Obrigações quase-contratuais e os pactos no Direito Romano

15/05/2017 às 12:50
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O artigo, à luz da doutrina estuda os institutos do contra-contrato e dos pactos no Direito Romano.

I – O QUASE – CONTRATO

O instituto do quase-contrato foi desconhecido dos jurisconsultos romanos como categoria paralela aos contratos. Gaio(III, 91) engloba sob a categoria das obrigationes quae re contrahuntur, ao lado do mútuo, a indebiti repetio, mas depois de ter frisado que esta espécie de obrigações “non videtur ex contractu consistere quia is, qui solvendi animo dat, magis distrahere vult negotium quam contrahere”. Com ela e com as outras espécies afins não constrói uma nova classe de fontes de obrigações, uma vez que todas as que não sejam um contrato ou um débito entram nas varie causarum figurae, casos heterogêneos que completam e fecham o elenco das fontes e não se deixam ser fixados em tipos ou categorias definidas. O conceito, segundo Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, volume II, terceira edição, pág. 376), surge na decadência, com a escola do Oriente, que da semelhança notada por Gaio e confirmada mais tarde como tal, tirou sem mais nada uma figura nova, o quase-contrato, no qual englobou vários fatos: a gestio negotium, a gestio da tutela ou da curatela, a condictio indebiti e, em geral, as outras conditiones fundadas num enriquecimento injusto, e a comunhão incidental.

Segundo o Digesto, os Aurei de Gaio enumeravam, como obrigações que surgem quase ex contractu a negotiorum gestio, a tutela, o legado, e o pagamento indevido. Justiniano, nas Institutas, acrescenta-lhes a comunhão incidente.

O conceito de quase-contrato entrou na dogmática moderna e nos códigos do tipo francês, sem que uma determinação mais precisa dos contornos e dos caracteres do quase-contrato consiga tirar-lhe o que já se tinha de vago e de indeterminado. Dizia o artigo 1.140 do Código Civil italiano, revogado, que “o quase-contrato é um fato voluntário e lícito, do qual resulta uma obrigação para um terceiro ou uma obrigação recíproca entre as partes”. Ao falar-se de fato, excluía-se que houvesse acordo, isto é contrato, e, se por se acrescentar “lícito” se exclui que  tenha havido  um delito, nada mais de concreto e positivo fica: que se trata de um fato ao qual o ordenamento liga o aparecimento de uma obrigação, como ensinou Ruggiero(obra citada, pág. 377).

a) gestão de negócios 

A gestão de negócios, como o mandato, surgiu, quando a partir do século VI, as ausências se multiplicaram devido a maior frequência de guerras longínquas e ao desenvolvimento do comércio, sobretudo o comércio marítimo. Reconheceu-se ao pretor no interesse dos mortos e dos ausentes, em casos estritos, mas no fim da República foi alargada para compreender todos os atos de administração do patrimônio.

A gestão de negócios ocorria, em Roma, quando uma pessoa administrava um ou mais negócios de uma outra sem dela houvesse recebido mandato. No direito clássico, não era necessário que a administração recaísse sobre o patrimônio alheio em sua totalidade, podendo versar apenas sobre um certo negócio.

A gestão de negócios era considerada indispensável se houvesse um ato de ingerência em negócio alheio. A princípio bastava a não oposição do dominus negotti, mas tarde exigia-se a sua total ignorância, entendendo-se que o seu conhecimento configurava um mandato. Era ainda indispensável que o negócio fosse alheio e que houvesse o propósito de geri-lo no interesse do dominus, de modo que a administração de negócio próprio na crença de ser alheio não constituía a gestão de negócios e tampouco a administração de negócio alheio no próprio interesse.

A gestão de negócios criava, no direito romano, para o gestor, as obrigações seguintes: prestar contas ao dominus e transferir-lhe todos os proveitos que acaso houvesse aferido; concluir a administração que iniciou e ter a diligência de um bom pai de famílila(culpa levis). Responde por dolo e culpa leve somente se os atos de administração eram urgentemente exigidos e  que o dominus não faria. Suas obrigações perduram após a morte do dominus.

O dominus, por sua vez, era obrigado a reembolsar o gestor de suas despesas e assumir todas as obrigações que ele contraiu durante a gestão, na medida em que foi feita em seu interesse. A retificação pelo dominus dos atos do gestor equivale ao mandato, no sentido de que, depois dela, ao dominus não era possível discordar dos atos que o gestor havia praticado.

Ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 398) que alguns juristas clássicos concediam ao gestor, uma gestão  nolente et specialiter prohibente, a actio negotiorum gestorum, ou pelo menos utilils, ao passo que outros a negavam.

No direito romano, uma forma especial de gestão, realizava quem fizesse um funeral sem haver recebido qualquer mandato e sem o animus de agir pietatis causa, mas em lugar da pessoa encarregada dessa tarefa. O pretor dava-lhe contra esta a actio funeraria, para reembolsar as despesas feitas, que se aferiam na base da posição social e econômica do defunto. Justiniano permitiu que a actio funeraria pudesse ser intentada ainda que o funeral fosse realizado prohibente domino, o que não seria possível com a actio negotiorum gestorum.

Modernamente, à luz dos ensinamentos de Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, III volume, terceira edição, pág. 579) se  dão os requisitos da negotionum gestio:

a) É  preciso, antes de mais nada, um ou mais atos de gestão; qualquer negócio jurídico pode fazer parte dela, tenha ou não conteúdo patrimonial, desde que seja suscetível de ser governado pela vontade de uma pessoa diversa da do verdadeiro titular. Tais negócios serão, pois: aquisições ou alienações de coisas, de dinheiro sobre coisas; de crédito, pagamentos ou outros modos de extinção dos débitos;

b) Deve o negócio ser alheio. Não pode um negócio que seja própria do gestor obrigar para com este um terceiro, a quem o negócio não respeite, ao passo que se é em parte próprio e em parte alheio, não há gestão senão quando à parte que seja alheia. É peciso uma relação efetiva entre o negócio gerido e o dominus, para que se possa dizer que é alheio, não influindo sobre esta qualidade de alheio o erro eventual do gestor acerca da pessoa do dominus, como que tenha julgado que pertencia a pessoa diversa;

c) Se fara necessário no gestor, além do encargo voluntário do negócio, a intenção de gerir um negocio alheio; isto é, o ânimus de administrar por conta de um outro para vantagem do qual aquele reserva o efeito útil da gestão, e o propósito de vincular a si o gerido. Isso constitui o momento mais saliente da gestão;

d) Se ao lado deste animus do gestor se deva pôr ainda como requisito a ignorãncia do dominus, é questão a ser debatida. Os escritores que exigem partem do pressuposto que a consciência que o interessado tenha da gestão empreendida por um terceiro, transforme o quase-contrato em mandato, considerando como tacitamente conferido o encargo. Mas nem todos os casos de conhecimento se podem interpretar como manifestação tácita da vontade e deve assim excluir-se como requisito que a gestão seja assumida inscio domino, mantendo-se firme o princípio que as regras do quase-contrato vigoram, salvo que a scientia possa no caso concreto considerar-se como consenso.

Discutia-se, no direito romano, se a gestão foi assumida precisamente contra a proibição do interessado. Parecia dever aqui decidir-se que o gestor não só fosse responsável por um fato ilicito, por causa da invasão arbitrária da esfera patrimonia alheia, mas não devesse sequer ser admitido a rever do dominus as despesas feitas, quase como pena do seu ato ilegítimo. No direito romano, com Justiniano(1,24 C.2,18(19), e assim é resolvida no direito moderno. Mas salientou Ruggiero(obra citada) o que se segue: "mas se se deve ter firme a primeira consequência, e tornar o gestor responsável opr qualquer dano, não se pode no direito moderno manter também a segunda e negar ao gestor prohibente domino a ação de in rem verso para conseguir o reembolso das despesas nos limites em que o patrimônio do outro realmente se enriqueceu", como se lê ainda de Atzeri, Pacchioni, Scialoja(Foro, 1889, pág. 941 - Della neg. gestio prohibente domino).

São obrigações do gestor, como já se via do direito romano: 

a) É ele obrigado a usar na sua administração todos os cuidados de um bom pai de familia, atendendo, principalmente, ao que o próprio interessado teria feito, mas sem qeu isto constitua um liimite imperecível para a sua atividade;

b) Deve continuar a gestão e levá-la ao fim, enquanto o interessado não esteja em condições de agir ele próprio;

c) É  obrigado a restituir ao interessado tudo o que tem nas suas mãos por efeito da gestão e bem assim a prestar contas dela, respondendo não só pelas coisas e somas recebidas, mas também pelos juros recebidos ou por aqueles que teria podido receber, empregando-os de acordo com os critério de uma sã administração.

São obrigações do interessado:

a) Quando o negócio foi bem administrado, o gestor tem um direito de crédito contra o dominus para ser reembolsado de todas as despesas necessárias e úteis feitas. Mas é requisito para a existência desse direito que o negócio tenha sido vantajoso para o interessado. Para decidir se se verifica a utilitas da gestão, deve olhar-se, entretanto, ao momento em que teve lugar e não ao êxito final, isto é, é suficiente uma utilidade inicial, pois que, quando toda a vantagem se tenha depois perdido, nao se pode dizer que o gestor nao tenha tratado com vantagem do negócio alheio, como ensinou Pachioni(In requisito dell' utilires coeptum(Riv. dir. comm. 1911, II, pág. 825);

b) sob o mesmo pressuposto, o interessado é obrigado a cumprir as obrigações contraídas em seu nome pelo gestor e a liberá--lo das que pessoalmente assumiu, como se lê do artigo 2.031, do Código CIvil Italiano.

Por outro lado, os romanos entendiam que a tutela e a curatela eram, de certa maneira, formas de gestão de negócios. Justiniano transformou esta ação numa actio tutelae, que podia ser utilizada em ambos os casos.

b)legados 

Os legados ainda figuram, no direito romano, na lista dos quase-contratos. No direito clássico engendravam obrigação entre o herdeiro e o legatário, os legados per damnationem e sinendi modo. No direito de Justiniano, abolida a sollemnitas verborum dos legados, todos eles têm uma força obrigatória que se procura explicar pela categoria dos quase-contratos.

c) pagamento indevido 

Um  outro quase-contrato, no direito romano, foi o pagamento indevido.

A restituição do indevido pertence ao mais amplo conceito do enriquecimento sem causa, pressuposto de um pagamento feito quando não existia vínculo ou, ainda que existisse, quando ele não estava isento de exceções ou defesas que podiam ter-lhe paralisado a eficácia.

Assim quando alguém recebe de outrem uma coisa que de todo não lhe é devida ou não lhe é devida por quem paga, gera-se entre as duas partes uma obrigação, que, não assentando nem sobre o acordo nem sobre o ato ilicito, a dogmática diz ser fundada num quase-contrato. Quem recebeu é obrigado a restituir para reintegrar o patrimônio do solvens, o qual se depauperou sem causa, tal como sem causa se enriqueceu o do accipiens. Dá-se assim uma ação chamada condictio indebiti, que não é, em direito romano, mais do que uma espécie das várias condictiones sine causa, com as quais se pretendia  eliminar um enriquecimento injusto: a condictio ob causam datorum, na qual se pressupõe um fato futuro que vem a faltar, tendo-se dado qualquer coisa em virtude de uma contraprestação que depois nâo se faz: a condictio ob causam finitam, na qual a referência é a um fato passado, tendo-se feito uma prestação com base numa relação jurídica que cessou; a condictio indebiti quando a prestação se refere ao presente, tendo-se dado para pagar uma obrigação que não existe; e a condictio ob turpem vel injustam causam quando a causa pela qual se deu é reprovada pelo direito ou vinha a ser contrária aos bons costumes.

A razão verdadeira e última da restituição está no injusto enriquecimento que se produzia no patrimônio de um à custa de outro, se esse não tivesse uma ação  para obter a restituição. Diga-se que não importa que o erro seja desculpável ou indesculpável, que seja um erro de fato ou um erro de direito ; a restituição é sempre admitida.

Os quase-contratos, como os contratos, no direito romano, criam um vínculo obrigatório e são sancionados por uma ação reipersecutória, mas dele se diferenciam por prescindir do consentimento das partes.

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Segundo o Digesto, os Aurei de Gaio enumeravam, como obrigações que surgem como quasi ex contractu a negotiorum gestio(gestão de negócios), a tutela, o legado e o pagamento indevido.

Dá-se o pagamento indevido quando a obrigação que o pagamento procura extinguir, não existe ou não pode ser paralisada por uma exceção peremptória. Faltando a causa do pagamento, verifica-se para um acccipiens um verdadeiro enriquecimento injusto.

A obrigação do accipiens é de restituir o que recebeu sem causa. Consiste o enriquecimento injusto no acréscimo patrimonial baseado numa causa inexistente ou juridicamente ineficaz. Essa teoria, segundo informou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 399), foi idealizada  pelos jurisconsultos do fim da República, talvez como reflexo da filosofia grega, e se consubstancia no princípio de que se pode repetir aquilo que alguém conserva injustamente. A ação chamada a sancioná-la foi a conditio, cujo caráter abstrato permitiu mais essa aplicação e que aqui se denominou genericamente condictio sine causa. Essa teoria não se revestiu de amplitude que a caracteriza no direito moderno. No direito romano, o seu domínio se restringiu, além do pagamento indevido, à datio ob rem, à datio ob turpem causam e à datio sem causa ou com causa ilícita.

No direito romano, do pagamento indevido são elementos, em primeiro lugar: o pagamento, depois uma obrigação nula, já paga, condicional mas não ainda exigível, paralisável por uma exceção perpétua ou alheia, não porém uma obrigação natural, em seguida o erro escusável e não grosseiro, de fato e não de direito(salvo de mulheres e crianças) e enfim não versar sobre dívida que cresça  ao dobro dos que contestam a sua legitimidade.

Pelas fontes romanas, quem pagou o indevido tinha  o direito de repetir tudo o que pagou e os frutos que por acaso houver, mas apenas na medida em que se verificou o enriquecimento. A ação idônea era a condictio indebiti.

Um  outro caso de enriquecimento injusto ocorria com a transferência(datio) de uma coisa com a intenção de obter uma contraprestação que não é feita. A ação com a qual se podia repetir a coisa era a condictio ob rem dati, ob causam datorum.

No direito justiniâneo a condictio ob turpem vel iniustam causam se desdobra na condictio ob turpem causa, que tem a mesma aplicação e a condictio ob iniustam causam que é o remédio adequado para evitar o enriquecimento oriundo de delito ou de ato imoral proibido pela lei, como a percepção de juros ilegais ou dos frutos de coisa alheia possuída de má-fé.

O enriquecimento injusto poderia ser sancionado também pelas ações certae pecuniae e certae rei, quando fosse certo, e pela condictio incerti, quando fosse incerto.

A datio ou a promissio podia também ser feita em vista de uma causa determinada que não existia, que não ocorria ou que deixara de existir. A condictio intentável era uma condictio sine causa, no sentido estrito.

Os estudiosos ensinaram que o Código Civil alemão e o Código Civil de 1916 não reproduziram, avisadamente, a regra geral do enriquecimento injusto, como a postularam os romanos.

Quem pagou o indevido tem o direito de repetir todo o que pagou e os frutos que por acaso houver, mas apenas na medida em que se verificou o enriquecimento. A ação idônea, em Roma, era a condictio indebiti.

Um outro caso de enriquecimento injusto ocorre com a transferência(datio) de uma coisa com a intenção de obter uma contraprestação(ob rem) que não é feita(si ob rem datur, re non secuta). A ação  com a qual se podia repetir a coisa era condictio ob rem dati, ob causam datorum. Os estudiosos informam que, mais tarde, alarga-se a esfera de aplicação dessa condictio, a qual não mais se aplica apenas ao dare mas ainda ao facere, e, então, os estudiosos romanos, compiladores de Justiniano, a chamam de condictio causa data causa non secuta.

Quando a datio era feita para obter uma contraprestação positiva ou negativa e ilícita por parte do accipiens, ainda que fosse cumprida, cabia uma outra condictio, a condictio ob turpem vel iniustam causam. Era necessário que por parte do dans não houvesse torpeza; quando a torpeza era bilateral não havia lugar a condictio, vencendo o possuidor do objeto dado.

O enriquecimento injusto podia ser sancionado ainda pelas ações certae pecuniae e certae rei, quando fosse certo, e pela condictio incerti quando fosse incerto.

d) tutela e curatela 

Fala-se na tutela e na curatela. 

O que é tutela?

É o encargo atribuído pela Justiça a um adulto capaz, para que proteja, zele, guarde, oriente, responsabilize-se e administre os bens de crianças e adolescentes cujos pais são falecidos ou estejam ausentes até que completem 18 anos de idade.


O que é curatela?

É o encargo atribuído pelo Juiz a um adulto capaz, para que proteja, zele, guarde, oriente, responsabilize-se e administre os bens de pessoas judicialmente declaradas incapazes, que em virtude de má formação congênita, transtornos mentais, dependência química ou doenças neurológicas estejam incapacitadas para reger os atos da vida civil, ou seja, compreender a amplitude e as conseqüências de suas ações e decisões (impossibilitadas de assinar contratos, casar, vender e comprar, movimentar conta bancária, etc).

Em Roma,  incapacidade deriva de certas insuficiências naturais, normais ou não, oriundas da idade, do sexo, da loucura e da prodigalidade. Essas insuficiências podiam, em Roma, ser suprimidas se se colocava, ao lado do incapaz, alguém que assistia a seus atos. A uma tal pessoa dava-se o nome de tutor ou curador. 

A tutela e a curatela distinguiam-se por corrigirem, respectivamente, incapacidades normais(idade e sexo) e anormais(loucura e prodigalidade). 

No direito romano  antigo a tutela era instituída no interesse do tutor e refletia interesses absolutamente privados. Todavia, de uam vis ac potestas, ela se transformou, na época classica, em um manus ou officium organizada no interesse do incapaz e não no do tutor. 

A tutela dos impúberes(tutela impuberum) podia ser testamentária, legítima e honorária ou deferida pelo magistrado. 

A tutela testamentária era estabelecida pelo paterfamilias em seu testamento para os impúberes que ele tinha em seu poder e que se tornava sui iuris com a sua morte. A princípio, sujeitava-se às regras formalísticas do testamento, devendo ser feita, necessariamente, após a instituição do herdeiro; na época clássica, desvencilhava-se delas, podendo ser feita em qualquer lugar do testamento, até mesmo em codicilos, e é válida ainda que o testamento se torne ineficaz. Admitiu-se ainda que a mãe, um parente próximo, o patrono, o pai natural ou um estranho pudessem nomear tutor por testamento, mas, salvo se feita por ascendente masculino, a nomeação precisava ser retificada por um prévio inquérito do magistrado. 

A tutela legítima ocorria quando faltasse ou fôsse ineficaz a tutela testamentária. 

A tutela honorária, ainda chamada de atiliana, ou, no direito justiniâneo, dativa, antes de 186 a.c e depois foi estendida à província pelas leis Iulila e Tilia. Ocorria na falta de tutor testamentário ou legítimo e era deferida pelo magistrado, ou pretor urbano assistido pela maioria dos tribunos da plebe e, nas provincias, pelos presidentes. No direito justiniâneo é competente o Praefectus urbi, o presidente da proviíncia e os magistrados municipais em presença do bispo. Os magistrados superiores só intervém quando os bens do pupilo ultrapassassem uma certa quantia e então procedem a um inquérito para garantir a idoneidade do tutor. 

A principio o tutor legítimo podia transferir o exercício da tutela, mediante as formalidades da in iure cessio, a um estranho. Com a morte ou capitis deminutio deste, a tutela retornava ao tutor legítimo. Se a tutela se extinguisse nele, tutor era quem ocupava o grau seguinte. O tutor testamentário podia exonerar-se definitivamente de suas funções, mas ao tutor dativo não era lícito rejeitá-las ou cedê-las, embora pudesse indicar alguém mais idôneo para exercê-las. 

Mais tarde, em Roma, ao passo que se proibiu a cessão da tutela impuberum, criou-se uma série de incapacidades e escusas legitimas. Eram incapazes de assumir a tutela os surdos, os mudos, os cegos, os loucos, os soldados, sob Justiniano os menores de 25 anos, os monges, os bipos, os credores e devedores do pubilo. 

Os poderes do tutor eram, na antiga tutela, os mais amplos possíveis. Ele  podia dispor dos bens do pupilo como quisesse. No direito clássico, as restrições a esses poderes aumentaram. Estabeleceu-se que, quando o tutor tivesse um processo contra o pupilo, o pretor nomeasse um tutor especial para defender este último. 

O menor tinha sempre a faculdade de interpor a in integrum restituo para anular o ato do tutor viciado de lesão. 

O tutor era obrigado, no começo da tutela, a fazer um inventário dos bens do pupilo e a declarar os créditos que tem perante ele; na falta do inventário, poderia o pupilo reclamar os seus bens pelo simples juramento de que é seu proprietário Os tutores legitimos e os nomeados pelos magistrados municipais sem inquérito deviam ainda, antes de assumir a tutela, prometer com a garantia de cauções, preservar os bens do pupilo. Durante a tutela, podiam, a partir de certa época, os parentes do próprio recorrer ao cõnsul em face da negligência do tutor. 

As XII Tábuas sancionaram a responsabilidade do tutor com duas ações, a accusatio suspecti tutoris e a actio rationibus distrahendis. A primeira destinava-se à destituição do tutor testamentário de má-fé que abusasse de seus poderes; era infamante e podia ser intentada por qualquer interessadoi, exceto pelo próprio impúbere. A segunda visava a proteger o pupilo contra a malversação do tutor legítimo e o punia no dobro do prejuízo causado. No direito justiniâneo essas ações podiam ser propostas contra qualquer credor. 

A actio tutelae era uma ação pessoa, de modo que, diante da insolvência do tutor, o pupilo se nivelava com os outros credores. 

Havia, em Roma, uma tutela de mulheres que decorria ou da debilidade intelectual ou de uma certa leviandade que envolveria os atos femininos. 

A tutela testamentária nascia da nomeação feita pelo paterfamilias de um tutor no testamento para a filha impúbere ou a mulher. Podia ainda conferir-lhe o direito de escolher um tutor ou mais de um, conforme os negócios, ou de mudar de tutor a seu critério, sem qualquer restrição. 

A tutela das mulheres ingênuas era deferida pela Lei das XII Tábuas aos agnados e aos gentis. 

Em Roma, o único processo de tutela feminina era a auctoritatis. 

Ainda, em Roma, a tutela das mulheres, desde o primeiro século, cai em franco declínio. o tutor podia ser constrangido a dar a sua auctoritas, a ser substituído em casos muito frequentes. 

Fala-se na curatela. 

Os principais tipos de curatela eram a curatela dos loucos, a dos pródigos e a dos menores de 25 anos, as duas primeiras criadas pelas XII Tábuas e a última organizada pelo pretor. 

A curatela dos loucos consisia em sujeitá-los à potestas dos agnados( diz-se da relação que existe entre duas pessoas que têm um antepassado comum através da descendência na linha masculina direta; parente pela linha masculina) e dos gentis se não tivessem um custos, isto é, um pai ou um tutor. O curador tinha os poderes mais latos sobre as pessoas e os bens do louco, os quais podia alienar. 

A curatela dos pródigos era deferida pelas XII Tábuas aos agnados. O pretor pronununcia uma interdição de gerir os bens contra o pródigo que os recebesse ab intestato do ascendente masculino e que tivesse filhos. Não podia ele então praticar atos per aes et libram, como testamentos e mancipações, nem contrair obrigações ou fazer alienações. Mais tarde a curatela estende-se ao pródigo herdeiro testamentário ou de bens não oriundos de ascendentes; a incapacidade do pródigo reduz-se, como a dos pubertati proximi, aos atos que pioram sua situçaão e, no Baixo Império, bastava o consentimento do curador para validar o ato do pródigo. 

O pretor criou uma exceptio legis Plactoriae, que possibilitava ao menor de 25 anos não executar o ato que foi levado a realizar por dolo; e da restitutio in integrum propter aetatem em virtude da qual o menor de 25 anos obtém, em um ano, a partir da maioridade e, depois de Justiniano, em quatro anos, a rescisão do ato, sem que tenha sido doloso, entretanto, tenha lhe causado uma lesão. 

No direito pós-clássico o curador torna-se um administrador geral e obrigatório para todos os menores de ambos os sexos, os quais, eram, portanto, incapazes, faltando-lhe a capacidade de diminuir o seu patrimônio, como sucedia com o prodigo interdito. O curador para suprir a essa incapacidade, procede com a negotiorum gestio ou com o simples consensus. A curatela dos menores de 25 anos aproximava-se da tutela, a qual se assimilava, no direito romano, quase que completamente. A ela se estendem todas as principais regras concernentes aos direitos, poderes, obrigações e responsabilidades do tutor. 

e) obrigações oriundas da comunhão incidente

Estudam-se as questões atinentes às obrigações oriundas da comunhão incidente. 

Entendeu Justiniano que as obrigações oriundas da comunhão incidente configurassem quase-contratos. A comunio incidens ocorria entre titulares de direitos sobre uma mesma coisa, como por exemplo, no caso de uma herança e uma propriedade, e regulava-se como a sociedade, podendo cada um solicitar a qualquer momento a divisão da comunhão, mediante a actio communi dividundo, no caso de co-propriedade e a actio familiae erciscundae, no caso de herança. A indivisão ainda ocorria entre dois vizinhos, de forma amalgada com as relações de vizinhança, quando as duas propriedades não estão delimitadas: a ação idônea para pôr fim à indivisão era, nesse caso, a actio finium regundorum.

A actio familiae erciscundae e a actio communi dividundo eram, no direito de Justiniano, ações tum in rem quam in personam, pois tinham o caráter duplo objetivo de atribuir a cada proprietário a parte que lhe convém e de regular as relações obrigatórias resultantes da indivisão.

A actio finium regundorum sujeitava-se a regras diferentes, pois, no direito clássico, distinguiam-se dois procedimentos, a controvérsia de fine, que nascia quando fossem imprecisos   os limites do ambitus, finis ou confinium, isto é, do espaço de cinco pés que separava dois imóveis, e a controvérsia de loco, relativa ao litígio sobre o locus, isto é, o terreno que ultrapassava os cinco pés do finis e que integrava o próprio campo, qual era dirimida pelos meios ordinários, possessórios(interditos) ou petitórios(reinvindicação). No direito de Justiniano, em virtude do desaparecimento do ambitus, oblitera-se a distinção entre a controvérsia de fine e a controvérsia de loco. A ação de limites era uma só, como ensinou Ebert Chamoun(obra citada, pág. 402).

Registre-se que o direito civil brasileiro, seja no Código Civil de 1916 como de 2002, rejeitou a ideia de quase-contrato. A classificação de quase-contratos logrou êxito nos Códigos Civis da França e da Itália.

II – PACTOS

No direito romano, a simples convenção para cuja causa não se exigia uma forma se denominava pactum, pactio, pactum conventum, nudum pactum, e se caracterizava por não gerar obrigações, e, portanto, desprovida de ação. Nesse sentido, como alinha a doutrina, o pacto se opunha ao contrato.

Mais tarde, o pretor e a legislação imperial se encarregaram de alterar o sistema tradicional, munindo de ações alguns pactos.

O pretor declarou que protegia os pactos firmados entre as partes desde que não fossem contrários à lei e nem eivados de dolo ou fraude. Segundo Ebert Chamou(obra citada, pág. 388) essa proteção não consistia em provê-los de ação nem em retirar as ações oriundas dos contratos em que eles se incorporassem, mas simplesmente em anular a eficácia dessas ações por meio de uma exceptio pacti conventi, que o réu opunha ao autor que  lhe prometera não cobrar a dívida ou cobrá-la em circunstâncias diferentes, ou que facilitara o exercício de um direito.

a) os recepta 

O pretor criou os chamados pactos pretorianos: eram os recepta, o iusiurandum e o constitutum.

Os recepta compreendiam o receptum arbitrii, o receptorum nautarum, cauponum et stabulariurum e o receptum argentarii.

Via-se o compromisso, no acordo em virtude do qual duas pessoas entregavam a decisão de uma controvérsia a um arbitro. O compromisso realizava-se em Roma, clássica, em geral por estipulações recíprocas.  A esse pacto chamava-se receptum arbitrii.

Os capitães de navio, os hoteleiros e os donos de estrebaria costumam receber em depósito bagagens ou animais. Um pacto responsabiliza-os então pela perda das coisas depositadas. Eram o receptorum nautarum, cauponum et stabulariurum.

O receptum argentarii é o pacto pelo qual um banqueiro(argentarius) se compromete a pagar, por conta de um cliente, uma dívida desta a um cliente. O pretor deu a este último, contra o banqueiro, uma ação in factum, a actio recepticia. O receptum argentarii pode encerrar qualquer espécie de dívida, condicional ou a termo, incerta ou certa. Desapareceu no direito de Justinano, ao se fundir com o pacto de constituto.

b) juramento voluntário

Tinha-se como pacto o juramento voluntário que consistia no uso espontâneo do juramento pelas partes para dirimir um litígio. O demandante prometia não acionar o réu se ele jurasse nada dever ou o réu prometia cumprir a obrigação se o demandante jurasse que ela existia. O pretor sancionou tal pacto com a exceção iuristurandi e com a ação de iure iurando.

c) constituto 

O constituto era, de forma originária, um pacto em virtude do qual adiava-se o pagamento de uma dívida. A ação que adiava (actio de pecunia constituta) era mais vantajosa do que a oriunda da estipulação, porquanto, ao passo que nesta a pena para o inadimplemento era o terço do montante da dívida, naquela a pena ascendia à metade. O constituto clássico era mais complexo: podia realizar-se inter eadem personas, para adiar o prazo do vencimento, como antes, para reduzi-lo ou mudar o lugar do pagamento, para sancionar obrigações naturais ou ainda para evitar a prescrição da ação derivada do contrato. No direito de Justiniano o constituto absorveu o receptum argentarii, podendo, então, ter qualquer objeto, mesmo diverso do dinheiro, inclusive dividas condicionais ou a termo.

d) pactos acessórios 

Pactos acessórios, considerados especiais, eram os pactos adjuntos à mancipatio e a in iure cessio, que previam  a restituição ou a libertação(datio do escravo ut manumittatur); a ação que os assegurava era a actio fiduciae. Mais tarde eles se transferiram para a tradição e então foram sancionados por condictiones.

Havia, em Roma, os chamados pactos legítimos, que se caracterizam por terem a sua obrigatoriedade determinada por uma constituição imperail. Compreendiam a promessa de doação, a promessa de dote e o compromisso.

e) doação 

A doação, no direito romano, era considerada um pacto legítimo, caracterizado por ter sua obrigatoriedade determinada por uma constituição imperial.

A doação era o ato pelo qual uma pessoa efetuava a transferência voluntária de direitos do seu patrimônio a uma outra pessoa(donatário), cujo patrimônio, por sua vez, sofre um enriquecimento definitivo. A substância da doação, no direito romano, era ser um ato gratuito por excelência, uma renúncia feita com o simples intuito de beneficiar. Essa intenção de liberalidade que no direito clássico, resultava de mera ausência de causa justificativa de pagamento somente é posta em evidência no direito pós-clássico. Ela é que extrema doações dos atos onerosos.

A doação inter vivos realizava-se pela transferência da propriedade por mancipação ou tradição, estipulação, delegação ou acceptiatio. Apenas no direito de Justiniano é que se torna um pacto legítimo, adquirindo autonomia e obrigatoriedade.

Uma Lei Cincia de donis et muneribus de 204 a.C proibiu fazer ou receber doações que excedessem um certo montante, salvo a certas pessoas. No processo per formulas o pretor sancionou a proibição legal com a exceptio legis CInciae.

A Lei Calpúrnia de 149 a.C proibia aos magistrados receberem doações das pessoas sujeitas a sua administração. A desobediência ao preceito configurava um crime de concussão, punível através de actio repetundarum.

O direito romano proibiu ainda as doações entre cônjuges. Da proibição, a legislação imperial excluiu as doações honoris causa, divortiii causa ou feitas no momento do divórcio, as doações exilii causa feitas quando já não mais havia casamento, as doações manumissionis causa que não enriqueciam o donatário. Um senatus -consulto de Sétimo Severo e Caracala, a Oratio Antonini, de 206 d.c, decidiu que as doações entre cônjuges se validassem se o doador morresse sem haver mudado de vontade; enquanto vivo, o cônjuge podia reivindicar a coisa doada e, se foi consumida, intentar uma condictio no limite do enriquecimento do cônjuge donatário.

A lei Cincia caiu em desuso entre os fins do Século IV e o começo do século V d. C. As doações tornaram-se mais comum e foi necessário regulamentá-las.

Sendo um contrato gratuito, a doação, já, no direito romano, era passível de ser revogada. Em primeiro lugar, por ingratidão do donatário, situação consagrada pelo Código Civil de 1916, no artigo 1181 e que foi no próprio direito de Justiniano, admitido nas doações de patrono a liberto, depois nas de mãe a filho e mais tarde entre todos os ascendentes e descendentes, para, finalmente, ser generalizado a todas as doações.

Havia a donatio sub modo era um tipo especial de doação inter vivos. O modus ou encargo difere da condição, por não subordinar a realização do ato jurídico a um implemento do ônus. Tratava-se de um serviço que o donatário deve prestar ao doador e que, não sendo correspectivo, não furta à doação o caráter de liberalidade. A princípio, o donatário tinha um mero dever moral de cumprir o encargo, salvo se o doador, por uma stipulatio especial ou por uma cláusula de revogação acessória à doação, houvesse sancionado esse cumprimento. Justiniano admitiu que a doação autorizasse, por si mesma, o doador a intentar uma ação, a actio praescriptis verbis, para constranger o donatário a cumprir o encargo e, por outro lado, que fosse revogada, na hipótese de inadimplemento do ônus, como ensinou Ebert Chamoun(Instituições de Direito Romano, 3ª edição, pág. 394).

Havia, no direito romano, a doação mortis causa, que era feita na suposição de que o donatário sobrevivesse ao doador. Realizava-se mediante mancipação com pacto de fidúcia ou com estipulação cum morieris. A ação que se dispunha era em princípio a própria ação do negócio. Por sua vez, Justiniano acrescentou a condictio incerti, a actio praescriptis verbis e quando a transação fosse feita com transferência da propriedade a rei vindicatiio.

O Código Civil francês não alinhava a doação entre os contratos, mas como modalidade particular de aquisição da propriedade. Impressionava aos franceses a ausência de bilateralidade na prestação.

Para os alemães, com Dernburg, dentre outros, a doação é um contrato

f) o dote  

Passa-se a promessa do dote.

O dote é  o conjunto de bens oferecidos pela mulher ao marido por ocasião do casamento, com o fim de amenizar os exageros da nova situação”.

Os bens podem constituir-se em dinheiro ou não e podem ser provenientes:

a)da própria mulher, se ela for sui juris

b)de um terceiro, sendo ela sui juris ao alieni juris

c)do paterfamilias, se ela for alieni juris

Tipos de dote:

Dos Profecticia: Constituído pelo paterfamilias em favor da filha alieni juris.

Dos Adventícia: Constituído pela mulher sui juris ou por terceiro que não seja se pai e nem sem pai e nem sem ascendente.

Considerado nos vários períodos do Direito Romano, o dote apresentou diversas características, dentre as quais se destaca o da sua restituição ou não pelo marido, em caso de dissolução do casamento.

Justiniano chegou a estabelecer norma, no ano de 530, concedendo à mulher uma hipoteca geral, sobre todos os bens do marido a partir da  data do casamento, facilitando assim a sua restituição.

Em 531, a hipoteca qual passou a ser privilegiada, facultando a mulher preferência total e exclusiva, passando à frente de  todos os credores, mesmo dos que já o eram antes do casamento.

O dote constituía-se através de vários processos: por uma stipulatio, pela dotis dictio, pela dotis promissio, por uma remissão de dívida ou por uma datio.

O regime juridico patrimonial do dote não foi ventilado no Codigo Civil de 2002. 

No direito de Justiniano o compromisso se tornou um pacto legítimo. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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