Ações da lei

18/05/2017 às 17:57
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Caracterizava-se pela existência de fórmulas verbais solenes, emitidas em conformidade com determinada ritualidade e dispostas taxativamente no ius civile, tentando alcançar a litis contestatio.

SUMÁRIO:I – Introdução.II - legis actio sacramentum..III - legis actio per iudicis postulationem..IV - legis actio per condictionem..V - legis actio per manus iniectionem.VI - Período Formulário.VII – Fase da Cognição.VIII -  Conclusão.IX – Referência..


Introdução

Caracterizava-se pela existência de fórmulas verbais solenes, emitidas em conformidade com determinada ritualidade e dispostas taxativamente no ius civile, tentando alcançar a litis contestatio. Dessas fórmulas, três seriam as antecedentes do atual processo cognitivo (sacramentum, iudicis postulatio, condictio) e duas o de execução (manus iniectio, pignoris capio).


II - legis actio sacramentum

Obteve seu nome da aposta processual feita pelas partes. O sacramentum era a afirmação jurídica confirmada com um juramento ante testemunhas e, a soma apostada, que o vencido perdia em proveito do Estado. Os litigantes, nesta ação, se provocavam reciprocamente a uma aposta cuja decisão era resolvida indiretamente sobre o fundamento de suas alegações, garantindo a posse provisória da coisa e o necessário pronunciamento do Juiz.


III - legis actio per iudicis postulationem 

Constituía uma espécie de ação direta que era utilizada somente em determinados casos (contratos verbais solenes, partilhas de heranças ou de bens comuns), sem necessidade de acudir à aposta sacramental. Chamava-se assim pela petição ao Juiz (iudicis postulatio) que formava o ato fundamental da etapa in iure.


IV - legis actio per condictionem

Era proposta nos casos de reclamação de quantias exatas de dinheiro ou de coisas determinadas e servia, dada sua qualidade de ação abstrata, para todas as hipóteses de enriquecimento ilícito. Trazia sua denominação do pedido feito ao réu, ao que seguia o posterior pronunciamento do Juiz.


V - legis actio per manus iniectionem 

Tratava-se de uma forma de execução pessoal, pois se instituía uma servidão sobre o corpo do devedor, chegando inclusive, a vender ou matar o mesmo. Isso ocorria se o devedor não fosse assegurado por um fiador, após as proclamações públicas pertinentes. A solução era se entregar à penhora. Tal apropriação física aplicava-se aos casos de descumprimento judicial (manus iniectio iudicati), confissão in iure (manus iniectio pro iudicato) ou na persecução de certas dívidas (manus iniectio pura), quando se aceitava, excepcionalmente, que o executado fosse seu próprio vindex.

Os romanos não distinguiam, nesta fase, o corpo e o patrimônio do devedor, mostrando o caráter penal dessa execução. Portanto, aquele que se obrigava mediante um nexum unia-se ao credor por um estreito vínculo pessoal e, em caso de “quebra” da palavra dada, responderia por infidelidade. A passagem da responsabilidade corporal absoluta para a patrimonial, proveniente da humanização da execução forçada, começou com as Tábuas de Valores da Sociedade, dispositivo normativo que ora se cita:

“Aquele que confessa dívida perante o magistrado ou é condenado, terá 30 dias para pagar. Esgotados os 30 dias e não tendo pago, que seja agarrado e levado à presença do magistrado. Se não paga e ninguém se apresenta como fiador, que o devedor seja levado pelo seu credor e amarrado pelo pescoço e pés com cadeias com peso até ao máximo de 15 libras; ou menos, se assim o quiser o credor. O devedor preso viverá à sua custa, se quiser; se não quiser, o credor que o mantém preso dar-lhe-á por dia uma libra de pão ou mais, a seu critério. Se não há conciliação, que o devedor fique preso por 60 dias, durante os quais será conduzido em três dias de feira ao comitium, onde se proclamará em altas vozes o valor da dívida. Se são muitos os credores, é permitido, depois do terceiro dia de feira, dividir o corpo do devedor em tantos pedaços quantos sejam os credores, não importando cortar mais ou menos; se os credores preferirem, poderão vender o devedor a um estrangeiro, além do Tibre (Tábua III, ns. 4-9)”.

Tais antecedentes se transformaram, principalmente, mediante a lex Poetelia de 441 ab urbe condita, que dispôs normas atenuantes como: a proibição da morte e do acorrentamento do devedor; institucionalizou a satisfação do crédito mediante a prestação de trabalhos forçados, que já era admitida de forma facultativa; permitiu ao executado que se livrasse dessa condição de addictio, jurando que tinha bens suficientes para satisfazer a dívida; e extinguiu o nexum, passando o demandado a responder pelas suas obrigações com o patrimônio que tivesse e não mais com o próprio corpo (pecuniae creditae bona debitoris, non corpus obnoxium esset).

legis actio per pignoris capionem

Coexistiu com a manus iniectio no período das legis actiones, era uma ação executiva real que objetivava os bens do devedor, que, caso não fossem resgatados, seriam destruídos, por não se admitir nesta etapa a posterior alienação (bonorum venditio, bonorum cessio, bonorum distractio)[24]. Aqui também se manteve a idéia de reprovação social pelo inadimplemento, o que gerava o castigo a impor e era uma forma de invasão patrimonial quase incontrolada, produzindo uma dúvida com respeito ao seu caráter de legis actio, pois “prescindia completamente da intervenção do Magistrado”.

As atrocidades e injustiças da execução inumana limitaram-se politicamente, como resultado de uma longa evolução, derivada da influência do cristianismo e de princípios socialistas no Direito e na mentalidade dos povos, bem como pela consolidação e jurisdicionalização do poder do Estado. Tudo isso em nome dos inalienáveis valores humanos traduzidos nos direitos à personalidade, o que permitiu o desenvolvimento da execução corporal para a patrimonial, incidindo anteriormente sobre a totalidade dos bens do executado até a restrição ao necessário à satisfação do exeqüente.


VI - Período Formulário

O procedimento formulário teria sido introduzido pela lex Aebutia, provavelmente outorgada entre os anos de 149 e 126 a. C., sendo depois definitivamente oficializado pela lex Julia iudiciorum privatorum (17 a. C.). Possuía, como principais características, a menor formalidade e maior rapidez que o sistema anterior, a perda do caráter estritamente oral, em decorrência da fórmula, a maior atuação do magistrado no processo e a condenação tornada exclusivamente pecuniária. A fórmula, no entanto, era o traço marcante.

Mantinha-se, contudo, a bipartição do processo, que caracterizava o ordo iudiciorum privatorum. A introdução da instância ainda se dava com a in ius vocatio, incumbindo-se ao autor providenciar que o réu comparecesse perante o magistrado. Não conseguindo, poderia usar da força, “mas, na prática, solicitaria ao magistrado – que a concederia – uma ação in factum contra o réu para que este fosse condenado a pagar-lhe uma multa”. Caso o réu se ocultasse do autor, este poderia pedir ao magistrado que o imitisse na posse dos bens daquele e até que o autorizasse, posteriormente, a vendê-los.

Após a in ius vocatio, o procedimento civil clássico iniciava-se perante o magistrado (procedimento in iure), que poderia recusar a autorização para que se iniciasse oiudicium (procedimento apud iudicem), caso em que o autor não poderia começá-lo. Poderia o demandante, então, recorrer ao Imperador, e este ordenar ao magistrado que outorgasse o iudicium, ou poderia, também, esperar que terminasse o ano da magistratura pretoriana e assumisse um novo pretor. Se o pretor concedesse o iudicium, encerrava-se o procedimento in iure. A expressão litis contestatio era usada para designar o momento final desse procedimento.

Após, iniciava-se a fase apud iudicem, em que a iudicatio era conferida a umiudex (podendo também ser um arbiter, ou, em caso de julgamento colegiado, recuperatores), escolhido pelas partes e autorizado pelo magistrado. Na fase apud iudicem, eram produzidas as provas, vigendo uma liberdade quase total. Ao final, o iudex proferia a sentença, que possuía natureza condenatória e era sempre pecuniária.

Esse procedimento bipartido, com uma fase in iure e outra apud iudicem, era chamado de ordinário, também conhecido por procedimento formulário, tendo em vista que, quando ocorria o acordo entre as partes e a aprovação pelo magistrado em relação à pessoa do juiz que exerceria o iudicium, se redigia um documento oficial chamado Fórmula – decreto ou intimação do magistrado em que autorizava o acordo das partes e ordenava ao juiz que desse a sentença –, que deu nome a todo o procedimento.

Convém melhor detalhar a fase mais complexa do procedimento, que era a in iure, perante o pretor, que possuía quatro momentos:

a) a introdução da causa, que compreendia a editio formula e a in ius vocatio;

b) a atuação processual do demandante e do demandado;

c) a nomeação do juiz e redação da fórmula; e, por fim,

d) “a litis contestatio”. A fórmula era composta de quatro partes ordinárias: intentio, demonstratio, adiucatio econdemnatio.

No procedimento formulário, fazia-se possível a alegação de nulidade da sentença, não sendo subordinada a tempo algum. Para tanto, aduzem José Rogério Cruz e Tucci e Luiz Carlos de Azevedo que a parte poderia se valer de um meio autônomo denominado revocatio in duplum. Na hipótese de não restar provada a alegação atinente ao motivo de nulidade invocado, o litigante sucumbente era condenado, já agora, no dobro da quantia devida. Quando houvesse um fundamento de manifesta gravidade, como, e.g., a sentença proferida sob ameaça ou medo, o interessado dispunha da restitutio in integrum para tolher os efeitos decorrentes daquela decisão.

 Após o processo de cognição, em havendo uma sentença condenatória, o procedimento formulário não trazia mais a possibilidade da manus iniectio, devendo-se propor uma actio iudicati. “O comparecimento das partes à presença do pretor tinha lugar como nas demais ações do processo formulário, e o autor lembrava a condenação proferida e afirmava não estar ainda pago”.

Portanto, sendo o réu condenado, nascia para ele a obrigação de cumprir o julgado, possuindo, para tanto, o prazo de trinta dias. Em não cumprindo, o autor deveria propor contra ele a actio iudicati – procedimento que, como regra, não diferia do anterior processo cognitivo –, que poderia terminar na fase in iure, caso o réu confessasse o não cumprimento da sentença, pagando o valor da condenação e terminando o litígio, ou não pagando e ensejando a autorização pelo magistrado da execução de sentença. No entanto, em o réu opondo-se à decisão que o condenara, poderia se defender por meio da infitiatio, devendo oferecer garantias de que cumpriria eventual sentença que considerasse improcedente sua defesa, designando-se, então, um iudex para, na instância apud iudicem, verificar se era verdadeira a alegação do réu. Caso não prosperasse a infitiatio, a condenação normalmente corresponderia ao dobro da primeira. A execução da sentença não cumprida poderia ser contra a pessoa do réu ou contra seus bens.

Em caso de execução patrimonial, o pretor podia, com seu poder de império, ordenar a missio in bona rei servandae causa, a fim de autorizar que o credor se imitisse na posse da totalidade do patrimônio do devedor. “A missio efetuada por um credor, a todos os demais aproveitava. Havendo pluralidade de credores, costumava-se nomear um administrador provisório de bens, o curator bonis servanda et admnistrandis”. Para que não houvesse injustiça, tendo em vista a inexistência de execução sobre um único bem, mas apenas sobre todo o patrimônio, foi criada, no século II a.C., a distractio bonorum, em que se permitia a venda, a quem melhor oferecesse, não mais de todos os bens, mas apenas dos que bastassem para a satisfação dos débitos.

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O procedimento formulário, que foi definitivamente proibido pela constituição dos imperadores Constante e Constâncio (342 d. C.), Nos dizeres de Juventino Gomes de Miranda Filho,

“durou todo o período clássico da jurisprudência romana, enquanto, aos poucos, se firmava o uso de resolver as controvérsias extra ordinem, quer dizer, sem submeter à causa ao iudex [...] com Augusto, procedeu-se a uma ampla reformulação do ordo iudiciorum privatorum, por meio da qual se eliminou a dualidade de instâncias, permitindo, em certas causas, seu conhecimento e julgamento perante uma única autoridade estatal. Essa mudança foi paulatina. Durante muito tempo, conviveram os regimes da cognitio extra ordinem e do ordo iudiciorum, até que viesse o primeiro a sobrepujar o segundo e a tornar-se o único sistema processual romano que assim vigorou até os últimos dias do império romano.”


VII – Fase da Cognição

O período da cognição romana, também chamado de período da cognitio extra ordine, durou desde o início da era cristã até a morte de Justiniano. Assim se denomina porque designa o tema extra ordinem iudiciorum privatorum, ou seja, exprime o fato de ter vigorado por mais de dois séculos, à margem do ordo iudiciorum privatorum (direito privado), até a extinção definitiva deste, após Deocleciano, por uma constituição de Contâncio.

            Esse sistema processual caracteriza-se pela inexistência das fases in iure e apud iudicem, substituindo-as um magistrado que atua não mais como um cidadão do Estado Romano, mas como representante do Estado Romano, figura muito parecida com o atual magistrado. Publiciza-se o processo; não há mais a formula; o magistrado não cria ações para tutela de direitos não previstos no direito objetivo; as questões são apreciadas à luz desse direito e não nos termos e com os contornos postos na formula.


VIII -  Conclusão

Deste modo, não se verificam os efeitos da litiscontestatio que se verificavam no período clássico: ao julgar a causa, o juiz a considera como no momento da citação e não da contestação; não há o efeito extintivo, em virtude de uma constituição de Justiniano; admite-se a emendatio libelli pelo autor no curso do processo, se estiver pedindo mais do que por direito se lhe permite, da mesma forma como se faculta ao juiz condenar o réu ao pagamento do realmente devido, se se tratar de minus petitio. A cognitio extraordinária inspirou o processo canônico, e este inspirou o processo moderno; daí a semelhança entre o processo dos nossos dias e do período clássico romano.


IX - Referência

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DINAMARCO, C. R. Execução Civil, 7ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

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CORREIA, A.; SCIASCIA, G. Manual de Direito Romano, vol. I, São Paulo: Saraiva, 1949.

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 CORREIA, A.; SCIASCIA, G. Manual de Direito Romano, vol. I, São Paulo: Saraiva, 1949.

Dellore, Luiz; Carvalho, Milton Paulo de; Assis, Carlos Augusto de; Caraciola, Andrea Boari; - Teoria Geral do Processo Civil.

BISCARDI, Arnaldo. Lezioni sul processo romano antico e classico. Torino: G. Giappichelli, 1968, p. 121

CRUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de. Op. cit., p. 74. Conforme refere BISCARDI, Arnaldo, op. cit., p. 178,

ALVES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 207. Para CRUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de, op. cit., p. 47.

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil, op. cit., p. 19:

ALVES, José Carlos Moreira. Op. cit., p. 216-217.

SCHULZ, Fritz. Op. cit., p. 13-14. Importante o escólio de CRUZ E TUCCI, José Rogério; AZEVEDO, Luiz Carlos de, op. cit., p. 98-100

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