Consequências jurídicas da flatulência no direito brasileiro

30/04/2017 às 14:52
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Há que se falar em consequências jurídicas da flatulência para o direito brasileiro? Incorre em justa causa na Justiça Trabalhista? Pode constituir ato obsceno a acintosa e deliberada ventosidade intestinal?

"...Por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor). Na vida contratual, todavia, pequenas faltas podem acumular-se como precedentes curriculares negativos, pavimentando o caminho para a justa causa, como ocorreu in casu. Daí porque, a atenção dispensada à inusitada advertência que precedeu a dispensa da reclamante...

Impossível validar a aplicação de punição por flatulência no local de trabalho, vez que se trata de reação orgânica natural à ingestão de alimentos e ar, os quais, combinados com outros elementos presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo, que o organismo necessita expelir, via oral ou anal. ( Processo 0.129.020.052.420.200-9)

RESUMO:     O presente ensaio tem por escopo principal analisar a tipicidade da ventosidade intestinal, apresentando seu conceito, natureza jurídica, a responsabilidade por peido voluntário, conhecer e verificar as consequências jurídicas do instituto do peido no ordenamento jurídico pátrio. Analisa ainda questões de ordem civil, administrativa e penal. Visa por fim preencher uma lacuna existente na doutrina pátria, inclusive com escassas menções no direito comparado.

Palavras-Chave: Direito Penal. Ventosidade Intestinal. Conceito, natureza jurídica, hipóteses legais, conquências jurídicas, direito comparado. Ato obsceno. Tipicidade Penal. Crime Configurado.

Resumen: este ensayo pretende analizar las principales características de ventosidade intestinal, demostrando su concepto, naturaleza jurídica, responsabilidad de fart voluntarios, conocer y verificar que las consecuencias jurídicas de la oficina de fart en el ordenamiento jurídico de la patria. Analiza cuestiones de orden aún civil, administrativo y derecho penal. Pretende finalmente llenar un vacío existente en la doctrina, incluidas las indicaciones dispersas en el derecho comparado.

Palabras clave: penales. Ventosidade intestinal. Concepto, naturaleza jurídica, hipótesis de conquências legal, jurídico, derecho comparado. Obscenidad. Tipicidad. Delito configurado.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. O TERMO “PUM”. 3. NATUREZA JURÍDICA. 4. DA RESPONSABILIDADE POR PEIDO VOLUNTÁRIO. 4.1 Da responsabilidade civil. 4.2 Da responsabilidade administrativa. 4.3. Da responsabilidade penal. 4.3.1- Das diversas hipóteses fáticas. 4. Do dano ambiental. 6. Do Direito comparado. 7. Da flatulência na Justiça do Trabalho. 8. Da Conclusão. Referências bibliográficas.

1. INTRODUÇÃO

Há muito tempo quis publicar este ensaio sobre noções básicas acerca da ventosidade intestinal e sua repercussão jurídica no âmbito penal, cível, administrativo e trabalhista.

Confesso que o receio de enfrentamento de tema tão pouco explorado no direito pátrio, sempre me tocou a ponto de refrear minhas inúmeras intenções e iniciativas em torno desta publicação.

Mesmo sabendo que há julgados na Justiça Brasileira, notadamente na Penal e Trabalhista, não me arrisquei antes, mas como se trata de fato que pode ganhar repercussão jurídica, além daquilo que podemos talvez entender não fugir da esfera de uma falta de educação, ou ausência de valores morais e éticos, ainda que os gases sejam expelidos em decorrência de ato involuntário da pessoa.

Sabemos que a ventosidade intestinal está presente na vida de todo cidadão, do mais recatado ao mais extrovertido, independentemente de sua classe social e de sua formação cultural.

Talvez não tenha a devida relevância para o Direito Penal, ramo jurídico que se destina a proteger os direitos mais importantes da sociedade, não obstante, ter sido já levado à apreciação do aparelho repressor estatal, mas noutro sentido, não se olvida da sua apreciação por intermédio de outros ramos do direito, em face da imprevisibilidade dos fatos da vida em sociedade.

Em face disso, apresentaremos algumas linhas perfunctórias acerca do tema por se tratar de assunto presente na vida social, inclusive, com decisões na esfera da Justiça do Trabalho que, já decidiu a respeito da flatulência não ser considerada motivo de justa causa para demissão do trabalho.

2. O TERMO “PUM”

O termo em apreço resulta da figura de linguagem onomatopéia, e quer expressar o som produzido pela emissão de ventosidade intestinal decorrente da diferença de pressão medida entre a parte interior do corpo do sujeito ativo e o meio externo no qual se encontra inserido.

  Ilustra o festejado linguista Aurélio Buarque de Holanda, em sua incomparável obra, teve a oportunidade de definir o “pum”:

“Pum: designa estrondo ou detonação, e também peido, traque, pu [1]

E atribui, assim, como os autores da presente, a origem do termo à onomatopéia, assim entendida como a palavra cuja pronúncia imita o som natural da coisa significada.

  Flato, do latim flatus, significa sopro e é uma composição de gases altamente variável, expelida pelo ânus.

 É formado por parte do ar que engolimos, que é quase só nitrogênio e dióxido de carbono, pois o organismo absorve o oxigênio, e gases resultantes das reações químicas entre ácido estomacal, fluidos intestinais e flora bacteriana.

Ou seja, dióxido de carbono, hidrogênio e metano. Em média, uma pessoa produz cerca de um litro de peido por dia, distribuído em cerca de 14 peidos diários.

3. NATUREZA JURÍDICA.

O pum, peido, traque, regionalmente conhecida em Minas Gerais como bufa, tem, indubitavelmente a natureza jurídica de fato jurígeno, lato sensu.

Entrementes, quer nos parecer que se presente o elemento volitivo, qual seja a vontade livre e consciente de expelir os gases, assume a feição, nessa última hipótese, de ato jurídico.

Assim, é pertinente cogitar de seus efeitos jurídicos, tendo em vista que toda ação humana, dominada ou ao menos dominável pela vontade, pode dar ensejo à tríplice responsabilidade, cível, penal e administrativa.

4. DA RESPONSABILIDADE POR PEIDO VOLUNTÁRIO.

Entende-se por responsabilidade a obrigação de reparar o dano causado por ação ou omissão voluntária a outrem.

O Direito reconhece a existência de responsabilidade comum e a responsabilidade penal, esta última sempre pessoal.

4.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL.

Dispõe o Código Civil em seu artigo 186 e seguintes:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.

A responsabilidade civil projeta seus efeitos sobre o patrimônio do responsável, inspirada pelos preceitos da lex poeteria papiria que afastou os castigos corporais, limitando toda interferência do credor à agressão ao conjunto de bens do devedor.

A doutrina majoritária elenca como elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão, o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado.

Por fim o elemento volitivo, consistente na intenção de dar causa ao resultado ou ao menos a culpa stricto sensu.

Retirando desta estrutura o elemento dolo ou culpa temos a denominada responsabilidade objetiva.

Entretanto, lembramos ao leitor que o caso fortuito ( elemento natural ) e a força maior ( elemento humano ) excluem a responsabilidade civil, assim, se inevitável a prática da bufa, não há de se falar em dever de indenizar.

A) DANO MATERIAL.

Antes da análise do cerne da questão é importante considerar que conforme enunciado da Súmula 37 do STJ, são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

Assim, caso o autor solte um tremendo peido, a emitir um estrondo, causando espanto e queda da vítima que transitava distraída por uma avenida movimentada, vindo a causar-lhe ferimentos, nasce para o autor do evento o dever de indenizar a vítima com as despesas do tratamento hospitalar e com aquisição dos medicamentos.

Ainda terá que arcar com os lucros cessantes pelo tempo que a vítima ficou em inatividade.

B) DANO MORAL.

Assim, a prática voluntária de ventosidades intestinais pode caracterizar conduta a ensejar indenização por dano moral.

Imaginamos a hipótese de um colega de turma de uma Universidade do curso de Direito, durante a exposição de uma aula de Direito Penal, numa turma de 50 alunos, se dirige a frente dos colegas e desfecha um peido na cara de uma das colegas, causando-lhe grande constrangimento.

Segundo define nossos Tribunais Superiores, dano moral é aquele que afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa.

Doutrinadores têm defendido que o prejuízo moral que alguém diz ter sofrido é provado in re ipsa (pela força dos próprios fatos).

Pela dimensão do fato, é impossível deixar de imaginar em determinados casos que o prejuízo aconteceu – por exemplo, receber um peido na cara na frente de uma turma de universitários.

4.2 DA RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA.

Em se tratando de servidores públicos, normalmente o órgão da Administração Pública possui estatuto próprio com definição das condutas que constituem faltas administrativas.

Normalmente toda ação ou omissão contrária às disposições e aos deveres do servidor, ainda que constitua infração penal, será considerada transgressão disciplinar.

O servidor público na condição de atividade pode cometer desvios de conduta. Imaginamos que um servidor venha a peidar dolosamente na repartição pública, na frente de colegas de trabalho e de usuários do serviço público.

Isso pode ser definido como prática de vícios atentatórios à moral e aos bons costumes.

Em se tratando de ato involuntário, pode a Administração Pública deixar de aplicar a punição por se tratar de inexigibilidade de conduta diversa, no caso do servidor com a vontade de peidar afastar-se um pouco a bunda do assento ocasionando o chamado peido acidental.

4.3. DA RESPONSABILIDADE PENAL.

Se o acusado tinha a intenção de peidar e acaba por defecar nas calças, ocorre aberratio ictus, resultado diverso do pretendido, nos termos do art. 20 do CP. 

Há correntes doutrinárias que consideram o soltar "PUM" como sendo tipo penal de Ato Obsceno, previsto no artigo 233 do Código Penal.

Ato obsceno

Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: 

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

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O Desembargador Paulo Rangel, TJ/RJ, comenta um caso de Processo Criminal, narrando o seguinte fato:

"Consta aqui da denúncia oferecida pelo Ministério Público que o senhor no dia x, do mês e ano tal, a tantas horas, no bairro h, dentro da agência bancária Y, o senhor, com vontade livre e consciente de ultrajar o pudor público, praticou ventosidade intestinal, depois de olhar para o guarda de forma debochada, causando odor insuportável a todas as pessoas daquela agência bancária, fato, que, por si só, impediu que pessoas pudessem ficar na fila, passando o senhor a ser o primeiro da fila".

Na audiência de instrução e julgamento o réu confessou espontaneamente a prática do crime:

" Quando eu tentei entrar no banco o segurança pediu para eu abrir minha bolsa quando a porta giratória travou, eu abri. A porta continuou travada e ele pediu para eu levantar a minha blusa, eu levantei. A porta continuou travada. Ele pediu para eu tirar os sapatos eu tirei, mas a porta continuou travada. Aí ele pediu para eu tirar o cinto da calça, eu tirei, mas a porta não abriu. Por último, ele pediu para eu tirar todos os metais que tinha no bolso e a porta continuou não abrindo. O gerente veio e disse que ele podia abrir a porta, mas que ele me revistasse. Eu não sou bandido. Protestei e eles disseram que eu só entraria na agência se fosse revistado e aí eu fingi que deixaria só para poder entrar. Quando ele veio botar a mão em cima de mim me revistando, passando a mão pelo meu corpo, eu fiquei nervoso e, sem querer, soltei um pum na cara dele e ele ficou possesso de raiva e me prendeu. Por isso que estou aqui, mas não fiz de propósito e sim de nervoso. Passei mal com todo aquele constrangimento das pessoas ficarem me olhando como seu eu fosse um bandido e eu não sou. Sou um trabalhador. Peidão sim, mas trabalhador e honesto".

Para o Professor Damásio Evangelista de Jesus, a prática de ventosidade intestinal não configura o delito do art. 233" (JTACrim 46:348) (In: DAMÁSIO, op. cit., p. 616).

"Veja-se, por absurdo que possa parecer, o julgado extinto TACrim-SP, publicado na JTACrimSP, 46:348, em que se chegou à feliz conclusão de que ventosidade intestinal não configurava o delito em estudo. Isso quer significar que alguém foi indiciado por ter, acredito que dolosamente, soltado gases em público, o que fez com que o Ministério Público denunciasse o sujeito por ato obsceno, sendo, afinal, absolvido da acusação, ao que parece, pelo Tribunal de Alçada paulista.

Pelo que se pode presumir do julgado, alguém, numa situação de aperto, ou mesmo por falta de educação, permitiu a saída de gases intestinais. Outra pessoa, sentindo-se constrangida com o comportamento praticado pelo agente, levou a notícia do fato à autoridade policial, que, a seu turno, inaugurou inquérito policial. O Ministério Público, ao tomar conhecimento dos fatos narrados no inquérito policial, entendendo pelo delito de ato obsceno, denunciou o autor da flatulência. A que ponto nós chegamos! Deflagrar toda a máquina judiciária para apurar se alguém, efetivamente, soltou gases intestinais em público?! Imaginem o constrangimento a que se submeteu o sujeito, em se ver conduzido à Justiça por esse fato absurdo!

Não podemos, portanto, cair no ridículo, pois o ato considerado obsceno deverá ser aquele que tenha relevância a ponto de criar uma situação de escândalo, de constrangimento para as pessoas que o presenciam". (http://docs11.minhateca.com.br/194758439,BR,0,0,ATO-OBSCENO.doc)

4.3.1- DAS DIVERSAS HIPÓTESES FÁTICAS.

1º CASO:  AUTOR QUE DOLOSAMENTE SOLTA UM "PUM" DURANTE UMA AUDIÊNCIA NO FÓRUM OU NUMA DELEGACIA DE POLÍCIA CIVIL. CRIME CARACTERIZADO

O fato de peidar deliberadamente numa audiência pode caracterizar crime de desacato. O delito em apreço é previsto no artigo 331 do CP, com a descrição de desacatar  funcionário  público no exercício da função ou em razão dela, cuja pena é  detenção, de 6  meses a 2 anos, ou multa.

A competência é do juizado especial criminal, por se tratar de delito de menor potencial ofensivo.

O bem jurídico protegido e o interesse em se assegurar o normal funcionamento do Estado, protegendo o prestígio do exercício da função pública.

O desacato é um crime comum, pode ser praticado por qualquer pessoa. Funcionário público também pode ser sujeito ativo do crime de desacato. O sujeito passivo do crime de desacato é o Estado e, de forma secundária, o funcionário público.

O crime de desacatar consiste na ação de ofender, humilhar, desprezar, menoscabar, desprestigiar o funcionário.

Assim, se durante uma audiência perante um Juiz de Direito ou Delegado de Polícia, o autor de forma livre e consciente soltar um tremendo peido, incendiando todo o ambiente demonstra conduta grave a conspurcar o prestígio da Administração Pública.

Consistem em palavras, gritos, gestos, escritos. Para a configuração do crime, não há a necessidade que o funcionário público se sinta ofendido, bastando que seja insultuoso o fato.

2º CASO: AUTOR QUE TEM CONHECIMENTO DA PARTICULAR CONDIÇÃO DA VÍTIMA, SOLTA UM PEIDO NO INTERIOR DE UM ELEVADOR, CONCORRENDO PARA A MORTE DA VÍTIMA POR ASFIXIA.

Conforme definição doutrinária homicídio é a morte de um homem causada por outro homem.

Assim, perfeitamente cabível a hipótese v.g. do autor que movido por conduta comissiva e dolosa, querendo diretamente o evento morte de seu desafeto, adentra num elevado de um arranha-céu, e durante o deslocamento do elevador, o aparelho apresenta uma pane.

Nesse ínterim, o autor homicida conhecendo a particular condição de saúde respiratória da vítima, solta um violento peido que incendeia todo o ambiente naquele confinamento. A vítima passa mal e sem assistência adequada vem a falecer em função do sufocamento causado pelos gazes emitidos pelo peido.

Sem embargos de entendimentos e posições contrárias, aqui não há como negar o cometimento do injusto penal previsto no artigo 121 do Código Penal, na modalidade qualificada pela asfixia.  

3º CASO:  AUTOR QUE DELIBERADAMENTE ACENDE UM  PEIDO CAUSANDO LESÃO CORPORAL A TERCEIROS.

Segundo informações de especialistas, os puns incluem metano e hidrogênio, ambos são gases inflamáveis. Destarte, colocar um peido em ignição é perigoso.

Não só a chama pode subir de volta para seu cólon, como a sua roupa e o que estiver ao redor pode pegar fogo.

Cerca de 25% das pessoas que o fizeram queimaram as bordas e os cabelinhos do ânus.

Na hipótese de autolesão, não há como punir o peidoreiro de acordo com o nosso ordenamento jurídico, a exceção da lesão causada com objeto de indenizações previdenciárias, artigo 171, § 1º, inciso V, do Código Penal, ou ainda para se furtar do serviço militar obrigatório, conforme Código Penal Militar.

Mas em havendo terceira pessoa lesada em função das chamas dos gazes, o autor do peido pode responder pelo resultado lesivo a título de dolo eventual ou culpa nos casos excepcionados pela Lei Penal.

4º CASO: PEIDAR EM CONCURSO MATERIAL, CAUSANDO A MORTE DE ALGUÉM POR ASFIXIA - EFICÁCIA DE UM SÓ PEIDO PARA A CAUSAÇÃO DO EVENTO DANOSO.

Assunto de grande complexidade e de alta indagação. Imaginamos que duas pessoas peidam simultaneamente, ambas querendo o resultado morte da vítima na hipótese do elevador estragado causando o evento morte.

Acontece que os autores não sabiam o intuito homicida de cada um, não tendo ingressado no âmbito do conhecimento um do outro, estando ausente o liame subjetivo dos autores, surgindo aquilo que se chama de autoria colateral.

Apura-se que apenas os gazes de um peido desfechado por um dos autores foi o responsável pelo evento morte.

O exame pericial não consegue detalhar qual autor e respectivo peido foi o responsável pelo evento morte. Se houver punição dos autores por crime de homicídio consumado, um deles será injustamente punido.

A melhor solução e mais justa e equânime para o caso hipotético seria a punição dos dois autores por crime de homicídio tentado, art. 121 c/c art. 14-II do Código Penal Brasileiro.  

5. DO DANO AMBIENTAL.

É regra constitucional de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Dano ambiental, não possui definição legal. Porém, a doutrina entende que: “o dano ambiental deve ser compreendido como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente.

Para Édis Milaré, dano ambiental é “a lesão aos recursos ambientais, com a conseqüente degradação-alteração adversa ou – in pejus – do equilíbrio ecológico e da qualidade ambiental”.

Na hipótese da realização de reunião no Centro de Convenções para tratar de assuntos importantes um grupo de pessoas resolve soltar sucessivos peidos, provocando grande poluição no ambiental, gerando dispersão de pessoas e frustrando aquela reunião em razão do dano ambiental.

6. DO DIREITO COMPARADO.

A Lei antipeido foi proposta pelo governo de Malawi, na África. Assim, torna-se ilegal peidar em público.

Sendo assim, emitir gases em público deixa de ser uma situação deselegante e passará a ser considerado crime.

Quem desobedecer, terá um registo criminal por flatulência.

Contudo, a lei anti-gases gerou maior polêmica pela dificuldade de provar o “crime”, especialmente em locais com grande concentração de pessoas.

Esse fato pode levar a julgamentos e condenações injustas devido à falta de prova material, além do relato de possíveis testemunhas.

Também não ficou claro para a população qual a idade mínima para alguém ser preso por esse crime.

7. DA FLATULÊNCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO

Em matéria a respeito do tema, o repórter da Revista Consultor Jurídico, Daniel Roncaglia, assim publicou:

"...Um funcionário que tenha o hábito de soltar gases durante o expediente pode ser demitido por justa causa? A sonora dúvida mereceu a atenção dos juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) em uma reclamação trabalhista julgada em dezembro de 2007.

A espirituosa resposta do juiz Ricardo Artur Costa e Trigueiros (relator) mostrou que, mesmo não seguindo as regras do bom costume, a flatulência é um ato que independe da vontade da pessoa e, por isso, não pode ter reflexos sobre o contrato de trabalho.

“A eliminação involuntária, conquanto possa gerar constrangimentos e, até mesmo, piadas e brincadeiras, não há de ter reflexo para a vida contratual. Desse modo, não se tem como presumir má-fé por parte da empregada, quanto ao ocorrido, restando insubsistente, por injusta e abusiva, a advertência pespegada, e bem assim, a justa causa que lhe sobreveio”, argumentou Trigueiros. E completou: “o organismo tem que expelir os flatos, e é de experiência comum a todos que, nem sempre pode haver controle da pessoa sobre tais emanações”.

O juiz Trigueiros explicou que “a flatulência constitui uma reação orgânica natural à ingestão de ar e de determinados alimentos com alto teor de fermentação, os quais, combinados com elementos diversos, presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo e necessitam ser expelidos, via oral ou anal, respectivamente sob a forma de eructação (arroto) e flatos (ventosidade, pum)”...

Processo 0.129.020.052.420.200-9

4ª. TURMA PROCESSO TRT/SP

RECURSO: ORDINÁRIO

RECORRENTE: xxxx

RECORRIDO: xxxx

ORIGEM: 2 ª VT DE COTIA

EMENTA: PENA DISCIPLINAR. FLATULÊNCIA NO LOCAL DE TRABALHO. Por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor). Na vida contratual, todavia, pequenas faltas podem acumular-se como precedentes curriculares negativos, pavimentando o caminho para a justa causa, como ocorreu in casu. Daí porque, a atenção dispensada à inusitada advertência que precedeu a dispensa da reclamante.

Impossível validar a aplicação de punição por flatulência no local de trabalho, vez que se trata de reação orgânica natural à ingestão de alimentos e ar, os quais, combinados com outros elementos presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo, que o organismo necessita expelir, via oral ou anal.

8. DA CONCLUSÃO

Após exaustivas pesquisas realizadas nos alfarrábios jurídicos acerca do palpitante tema, chega-se  à conclusão que o assunto ainda é muito incipiente na doutrina brasileira.

Foi possível analisar todas as circunstâncias temáticas, passando pelo conceito, sua natureza jurídica, a responsabilidade civil, administrativa e penal do peido, além do enfrentamento do dano material, moral e ambiental.

Buscou-se também analisar precedentes do direito comparado.

Sabe-se que a ventosidade intestinal está presente em todas as camadas sociais. É um comportamento natural que pode caracterizar falta de educação, portanto, irrelevante penal, ou até mesmo parte da cultura de um povo.

Por se tratar de comportamento que ofende interesse alheio em razão de conduta externa capaz de ultrajar direitos de terceiros conforme a modalidade peidal, o fato pode configurar tipo penal de acordo com a situação fática.

É verdade que em muitos casos, o peido pode constituir apenas uma falta de educação, mas é considerado comportamento altamente reprovável no meio social.

Seria hipocrisia não admitir que a ventosidade intestinal está presente em todo o meio social, inclusive em manifestações filosóficas de banheiros de paradas obrigatórias, de terminais rodoviários e até banheiros de aeroportos.

Há por exemplo filosofias que indicam que o peido é a manifestação de liberdade de alguma coisa oprimida. Seria um grito de liberdade em função da opressão orgânica.

Dizem que a ventosidade intestinal é fato natural, biológico e normal. Isso é verdade.

O anormal é desfechar acintosa e dolosamente a ventosidade intestinal em determinados ambientes, desrespeito às pessoas e às convenções sociais.

E como bem decidiu o excelso Pretório da Justiça do Trabalho, "por princípio, a Justiça não deve ocupar-se de miuçalhas (de minimis non curat pretor).

Na vida contratual, todavia, pequenas faltas podem acumular-se como precedentes curriculares negativos, pavimentando o caminho para a justa causa, como ocorreu in casu.

Daí porque, a atenção dispensada à inusitada advertência que precedeu a dispensa da reclamante.

Impossível validar a aplicação de punição por flatulência no local de trabalho, vez que se trata de reação orgânica natural à ingestão de alimentos e ar, os quais, combinados com outros elementos presentes no corpo humano, resultam em gases que se acumulam no tubo digestivo, que o organismo necessita expelir, via oral ou anal".

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOTELHO, Jeferson. Elementos do Direito Penal. Editora D´Plácido, Belo Horizonte-Minas Gerais, 1ª edição, 20015.

http://www.vocesabia.net/inutilidades/tudo-que-voce-precisa-saber-sobre-o-peido. Acesso em 03 de janeiro de 2013, às 09h09min.

http://politicadeverdetodos.blogspot.com.br/2012/07/peidar-e-crime-corrupcao-e-arte.html. Acesso em 03 de janeiro de 2013, ás 09h10min.

Flatulência não é motivo para demissão, diz TRT de São Paulo. Revista Consultor Jurídico, 27 de fevereiro de 2008, 0h00. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2008-fev-27/flatulencia_nao_motivo_demissao_trt-sp?pagina=5. Acesso em 30 de abril de 2017, às 13h33min.


[1] Holanda, Aurélio Buarque de, Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa – 2ª Edição – Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro – 1999 - p. 1417.

Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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O presente ensaio tem por escopo principal analisar a tipicidade da ventosidade intestinal, apresentando seu conceito, natureza jurídica, a responsabilidade por peido voluntário, conhecer e verificar as conseqüências jurídicas do instituto do peido no ordenamento jurídico pátrio. Analisa ainda questões de ordem civil, administrativa e penal. Visa por fim preencher uma lacuna existente na doutrina pátria, inclusive com escassas menções no direito.

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