As partes e sua função na transmissão das obrigações, e as considerações de um bom conhecimento da atuação destas na cessão

Leia nesta página:

O texto traz considerações sobre a cessão de crédito, as partes envolvidas, quando iniciam suas funções e a importância delas nessa relação obrigacional.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Conceito das partes na Cessão de Crédito; 2.1 Cedente, Cessionário, Cedido e Objeto; 2.2 Relação dos conceitos; 3 Função das partes na obrigação; 3.1 Função do Cedente; 3.2 Função do Cessionário; 3.3 Função do devedor;  4 Conclusão.

RESUMO

Inicialmente faz uma abordagem sobre o conceito das partes na cessão de crédito, quando iniciam suas funções e a importância delas nessa relação obrigacional. Dessa forma destacando que um bom conhecimento desse negócio jurídico ajuda no uso dessa ferramenta para a resolução de conflitos. 

1 INTRODUÇÃO

Quando ocorre uma cessão de crédito, surge a figura do cedente e cessionário. Estas partes têm suas competências, direitos e obrigações definidas. A falta de conhecimento destes e outros aspectos podem provocar prejuízos aos indivíduos interessados, iniciando um conflito entre as partes.

A Cessão, segundo Flávio Tartuce[1], “pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral ou sinalagmático, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação transfere a outrem, no todo ou em parte, sua posição de sujeito ativo na relação obrigacional”. Assim, pode-se dizer que a cessão de crédito “Enfoca a substituição, por ato entre vivos, da figura do credor” (Venosa, 2006, p. 145). Embora possa haver transmissão de direitos e obrigações por causa de morte, a cessão de crédito se dá somente entre vivos, pois exige das partes vontade para que se cumpra.

Sobre as partes, para a efetivação desse negócio jurídico, o art. 104 do Código Civil[2] declara que validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Ou seja, todos os preceitos requeridos a qualquer outro negócio jurídico.

Dessa forma, qualquer direito é suscetível de cessão, “desde que disponível, ou não sofra as contingências ou limitações de ordem pública ou convencional[3]”. Entretanto, os direitos chamados personalíssimos não são passíveis desse negócio, como o caso da pensão alimentícia e direitos de personalidade.

Segundo Maria Helena Diniz, “não se exige forma específica para que se efetue a cessão de crédito; logo esta se configura como um negócio não solene ou consensual, por independer de forma determinada, bastando a simples declaração de vontade[4] das partes. Portanto, se houver acordo entre o que cederá seu crédito e aquele que o receberá, este negócio poderá ser celebrado e terá eficácia confirmada a partir do conhecimento do devedor. Em alguns casos é necessária a anuência do devedor para a validade do negócio. Mas, para que tenha “eficácia perante terceiros deverá ser celebrada mediante instrumento público ou particular, revestidos das solenidades do art. 654, § 1º, do Código Civil[5].

Para se compreender bem esse negócio jurídico, conhecer as partes se faz necessário. A função de cada um, os direitos, obrigações e capacidades. Estudá-los é tão importante quanto conhecer o código que rege essa relação.

2 CONCEITO DAS PARTES NA CESSÃO DE CRÉDITO

Para Maria Helena Diniz, “a cessão de crédito é um negócio jurídico bilateral, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor de uma obrigação (cedente) transfere, no todo ou em parte, a terceiro (cessionário), independentemente do consenso do devedor (cedido), sua posição na relação obrigacional...[6]”. (grifos nossos) Observa-se nesse conceito a presença distinta de todas as partes pertencentes a este negócio jurídico.

Antes da cessão de crédito ser realizada, existia a presença do credor, do devedor e da obrigação em um negócio jurídico estabelecido entre estas partes, cumprindo a forma permitida na lei. Quando a cessão ocorre, ela requer que este negócio exista, sob pena de nulidade. A partir daí, percebe-se que as partes não somente mudam de nomenclatura, mas de direitos e deveres. A mudança ocorre a partir do consentimento de cada parte envolvida nesse novo negócio. Assim, temos:

2.1 Cedente, Cessionário, Cedido e Objeto;

Antes conhecidos como credor e terceiro, no momento da cessão de crédito tomam nome e forma de cedente e cessionário. Não podemos deixar de mencionar que o devedor também muda de nome, embora sua participação permaneça quase inalterada na obrigação, passa a ser chamado de cedido.

O credor por vontade decide transferir seu crédito a outro, na sua totalidade ou apenas parte dele, evidentemente, se o objeto assim o permitir; de forma onerosa, recebendo pela transferência do crédito alguma compensação, ou gratuita, sem nada receber em troca. Ele será intitulado de cedente, a partir dessa relação. Aquele que cede seu direito de receber a coisa certa.

O Terceiro, que não se relacionava com as partes até o momento da cessão, passa a figurar como o cessionário. Aquele que, por vontade, recebe “o crédito, tal como se encontra, substituindo o cedente na relação obrigacional[7]. A partir desse momento o cessionário assume, para o devedor, a vez do credor, cabendo-lhe todos os direitos respectivos do antigo credor.

O cedido é tão somente o devedor, aquele que deve cumprir uma obrigação. Flávio Tartuce não recomenda o uso desse termo, “pois a pessoa não se transmite, mas tão somente a sua dívida[8]. É chamado assim por ser o sujeito a executá-la. Sua participação no processo de cessão é secundária, entretanto, sua existência é fundamental, pois o objeto da cessão só existe em virtude do devedor.

Ao contrário do que normalmente se pensa, o objeto não é o devedor e, portanto, não é o cedido. O objeto da cessão é simplesmente o crédito que um credor qualquer tem com um devedor, que pode ser de dar, fazer ou não fazer a coisa certa. É este crédito que é transferido a um terceiro no momento da cessão e que não recebe outro nome depois da mudança. O objeto da obrigação é o mesmo bem. Ele pode ser fracionado no momento da cessão, certo que o credor pode transferir seu direito de crédito apenas parcialmente.

2.2 Relação dos conceitos.

Entendendo o conceito das partes na cessão de crédito é possível vislumbrar melhor como esse negócio jurídico funciona, pois um sujeito detentor de um crédito resolve, em vez de cobrá-lo do devedor, transferi-lo a um terceiro, que de sua parte aceita esse crédito. Essa transferência pode ou não ter um bônus ao credor primitivo. Se houver, um ônus é transferido ao novo credor que se anulará pelo recebimento do devedor. Este por sua vez mantém seu dever na obrigação, mudando apenas o sujeito a quem deverá quitar seu débito. Por fim, o débito, que será transferido a um terceiro (ou mais de um), permanece o mesmo.

Portanto, percebemos que “os créditos são circuláveis. Nada há que impeça sua transferência. Envolvendo conteúdo de natureza patrimonial, reconhece-se a total disponibilidade, dizendo respeito ao direito de propriedade[9]. Seus requisitos são comuns a todos os contratos, como diz Arnaldo Rizzardo[10], e, enquadrando-o assim, será regido pelo Código Civil Brasileiro com seus respectivos requisitos. Cada parte com sua função específica a fim de conceder o máximo de segurança jurídica a este negócio.

3 FUNÇÃO DAS PARTES NA OBRIGAÇÃO

A lei permite a cessão de créditos, excluindo-se os inalienáveis por natureza, pela própria lei, ou convenção com o devedor. Conhecendo as partes que agora são chamadas de cedente, cessionário e cedido, conheçamos suas funções básicas nesse negócio jurídico:

3.1 Função do Cedente

O art. 286 do atual Código Civil prevê que “o credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; da obrigação.” Percebe-se então que cabe o credor a responsabilidade sobre o crédito cedido, inclusive sua existência. Segundo Maria Helena Diniz:

“A cessão produz efeitos entre as partes, ou seja, entre cedente e cessionário. O cedente, independentemente de declaração expressa, assumirá a responsabilidade perante o cessionário pela existência do crédito (nomem verum) ao tempo em que lhe cedeu, se se tratar de cessão por título oneroso, ou de cessão por título gratuito, se procedeu de má-fé[11]”.

Na ausência do objeto de cessão, comenta Silvio de Salvo Venosa, “haveria burla e enriquecimento injusto. Por outro lado, na cessão gratuita de crédito, por se tratar de uma liberalidade, não existe tal responsabilidade[12]”.  Ainda sobre cessão gratuita, “o cedente só responde pela existência do crédito se agiu com má-fé. Sempre é conveniente recordar que a má-fé não se presume e deve ser cabalmente provada[13]”.

Não é função do cedente responder pela solvência do devedor, conforme o art. 296, do CC, mas se a cessão for pro solvendo “aquela em que a transferência do crédito é feita com o intuito de extinguir a obrigação apenas quando o crédito for efetivamente cobrado[14], o cedente tem a responsabilidade da solvência do devedor ou ele mesmo assumir o débito diante do cessionário. No caso da cessão pro soluto, o cedente fica exonerado dessa função.

3.2 Função do Cessionário

Apesar de parecer que a função do cessionário é tão somente receber o cumprimento da obrigação, ou seja, do crédito que adquire, Arnaldo Rizzardo afirma que a ele “assegura-se o uso dos remédios judiciais admissíveis para a defesa do seu crédito[15]. A partir do momento da cessão, aquilo que cabia ao credor primitivo é transferido junto ao crédito para o cessionário[16], no que conclui o pensamento de Arnaldo Rizzardo: “Se este apresentava vícios; ou se a prazo, a termo; se dependente de condição resolutiva ou suspensiva; se contratado para pagamento no domicílio do cedente, o cessionário sujeita-se a tais percalços ou deficiências[17].

É função do cessionário não somente receber o bônus do crédito que adquiriu, mas, sobretudo, respeitar as condições que foram contratadas entre o cedente e cedido no ato da origem da obrigação.

Apesar da lei não mencionar, é no mínimo razoável que o cessionário tenha interesse em informar o devedor sobre a cessão de crédito, pois o Código Civil diz que:

“A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita[18]”.

“Fica desobrigado o devedor que, antes de ter conhecimento da cessão, paga ao credor primitivo, ou que, no caso de mais de uma cessão notificada, paga ao cessionário que lhe apresenta, com o título de cessão, o da obrigação cedida; quando o crédito constar de escritura pública, prevalecerá a prioridade da notificação[19]”.

Maria Helena Diniz[20] explica que é importante que o devedor seja notificado da cessão antes de efetuado o pagamento do débito, pois este poderá fazê-lo ao credor primitivo, cabendo ao cessionário apenas uma ação contra o cedente.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

3.3 Funções do Devedor.

Como dito acima, a participação do devedor no processo de cessão é secundária, mas tem o direito de tomar conhecimento, pois a eficácia do negócio jurídico dependerá de sua notificação.

A função principal do devedor é pagar a dívida. Todo o fundamento da transmissão de crédito pauta-se no fato de haver este débito. Logo, ocorrendo ou não a cessão, a extinção da obrigação se dá pelo pagamento por parte do devedor. Entretanto, uma vez que o credor decide transferir seu crédito a um terceiro, então ao devedor resta, quando notificado, saldar seu débito com o cessionário, não havendo para ele qualquer mudança quanto aos seus direitos.

Portanto, é do devedor o direito de opor exceções, pois, “o devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha com o cedente[21]”. Maria Helena Diniz afirma que o este “não perderá, com a cessão de crédito, o direito de opor ao cessionário as exceções (defesas) que lhes competirem e as que tinham contra o cedente no instante da notificação da cessão[22]”. Todos os direitos do devedor ante ao credor primitivo são transferidos junto ao crédito para o cessionário.

4 CONCLUSÃO

A cessão de crédito, como qualquer transmissão de obrigações “deve ser encarada diante dos princípios sociais obrigacionais e contratuais, particularmente a boa-fé objetiva e a função social[23]”. O estudo e aplicação dessa ferramenta contribui para o bom andamento da sociedade, pois procura fornecer aos indivíduos mais uma possibilidade de resolução de conflitos.

Também permite que, numa sociedade capitalista de livre comércio, na transferência de crédito, o indivíduo possa dispor de seus direitos, fazendo uso deles, assegurado pelo próprio Estado.

Arnaldo Rizzardo[24] diz que os créditos são circuláveis e que não há nada que impeça a sua transferência. Daí a importância de se conhecer bem as partes envolvidas nesse negócio jurídico. Quando se detém o conhecimento sobre os direitos e deveres, das ferramentas e consequências de seu uso, contribui-se para que a sociedade permaneça em seu curso de progresso e crescimento.

Tal conhecimento perderia sua função se não houvesse a matéria sobre a qual estudar, daí a importância da lei que versa sobre a cessão de crédito. Permite-se que ela defina as formas do exercício dos direitos adquiridos, confiando que suas diretrizes conduzem a um resultado satisfatório às partes envolvidas.

No que se refere à cessão de crédito, julgo que cumpre positivamente o seu objetivo.

REFERÊNCIAS

DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações: Lei nº 10.406, de 10.01.2002. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

TARTUCE, Flávio. Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 8 ed. São Paulo: Método, 2013.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

[1] Direito Civil, 2013, Vol. 2, p. 268.

[2] Código Civil Brasileiro, 2002.

[3] Direito das Obrigações: Lei 10.406, de 10.01.2002, 2011, 6. Ed, p. 251.

[4] Código Civil Anotado. 16. Ed, 2012, p. 315.

[5] Idem

[6] Idem

[7] Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 6. Ed, 2006, p.153

[8] Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 8 ed. , 2013, p. 268.

[9] Direito das Obrigações: Lei 10.406, de 10.01.2002, 2011, 6. Ed, p. 247.

[10] Idem

[11] Código Civil Anotado. 16. Ed, 2012, p. 317.

[12] Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 6. Ed, 2006, p.151.

[13] Idem.

[14] Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 8 ed. , 2013, p. 275.

[15] Direito das Obrigações: Lei 10.406, de 10.01.2002, 2011, 6. Ed, p. 261.

[16] Art. 293, Código Civil Brasileiro, 2002.

[17] Direito das Obrigações: Lei 10.406, de 10.01.2002, 2011, 6. Ed, p. 262.

[18] Art. 290, Código Civil Brasileiro, 2002.

[19] Art. 292, Código Civil Brasileiro, 2002.

[20] Código Civil Anotado. 16. Ed, 2012, p. 316.

[21] Art. 294, Código Civil Brasileiro, 2002.

[22] Código Civil Anotado. 16. Ed, 2012, p. 317.

[23] Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 8 ed. , 2013, p. 267.

[24] Direito das Obrigações: Lei 10.406, de 10.01.2002, 2011, 6. Ed, p. 247.


 

Sobre os autores
Shieldes Melo Frazão

Acadêmico do 10º Período de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos