As universidades do mundo ocidental, tal qual as contemplamos nos dias atuais, lança raízes no Medievo, trazendo consigo um espírito comprometido, principalmente, com a custódia dos valores filosóficos, científicos e, acima de tudo, religiosos. Por isso, vale lembrar sempre algumas ideias que ajudaram a decantar o rico catálogo intelectual da tradição judaico-cristã.
A origem – assim como o desenvolvimento, a consolidação e a sobrevivência das universidades – aconteceu, curiosamente, em razão das disputas engendradas pelo poder político, na figura do monarca, e pelo poder religioso da Igreja Católica, corporificada pelo Papa, muito forte e influente em toda a Idade Média.
Cabe ressaltar, no entanto, que talvez os idealizadores das universidades, no caso políticos e religiosos, então com propósitos eminentemente egoísticos com vistas à disputa pela hegemonia do poder temporal, de sorte que concebiam o conhecimento como meros instrumentos colocados à disposição de seus anseios, não vislumbrassem as consequências históricas de tais projetos.
Ou seja, ambos, interessados em manter e estender o âmbito de domínio entre os súditos e os fiéis, fomentaram a criação de universidades pela Europa, bem ao estilo das Corporações de Ofício, a fim de que, detendo o conhecimento, conseguissem, por óbvio, o poder político absoluto.
A reboque desse enfrentamento, a universidade se firmou como locus do binômio ensino-aprendizagem europeu, tornando, para aquele momento específico, uma verdadeira ilha de liberdade intelectual, em meio a um oceano de subjugação de toda espécie.
O nível tolerável de imunidade aos abusos da época, em certa medida, preservou o desenvolvimento humano e científico da influência obscura dos radicais religiosos e da interferência espúria dos monarcas inescrupulosos, de modo que proporcionou o impulso necessário para o Mundo Moderno que estava por nascer.
É dizer, o desenvolvimento cultural, político, científico e econômico a que se chegou na Idade Moderna, com o advento do Humanismo, do Renascimento, da Reforma Protestante, das Grandes Navegações e do Estado Moderno, é tributária, em larga escala, à criação das universidades medievais.
Oxford, Paris, Nápoles, Bolonha e Praga eram densos núcleos profícuos do conhecimento, dos quais irradiava pungentes saberes até então acumulados, e para os quais se dirigia toda uma elite intelectual, sendo fundamental para a formação da consciência europeia e – mais um pouco à frente – americana.
Com efeito, o modo de pensar e conceber o mundo e as instituições culturais foi e ainda continua sendo o reflexo do que foi acalentado no seio e na alma especulativa daquelas universidades.
Aliás, a efervescência especulativa vivida nas universidades europeias entre os séculos IV e XIII desmitifica a alcunha iluminista de “Idade das Trevas”, com que este período foi injustamente rotulado.
Foram elas, ao contrário, guardiãs e difusoras da memória e do acervo cultural lembrado, registrado e documentado desde a Antiguidade até a Idade Média. Essa vocação, deveras, é fruto da tradição teológica do Judaísmo e Cristianismo, os quais são considerados religiões de memória, haja vista que seus textos dogmáticos nos remetem a fatos e feitos de figuras memoráveis, ocorridos em tempos longínquos, mas que, graças à sua preservação, mediante registro documentado de profetas e discípulos, podemos a eles ter acesso.
Outrossim, as universidades daquela época ainda são, de forma inegável, responsáveis pelos avanços e conquistas humanos de que somos testemunhas, de modo que ainda se recorre constantemente a elas para colmatar lacunas e deficiências científicas, motivo pelo qual a discussão sobre sua importância nunca perde a atualidade.