Uma abordagem sociológica do estatuto da pessoa com deficiência

Leia nesta página:

Os aspectos sociológicos do Estatuto da Pessoa Com Deficiência e seu poder de transformação social.

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo uma análise sociológica da Lei 13.146/2015, que instituiu o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, tratando os aspectos mais importantes com foco numa crítica visão social, analisando o estatuto como instrumento de transformação social.

Esse novo Diploma Legal está em consonância com o estabelecido pela convenção de Nova Iorque, que estabeleceu preceitos internacionais para a proteção da pessoa com deficiência, sendo recepcionada pelo Brasil. O portador de deficiência vem assegurar, finalmente, a proteção da qual necessita e clamava desde sempre.

O deficiente era visto como alguém que estava condenado a passar sua vida no isolamento, esquecimento, na penumbra, fora do contexto social, totalmente deslocado da sociedade que o cerca. A compreensão do Estatuto da Pessoa com Deficiência não poderia, se reduzir, a uma visão meramente teórica, pois estaria limitando a sua abrangência e a sua importância social.

O nosso sistema jurídico com o advento do Estatuto tornou-se mais justo e solidário, pois vem para torna-se um instrumento de luta para os deficientes que sofrem tanta discriminação, falta de oportunidade, descaso do Estado na efetiva implantação de políticas públicas que atendam realmente os anseios dessa importante parcela da população que vive marginalizada e condenada a uma vida sofrida, de batalhas diárias, e sem garantias individuais realmente efetivadas.

O preconceito e o tratamento discriminatório são atitudes totalmente reprováveis no mundo atual, vivemos a era virtual, somos abastecidos com informações o tempo todo, a sociedade não pode mais ver a pessoa com deficiência como um incapaz, um fardo, pelo contrário, esse indivíduo tem muito a acrescentar no meio social, trazer novos valores, mostrar que a deficiência é apenas um obstáculo a ser superado, e que necessitamos viver de forma harmoniosa e inclusiva.

Esse diploma legal consiste exatamente na proteção do deficiente como um desdobramento dos direitos humanos. A nossa Constituição de 1988, consagra o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, já demonstrando uma preocupação do constituinte com o tema, bem como os tratados internacionais que contaram com a adesão brasileira. São direitos fundamentais, sem os quais o indivíduo não é capaz de participar plenamente da vida.

A sociedade brasileira tem de ser menos excludente, e muito mais inclusiva, pois deve reconhecer a diversidade humana, as pessoas com deficiência necessitam de uma atenção especial, precisam de políticas públicas que tragam uma melhor qualidade de vida, que possibilitem o seu desenvolvimento pessoal e social, assegurando oportunidades assim como qualquer indivíduo do meio social, que tem os seus direitos e liberdades garantidos.

O estatuto traz importantes inovações quando relacionam à deficiência, também, “a fatores socioambientais, psicológicos e pessoais”. Não devemos colocar a deficiência dentro de uma concepção puramente médica, devemos sim ter o indivíduo como foco principal, assim como observar sua real capacidade para tornar-se sujeito ativo das suas decisões, e determinar o rumo de sua vida.

Existe um argumento original, de que a incapacidade existe com o intuito de proteger o incapaz. Por não possuir o discernimento necessário para os atos da vida civil, se retira de todo ou parcialmente a possibilidade de realizá-los. Mas, assim afasta-se qualquer análise da situação fática concreta, e os casos em que o indivíduo possui capacidade de discernimento para realizar, esta discrepância acontece porque a incapacidade é considerada como estado, situação jurídica do sujeito, se colocando como algo estático.

Com toda certeza a teoria da incapacidade não atende ao bem-estar do incapaz, devido ao seu cunho extremamente patrimonialista, afastada, dos princípios constitucionais de promoção da dignidade da pessoa humana. A teoria como inicialmente está estruturada no código civil de 2002 se coaduna notadamente com o mundo capitalista no qual vivemos, preocupa-se mais com a proteção do patrimônio do incapaz, do que com ele próprio, ficando em segundo plano a dignidade da pessoa humana e até mesmo seus direitos existenciais.

Precisamos romper com os padrões sociais existentes e já pré-determinados, o indivíduo através das relações sociais vai construindo os reais valores morais e éticos de que necessita, o Estado foi criado por necessidade do próprio homem, com o intuito de que ele atenda as suas necessidades e organize e harmonize o convívio social, o ordenamento jurídico deve ser construído com base nos valores sociais existentes, para proporcionar um equilíbrio nas relações sociais, trazendo segurança e bem-estar social para todos.

Mas, não podemos deixar que parcelas minoritárias da população, sejam marginalizadas por não fazerem parte dos padrões sociais já estabelecidos, e por isso estão condenados a uma vida de isolamento, sem dignidade, e lutando a cada dia para conseguir algo que já lhe é assegurado, mas não é respeitado. Que esse Estatuto da Pessoa com Deficiência seja difundido por todas as partes do país, seja de conhecimento de toda a população, e permita que sejam corrigidas históricas injustiças com indivíduos tão especiais em todos os sentidos.

Precisamos de uma sociedade realmente igualitária, que possibilite oportunidade para todos, sempre observando as necessidades particulares de cada grupo social, só conseguiremos ter uma nação forte e justa, quando consolidarmos uma gama de valores, de respeito ao próximo e ao diferente, passarmos a termos uma consciência social, moral e política pautada na consecução de benefícios e qualidade de vida para todos nós.

Vivemos num país que é deficiente de moral, de caráter, de educação, saúde, moradia, dignidade, e só conseguiremos enfrentar essa nossa incapacidade, com o respeito, a luta, a conscientização que ser diferente é normal, e que precisamos nos unir em busca de garantir os direitos individuais, um Estado que realmente proporcione uma vida constitucionalmente digna e com qualidade e bem-estar para todos, não apenas para um grupo privilegiado que se utiliza do poder para garantir privilégios e distribuir prejuízos.

O indivíduo portador de deficiência não precisa de favor, de esmola, compaixão, pena, mas sim de ser respeitado pelo meio social em que vive, e que o estado cumpra o seu papel e garanta os seus direitos que estão consagrados por vários diplomas legais.

     

  

2 A ABORDAGEM SOCIOLÓGICA DO ESTATUTO

2.1 Uma Visão Crítica Social

Historicamente a pessoa portadora de deficiência é vista como alguém que não pertence ao meio social, ela é descartada e condenada a viver de forma isolada, como se exilada fosse. Muitas vezes a própria família por um preconceito condenável, afasta o deficiente de toda e qualquer relação social, mas não com o frágil intuito de protegê-la, e sim com o escopo de escondê-la por vergonha da sociedade.

Mesmo sem ter cometido nenhum crime, o deficiente é julgado, condenado, com sentença transitada e julgada para uma prisão perpétua em seu próprio domicílio, sem acesso ao convívio social, sem direito de freqüentar a escola, não se submetendo a tratamentos de saúde que lhe garantam uma maior autonomia e qualidade de vida, por pura ignorância, desrespeito, falta de amor, afeto, carinho, por esse indivíduo que veio ao mundo com suas limitações, mas que se estimulado, poderia alcançar o seu máximo de desenvolvimento possível, garantindo assim sua própria dignidade.

            Isso acontece porque o deficiente é visto como alguém totalmente incapaz para os atos da vida, uma pessoa frágil e doente, que veio ao mundo apenas para sofrer. Os familiares os vêem como um fardo a ser carregado, um castigo divino, indivíduos que serão sempre dependentes de outros, e que dificilmente terão algum sucesso em suas vidas.

São alvos de sentimentos como lástima, compaixão, piedade, como se eles não fossem capazes de serem felizes, de alcançarem sucesso e glória dentro de suas próprias limitações. Necessitam sim, de apoio, estímulo, incentivo, para que enfrente os obstáculos que lhe forem impostos, com força, garra, determinação, sabendo que por trás de tudo isso existe um propósito maior.

Todos nós temos nossas próprias deficiências, seja ela de ordem física, moral, emocional, psicológica, cabe a cada um superar os medos e dificuldades que se apresentam, mas para isso precisamos ter ao nosso redor pessoas que nos ajudem, e ferramentas para enfrentar a tudo isso.

            Mas, infelizmente a pessoa com deficiência é excluída muitas vezes até mesmo do seio familiar, posta num canto da casa para que ninguém a veja, impossibilitada de conviver harmonicamente com o meio social que a cerca.

Ora, as pessoas deficientes têm garantido no ordenamento jurídico, o respeito por sua dignidade humana, garantindo assim os mesmos direitos fundamentais que qualquer cidadão possua, independente de raça, religião, idade, para poder ter uma vida digna, decente, possibilitando exercê-la em sua plenitude.

Vejamos o que diz a nossa Constituição:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade;

                   Fica evidente que na atual conjuntura social, os únicos indivíduos puros, livres de preconceito são as crianças, pois nós adultos somos contaminados por valores sociais, morais e éticos deturpados na sociedade em que vivemos, para nos enquadrarmos no padrão que é aceito e tolerado socialmente, não aceitando ou se encaixando nesse modelo já estabelecido, estaremos condenados a viver de forma marginalizada socialmente.

                   O mundo capitalista vê o deficiente sem nenhuma função na sua estrutura econômica, tornando-se algo descartável e sem valor. Infelizmente essa é a realidade na qual chegamos, quando não temos utilidade social, econômica, política, somos desprezados e jogados à margem da sociedade.

                   Cerca de 45,6 milhões de brasileiros têm pelo menos uma deficiência, segundo dados de 2010 do IBGE, ou seja, iremos condenar ao isolamento todas essas pessoas, as segregando, impossibilitando que elas desfrutem da vida em sua plenitude, não as integrando na sociedade.

                   Não cabe mais no Brasil uma sociedade pautada pelo preconceito e tratamento discriminatório, precisamos retomar a construção valores sólidos, que trarão um acolhimento isonômico e, por isso, diferenciado para quem precisa de proteção distinta. Precisamos enfrentar um período de transição entre uma visão patrimonialista, em que os bens materiais são mais importantes e protegidos do que o próprio indivíduo, já que para o sistema capitalista prepondera a valorização do poder econômico, deixando em segundo plano, uma visão mais humanista, com isso a pessoa com deficiência é vista como incapaz, um fardo social, dividido entre a família e o Estado, e um novo tempo, onde ocorre efetivamente a emancipação de direitos existenciais das pessoas com deficiência.

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O Estatuto da Pessoa com Deficiência deve ser visto como uma norma em construção, que não foi intencionalmente imposta, ou sugerida, mas que inaugura uma nova forma de pensar, entender, com harmonia e responsabilidade as necessidades dessa parcela da população tão carente de políticas públicas que atendam ao seu bem-estar. Dentre vários fundamentos do diploma legal, o que desponta, é exatamente a proteção do deficiente como conseqüência do desdobramento dos direitos humanos. Devemos superar os modelos egoístas, onde predomina o indivíduo, e sim, colocar em favor do interesse da sociedade como um todo, e assim incluir o deficiente em face de sua notória hipossuficiência.

 Observemos o que preceitua o art.4º do referido Estatuto: “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.

Os Direitos Humanos são caracterizados pela universalidade e indivisibilidade. É universal, porque atinge todos os seres humanos, basta que alguém nasça independente da sua cor, sexo, condição econômica, religiosa. É indivisível, já que cria um vínculo entre os direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais. Recentemente se tem observado uma intensificação da militância pela positivação desses direitos, difundido essas idéias por toda parte.

Devemos nos conscientizar que a humanidade é fruto de uma diversidade, onde cada segmento social tem suas necessidades específicas, sendo assim é necessário fazer ajustes e correções para que possamos ser uma sociedade menos excludente e mais inclusiva. O deficiente clama por oportunidades, pela acessibilidade, por um meio social mais afável com as diferenças, tendo um olhar mais profundo com as desigualdades existentes, e uma cognição mais reflexiva com relação ao que pode ser feito para amenizar essas discrepâncias, e possibilitar ao deficiente o seu pleno desenvolvimento sempre respeitando suas limitações.

No nosso país o que vemos muitas vezes é apenas uma igualdade formal, prescrita na nossa constituição, que acaba tornando-se apenas letra morta, mas precisamos efetivamente da implantação do princípio da Isonomia, que exigirá do Estado e dos seus entes federativos, a adoção de medidas que possibilitem à efetivação dos direitos assegurados constitucionalmente, de modo que possa atenuar os desequilíbrios, corrigir desigualdades históricas, já que os deficientes necessitam de um tratamento diferenciado, quando comparados aos demais.

A simples igualdade formal, não condiz com a verdade, quando levarmos em conta os aspectos históricos, econômicos e pessoais de cada indivíduo. A real e verdadeira igualdade, que atenda ao princípio constitucional, necessita da adoção de medidas concretas, mesmo que tenham caráter transitório, mas que realmente atendam ao interesse de determinados grupos sociais, que foram vítimas de distorções e desigualdades por muito tempo.

Nesse sentido, o art. 5º do Estatuto diz: “A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante”.

Que esse Estatuto da Pessoa com Deficiência não seja apenas um exemplar de normas, mas que se torne um forte instrumento, mesmo que coercitivo se necessário, na busca de uma maior inclusão social, de uma verdadeira igualdade de direitos, da implementação de políticas públicas que propiciem uma justiça social que a tempos se busca sem sucesso. Nós como indivíduos, como atores sociais, devemos lutar a cada dia, não só por nossos direitos e o que é realmente do nosso interesse, mas tentarmos proporcionar a sociedade como um todo, através de nossas ações, uma reflexão sobre o que realmente é importante nessa vida.

Não sejamos apenas sujeitos passivos dessa sociedade capitalista que determina os padrões e comportamentos a serem seguidos, mas buscarmos sermos sempre ativos no nosso meio social, lutando pelo que acreditamos, por uma justiça que traga equilíbrio e harmonia, por ações do Estado que realmente tragam um impacto positivo para todos. Uma sociedade inclusiva, justa, harmônica, benéfica para todos, que busque o real bem-estar, proporcionará o sepultamento de valores invertidos e deturpados que hoje são exaltados.

Muitas serão as dúvidas, e os mais variados desafios irão aparecer, mas o grande objetivo do Direito Internacional na proteção dos direitos humanos, que agora se observa com a Lei 13.146/2015, que instituiu o chamado Estatuto da Pessoa com Deficiência, ou Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com deficiência, que regulamentou a Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência, assinada em Nova Iorque, em 30 de março de 2007, é aplicar a proporcionalidade para garantir cada vez mais a dignidade da pessoa humana, pois ser diferente não significa ser absolutamente incapaz.

Segundo a redação final da Lei, o conceito de pessoa com deficiência trazida pelo artigo 2º praticamente repete o conceito já em vigor a partir da Convenção (artigo 1º), definindo-a como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Ocorre, que pessoas que antes exerciam suas tarefas diárias normalmente, podem de alguma forma vir a sofrer limitações, dependendo do grau de afetação. Com isso, se faz necessário analisar a implantação de outros direitos, que foram adquiridos concomitantemente com a deficiência. O indivíduo que adquire alguma deficiência ao longo de sua vida tem direito as mesmas garantias daqueles que comprovam a deficiência e passam por uma avaliação através de instrumentos para a aplicação da lei.

2.2 A SOCIOLOGIA E O DIREITO

Notoriamente o direito dogmático acaba estudando as próprias normas do direito em si mesmo, enquanto isso a sociologia jurídica preocupa-se no sentido de descobrir as causas sociais que permitiram a sua produção e quais efeitos sociais que elas trouxeram. Existem fenômenos jurídicos que são colocados formalmente no ordenamento jurídico, que são as leis, como também aqueles que são oriundos das relações sociais efetivas.

Miguel Reale (1978 p. 423) em sua obra clássica sobre a Filosofia do Direito nos remete o seguinte texto:  

                                      O Direito deve ser a expressão do espírito do povo, e este, dizia Savigny, manifesta-se especialmente através de regras de caráter consuetudinário, que cabe ao legislador interpretar: - os costumes devem exprimir-se em leis, porque somente são leis verdadeiras as que traduzem as aspirações autênticas do povo.

O direito deve acompanhar as transformações sociais que ocorrem durante a evolução de um povo, garantindo o saneamento de possíveis conflitos e possibilitando uma maior organização social. Existe uma forte relação entre o direito e as necessidades sociais, ocasionando a adequação da norma jurídica às exigências surgidas durante todo o processo de evolução histórica de uma sociedade. Não se pode entender também que todo o Direito se reduz a fato social, pois além das motivações sociais, o Direito acaba compreendendo também características de ordem institucional, que são fruto de uma criação, refletindo a realidade do mundo moderno.

O Estado, ficção política que cria o direito e se estabelece nele, passa a existir justamente na medida em que passa a se compor de um enorme aparelho burocrático que atua direta e indiretamente na vida de todos os indivíduos a ele submetidos. Com isso, podemos dizer que o Direito como conjunto de normas positivadas, existe e se aplica de forma eficiente ou não sobre as pessoas, justificando assim a existência de uma ciência jurídica. O direito visto apenas como fato social o torna uma ciência desnecessária, bastando para entendê-lo, a Sociologia, ciência que estuda os fatos sociais, segundo os positivistas.

O direito como ciência busca examinar a ação do Estado sobre aquele que provocou o ordenamento jurídico, com intenção ou não, além de criar, internamente, teses a respeito da justiça e da coerência do ordenamento jurídico. Já a Sociologia, acaba por analisar os efeitos sociais oriundos da aplicação da lei, e como a sociedade interpreta o ordenamento jurídico, além da importância de entender a força de influência do pensamento coletivo sobre a elaboração e manutenção da lei.

            A sociologia acaba desenvolvendo um conceito sobre o direito, tornando-o objeto de pesquisa, formulando assim conceitos sociológicos a seu respeito. O Direito deve ser aplicado em consonância com as dificuldades e carências sociais. O ordenamento jurídico deve estar sensível à realidade social existente, permitindo que a tutela jurisdicional esteja em conformidade com o contexto social de forma ampla, permitindo a realização efetiva da justiça.

O estado na elaboração do ordenamento jurídico acaba sofrendo forte influência de todo um contexto histórico, político, econômico e cultural que acompanha a evolução social daquela sociedade. Ele tem de observar as demandas existentes, as novas perspectivas e anseios sociais, os novos conflitos que surgem, e anteriormente não eram previstos, existe uma contínua adaptação do Direito a sua realidade social.

           Conforme podemos analisar com o novo estatuto:

                                      Art. 8o   É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.  

                                     

A sociologia vem de forma paralela como observadora dos novos fatos sociais que vão surgindo, buscando analisar as características daquele grupo social, não focando na sociedade como um todo apenas, mas sim se aprofundando nas novas camadas que vão surgindo, e buscando entender a nova realidade da maioria.

Para se entender de forma mais clara e objetiva uma sociedade, é necessário analisar todos os grupos de indivíduos que a compõe, não se podem ter o foco só no grupo majoritário, pois o mesmo não é sozinho responsável pela construção social, grupos de minoria vão surgindo, com suas novas demandas, e o estado deve estar preparado para atender essas novas necessidades, pois esses indivíduos, mesmo fazendo parte de uma minoria social, são atores sociais importantíssimos na construção de novos valores que irão agregar-se aos já existentes.

Infelizmente, temos que admitir que a realidade que nos é imposta hoje é sufocante, pois somos coercitivamente forçados a nos enquadrar nos padrões sociais já consolidados e praticados pela maioria. Mas, uma sociedade justa e verdadeira não pode apenas ser destinada a atender determinado grupo já estabelecido e com uma cultura e valores imutáveis. Um povo constrói sua base moral, ética, através da luta diária em busca do que realmente importa. Não se pode excluir do convívio social, indivíduos que não se encaixem nesse modelo previamente estabelecido, pois essa sociedade acabaria retrocedendo com os valores democráticos.

             O nosso país possui uma constituição perfeita jurídica e socialmente, pois os princípios nela contidos garantem o respeito e a proteção aos direitos individuais e fundamentais de todos. Mas, o que vemos na prática é uma constituição apenas de caráter expositivo, mas com pouca efetividade na prática, quando se fala de atender aos interesses e anseios dos grupos minoritários.

            O Estatuto da Pessoa com deficiência inaugura um novo marco na vida dessas pessoas, pois possibilita a promoção de uma proteção mais acentuada aos seus direitos, de forma relevante e ocasionando uma mudança social com a quebra de paradigmas. Mesmo com essa proteção jurídica, se faz necessário uma profunda reflexão de nossa existência como indivíduos, únicos, contanto com nossas limitações. Estamos sujeitos a acidentes ou enfermidades que possam nos causar em algum momento da vida, uma deficiência, e isso nos mostra como é importante respeitarmos e acolhermos os portadores de algum tipo de deficiência, pois fazemos parte do mesmo seio social.

            Esperamos um rompimento de paradigmas, uma desconstrução de valores arcaicos e preconceituosos que antes existiam, pois o Estatuto coloca a pessoa com deficiência diante de um novo contexto social, com a esperança de causar uma modificação ideológica de uma sociedade, uma modificação de caráter sociológico.

Além de trazer um relevante impacto jurídico, com alterações previdenciárias e administrativas, analisadas conjuntamente com o mérito da capacidade civil do indivíduo da pessoa com deficiência. Precisamos ter a consciência de que a capacidade civil não significa propriamente abranger a prática de todos os atos, já que as pessoas que não possuem deficiência não têm capacidade de atuação em todas as áreas. Faz-se necessário o respeito as nossas limitações, tenha ou não o indivíduo algum tipo de deficiência, buscando equilíbrio e harmonia nas novas relações sociais.

             A palavra deficiência, na sua origem, significa “presença na falta”, ou seja, ausência de alguma condição ou capacidade que deveria estar presente em alguém. Como nenhum indivíduo é detentor de todas as capacidades e condições, cada um de nós tem alguma deficiência, e, portanto ninguém é completo.

             O Estado deve possibilitar e disponibilizar oportunidades para que os indivíduos portadores de alguma deficiência busquem desenvolver suas potencialidades, e também tenham a chance de passar por processo adequado de reabilitação, com o objetivo de torná-las o mais independente possível. Em respeito à cidadania, é fundamental que os deficientes tenham condição de usufruírem de seus direitos assim como os demais indivíduos que compõe a sociedade.

           O Estatuto traz essa previsão legal:

Art. 14.  O processo de habilitação e de reabilitação é um direito da pessoa com deficiência.

Parágrafo único.  O processo de habilitação e de reabilitação tem por objetivo o desenvolvimento de potencialidades, talentos, habilidades e aptidões físicas, cognitivas, sensoriais, psicossociais, atitudinais, profissionais e artísticas que contribuam para a conquista da autonomia da pessoa com deficiência e de sua participação social em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas.

Torna-se imprescindível que a questão da “Deficiência”, se torne mais visível aos olhos da sociedade e do Estado, pois esse tema a todos diz respeito, assim acaba também beneficiando a todos. Que o Estatuto da Pessoa com Deficiência, além de ser um avanço jurídico imprescindível para propiciar a dignidade dos portadores de algum tipo de deficiência, traga um ganho do ponto de vista sociológico, pois esse modelo social egoísta, pautado pela materialidade, por valores deteriorados pela falta de moral e ética, seja definitivamente superado, para que possamos viver numa sociedade mais inclusiva, pautada por sentimentos nobres, por valores sólidos.

Precisamos lutar diariamente na busca de erradicar as injustiças e preconceitos que assolam o nosso meio social, não podemos fechar os olhos para as atrocidades econômicas, políticas, sociais e culturais que acontecem constantemente, a inércia é um estado patológico muito perigoso para uma sociedade que tem a sua democracia atingida pela inversão de valores. O Estado não foi criado para atender aos interesses escusos de uma parcela da população que detém o poder, ele é fruto da necessidade de proteção e garantia dos direitos individuais, propiciando equilíbrio nas relações sociais, e na busca incessante pela justiça social e bem-estar de todos sem distinção.

Sobre os autores
Thiago Batista Mariano

Bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará

Reginaldo Bezerra Cunha

Graduando em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - FAP.

Auricélio Alves Gonçalves

Acadêmico de Direito na Faculdade Paraíso do Ceará; Escrivão da Polícia Judiciária do Estado do Ceará.

tarciso pinto pereira

academico de direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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