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Baleia azul: um jogo, vários crimes

22/04/2017 às 02:56
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Nos últimos dias muito se tem falado sobre o jogo denominado “Baleia Azul” e, por se tratar de um jogo mortal, despertou interesse mundial.

1 – ORIGEM DO JOGO

Antes de entrar no mérito dos crimes praticados neste jogo, necessário explicar sua origem, objetivo e as vítimas pretendidas.

O desafio da Baleia azul teve sua origem na Rússia e, através da mídia social chegou ao mundo em pouco tempo. A origem do nome Baleia azul faz referencia a suposta tendência suicida que tem a Baleia Azul, um dos maiores animais marítimos do planeta, pois busca encalhar em locais de difícil resgate na tentativa de suicidar-se, informação que é impugnada pela comunidade cientifica.

O jogo consiste numa série de 50 desafios extremamente perigosos e que tem como finalidade fazer com que no último desafio o participante tire sua própria vida.

A vítima participante desse jogo geralmente tem perfil de pessoas que sofrem de alguma doença emocional, em especial, a depressão. Essas pessoas, por se sentirem rejeitadas, sós e sem qualquer tipo de amparo buscam acabar com o sofrimento pondo um fim nele, tirando sua própria vida.

Essas doenças emocionais são silenciosas, pois na correria do dia a dia, famílias acabam perdendo o contato social com seus membros, não sendo capazes de perceber o quão alguns deles carecem de atenção para então buscar um tratamento psicológico e é nesse momento que aparece um convite que mais parece ser a cura para tal enfermidade, encorajando essas pessoas a dar cabo de sua própria vida.

Não adentraremos na atenção que os pais devem dar aos seus filhos nesses casos, matéria que vem sendo tratada por profissionais da área, nos atendo tão somente aos crimes que rodeio o referido jogo.

1 – FIGURA DO JOGO

O jogo é composto por duas figuras diretas, os Mediadores e as vítimas, e por uma figura indireta, Os incentivadores.

Dentre as figuras acima, Os mediadores e os incentivadores cometem variados crimes, que vão desde a prática de instigar o suicídio, passando pela lesão corporal e concluindo, em última análise a prática do homicídio.

 O jogo aproveita uma situação de desespero de sua potencial vítima para encorajá-lo ao cruel destino da morte. Impõe desafios que visam à “prima face”, demonstrar coragem por parte da vitima, colocando ela num patamar de pessoa capaz de se superar, de aprender, de ser independente. Esses quesitos certamente são compreendidos como uma forma de aliviar o sofrimento e fugir dos problemas enfrentados.

À medida que são aceito os desafios os mediadores vão incrementando a rotina até que se concretize o objetivo, a morte. O jogo instigante traz diversos seguidores e pela facilidade em que os conteúdos transitam pela internet, esses seguidores se incumbem da divulgação de vídeos, textos e convites, aumentando consideravelmente o numero de participantes.

DOS CRIMES PRATICADOS PELO MEDIADOR.

Do crime de instigação ao suicídio. Art 122 CP

Diante de todo esse cenário podemos destacar a existência de vários crimes, o primeiro deles, sem dúvida alguma, é a instigação ao suicídio prevista no artigo 122 do código penal, senão vejamos:

Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

 Parágrafo único - A pena é duplicada:PA

Aumento de pena

I - se o crime é praticado por motivo egoístico;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

O próprio conceito do jogo amolda-se perfeitamente ao tipo penal, pois ao termino dos desafios, mas especificamente no 50º, encontra-se o suicídio.

Nota-se que esse caminho jamais seria trilhado pela vítima se esta não tivesse um mediador orientando e conduzindo a situação.

Para cada vitima que vem a óbito a pena correspondente é de 04 a 12 anos, entendo a perfeita aplicação do parágrafo único  em seus dois incisos. A1 pelo motivo egoístico entendo agir a figura mediadora de forma egoísta, não se importando com as circunstâncias em que a vitima foi atraída e A2, entendendo que a forma como o jogo é conduzido, a base de ameaças e pela própria rotina, em se tratante de vitimas doentes emocionais, tem se diminuído a capacidade de resistência.

Do crime de Lesão corporal – Art 129 CP

O desafio enfrentado pelos participantes tem natureza mortal, sendo sua maioria composta por mutilações do próprio corpo ou exposição a risco iminente de morte.

Caso o participante for resgatado por familiares e/ou policiais antes do ultimo desafio, ou seja, antes de seu suicídio conduzido, o mediador responderá pelo crime de lesão corporal tipificado no artigo 129 do código penal, senão vejamos:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Lesão corporal de natureza grave

§ 1º Se resulta:

I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;

II - perigo de vida;

III - debilidade permanente de membro, sentido ou função;

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de um a cinco anos.

§ 2° Se resulta:

I - Incapacidade permanente para o trabalho;

II - enfermidade incuravel;

III - perda ou inutilização do membro, sentido ou função;

IV - deformidade permanente;

V - aborto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos.

Para este crime, poderá o mediador ser condenado a pena de detenção de 03 meses a 01 ano, se não resultar alguma tipificadora prevista no parágrafo 1º.

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Do crime de ameaça – Art 147 CP

Segundo orientações do mediador, ao iniciar os desafios a vitima não tem mais a liberdade de desistir, sendo obrigada, mediante ameaças a si próprias e a todos os seus familiares, sendo coagindo ir até o final, sob pena de assistir seus familiares sendo mortos.

A ameaça é crime tipificado no artigo 147 do código penal, senão vejamos:

Art. 147Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Trata-se de crime de ação penal privada, condicionada a representação da vítima, todavia, cumpre esclarecer que a pena é aplicada por cada vitima que o representa.

 Do crime de associação criminosa – Art 1º, § 1º, da lei 12.850/2013

Para um jogo de tamanha magnitude não parece razoável que exista apenas um mediador, todavia, quando da condenação por associação criminosa, tal fato deve ser demonstrado, o que não parece ser uma tarefa difícil.

Para concretização do crime alguns requisitos são necessários, senão vejamos:

Art. 1o  Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.

§ 1o  Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Portanto, demonstrado os requisitos presentes no § 1º, possível indiciamento e futura condenação.

Do crime de homicídio – Art 121 CP

O crime de homicídio, muito embora ainda seja uma tese para ser aprofundada pode ser encaixada como crime praticado neste jogo.

O crime de Homicídio é bastante especifico, seja ela em sua forma dolosa ou culposa, portanto, para enquadrá-lo no caso do jogo baleia azul, a investigação deve trazer provas robustas e que caminham nesse sentido, pois em primeiro momento, a tese de indução ao suicídio parece ser a mais correta.

Todavia, levando em consideração que o objetivo é a morte da vitima com o cumprimento do desafio (animus do agente) e levando em consideração que os meios já são previamente definidos para alcance do resultado é possível uma condenação por homicídio doloso.

Portanto, caso o mediador seja identificado, ela pode ser punido com até 05 tipos variados de crime, considerando cada vitima, podendo permanecer por anos e até mesmo o resto de sua vida encarcerado.

DOS CRIMES PRATICADOS PELO INCENTIVADOR.

Espalhar vídeos com tais conteúdos pode ser uma pratica de indução ao suicídio, ainda que indireta, pois o incentivador ao jogar na rede os vídeos de desafios, de propaganda de tal conteúdo, estará certamente contribuindo para o alcance de mais vitimas, podendo ser enquadrado pelo artigo 122 do código penal

CONCLUSÃO

Concluímos então que não trata apenas de um jogo de desafios mas sim de uma atividade criminosa e que deve ser encarada com a maior seriedade possível haja vista que as vitimas não tem prazo certo para iniciar mas com prazo definido para finalizar, o que deve ser evitado pelas autoridades competentes e em especial por maior atenção de pais e familiares com as atitudes dos filhos.

 

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Sobre o autor
Rafael Machado

Advogado com atuação em direito civil (Contratos e família) e assessoria jurídica empresarial.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Palavras chaves – Baleia azul, jogo, crimes

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