009) elucida que diante do surgimento de conflitos, o Estado se põe em atividade para solucionar tais problemas, trazendo harmonia nas relações entre os administrados e entre estes e a administração pública.
Assim, o devido processo legal deve ser isonômico, ou seja, igual a ambas as partes, e para que tal mister ocorra, se deve observar ainda outros princípios constitucionais, tais como a observação de formas, a efetividade, o princípio da tipicidade, princípio da presunção de inocência, princípio da motivação das decisões, além do princípio da prescrição, entre outros como a ampla defesa e o contraditório, lembrando sempre que o último princípio deve ser abarcado como garantia de participação igualitária e que possa influenciar o resultado obtido sem apresentar inovações não regidas em lei.
Até mesmo o Superior Tribunal de Justiça, já defendeu em seus julgados a conexão entre o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, no sentido de que esses dois princípios são acolhidos no art. 5º LIV.
A Constituição Federal garante uma gama de direitos ao cidadão, porém, deve estabelecer meios para que esses direitos sejam realmente assegurados.
A Lei 9784/99 estabeleceu as normas gerais acerca do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, idealizando o termo processo administrativo em amplo sentido, considerando tanto o “processo administrativo litigioso” como o “processo administrativo de simples expedientes”.
O art. 5º da referida Lei declara que: “o processo administrativo pode iniciar-se de ofício ou a pedido de interessado”, assim, importante notar que o pleito do interessado nem sempre será uma controvérsia que gerará uma lide “administrativa”, já que o processo administrativo pode ter em vista apenas um requerimento inicial, buscando a satisfação de um direito subjetivo, que poderá ser deferido pela Administração, sem qualquer resistência.
Jardim (2009) complementa que quando o processo é litigioso ou necessite de sanção administrativa, aplicar-se-á além dos princípios do Direito Administrativo, as garantias constitucionais e processuais que correspondem ao devido processo legal, ampla defesa e contraditório, sendo primordial haver a diferenciação entre a fase litigiosa e a fase que não encerra qualquer controvérsia jurídica.
É certo que a garantia constitucional do devido processo legal deve ser uma realidade em todo o processo, e que ninguém seja tolhido de seu direito a ampla defesa e ao contraditório, com os meios e recursos a ele inerentes, e ainda, ato contínuo, deve ser assegurado a todos, um processo ágil dentro de um lapso tempo razoável.
É a Carta da República Federativa do Brasil que, em seu artigo 5º, LXXVIII, assevera: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Ao examinar essa questão, o Supremo Tribunal Federal teve várias oportunidades de se manifestar acerca do tema. O voto Min. Joaquim Barbosa, em questão de ordem suscitada em inquérito, determinou o desmembramento de denúncia oferecida pelo Procurador-Geral da República contra quarenta pessoas, acusadas da suposta prática dos crimes de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, corrupção ativa e passiva e evasão de divisas – esclareceu que:
“... o risco de decisões contraditórias quanto ao mesmo contexto fático deveria ser suportado, em prol da celeridade e da garantia prevista no inciso LXXVIII do art. 5º da CF, deferia o desdobramento do feito a todos os acusados que não gozam de prerrogativa de função...”
Por fim, quando há colisão entre princípios, não há de se resolver a colisão suprimindo um em detrimento de outro. Como bem determinou o Ministro Joaquim Barbosa, se deve buscar a preservação ao máximo de ambos os princípios, analisando o peso ou a importância de cada um deles, e definir qual deles no caso concreto deve prevalecer ou qual sofrerá menor constrição, buscando justificar, dessa forma, a difícil relação de convivência entre o princípio do devido processo legal e os que derivam de sua observância.
5. considerações finais
A ideia de conhecer o princípio do devido processo legal é exaustiva, e impossível de se tratar integralmente em tão curto espaço, porém, o início para sua compreensão está concretizado. Devemos caminhar agora com o desejo de que, nos seus processos, a Administração observe, com rigor, os princípios presentes na legislação, contribuindo para a efetivação do Estado Democrático de Direito.
O Devido Processo Legal é o princípio-matriz e a sua aplicação tem por fim coibir a arbitrariedade que resulta na violação de garantias fundamentais e ainda, é garantia constitucional que ilumina todas as funções estatais, isto é, a função jurisdicional, legislativa, administrativa.
O princípio do devido processo legal tem o objetivo de elencar um mínimo razoável de condições para o desenvolvimento das fases do processo. A instrumentalidade do processo não deve ser dissociada do princípio do devido processo legal, diante do caso concreto o referido princípio tem aplicação cogente para a concretização da justiça. O processo é concomitantemente o instrumento para assegurar o direito material ao jurisdicionado e o instrumento que o Estado utiliza para realizar a sua função jurisdicional e, nesse sentido, não pode se afastar dos seus escopos.
6. referências bibliográficas
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