Geralmente, quando o Direito entra na seara da Medicina, é para colocar profissionais no banco dos réus – seja penal ou civilmente. Dificilmente, contudo, esses profissionais são os autores das demandas. Essa situação, que parece ser normal se pensarmos que a Medicina é uma profissão que lida com a vida e, não sendo ciência exata, possui inúmeros riscos e variáveis, não reflete a realidade do cotidiano de médicos e enfermeiros. Isso porque, conforme desnudado em pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo, 3 em cada 4 médicos já sofreram algum tipo de violência no ambiente de trabalho, desde violência verbal, passando por agressões psicológicas, e culminando até mesmo em agressões físicas, sendo que um dos levantamentos apontou que 1 em cada 5 profissionais relatou esse tipo de violência.
Tais agressões são perpetradas por pacientes e seus acompanhantes, geralmente – mas não exclusivamente, cabe frisar – no âmbito do Sistema Único de Saúde, e na maior parte das vezes não são relatadas pelos profissionais vitimados.
A ocorrência de agressões evidencia uma má relação médico-paciente, o que prejudica não apenas os profissionais, como os próprios pacientes que devem ser atendidos, já que estes acabam portando-se de forma que impacta negativamente seu tratamento, seja não conversando satisfatoriamente com os profissionais, seja deixando de atender a recomendações médicas.
As narrativas apontam que a má qualidade do atendimento – com longas filas, consultas de curta duração e médicos, muitas vezes, despreparados para o lado humano da medicina – aliada à própria situação de estresse a que pacientes estão submetidos, acaba levando muitos deles a exacerbarem os limites de uma conduta socialmente aceitável, adentrando inclusive a seara do direito penal, com ofensas, ameaças e até lesões corporais. Para piorar a situação, deve-se compreender que tais fatos ocorrem numa infraestrutura em estado de abandono. O ambiente sem condições de atendimento pleno à saúde pública é a ignição para o clima de agressão no setor.
Tais fatos, contudo, não servem de escusa para a prática das agressões. O profissional que for vitimado por qualquer forma de violência pode, e deve, buscar a proteção não somente da Instituição em que trabalha, como também do Estado.
Aos hospitais e postos de saúde cabe criar e manter canais de denúncia, centros de acolhimento aos profissionais, e melhora na segurança, atuando de maneira firme contra pacientes e acompanhantes agressores, bem como proporcionando atendimento psicológico àquele que foi vitimado.
Já ao Estado, cabe atuar mediante a provocação do profissional vitimado, que pode procurar a Justiça tanto na esfera cível quanto criminal. De um lado, tem como ferramentas a ação de indenização por danos morais e materiais, e de outro há a possibilidade de responsabilização penal dos agressores por crimes como difamação, injúria, ameaça, e lesões corporais – questões que, em hipótese de condenação, também auxiliam a busca de compensação na esfera civil.
Caso as Instituições não atuem de forma adequada na proteção e acolhimento dos profissionais que lá trabalham, também podem ver-se no polo passivo de demandas de cunho civil e até mesmo trabalhista, de forma que não devem deixar somente ao profissional a responsabilidade por fazer valer seus direitos e por ser respeitado. Por conta disso, não é incomum médicos e profissionais de saúde, ao ingressarem nos plantões, iniciarem a jornada formalizando reclamações e até mesmo boletins de ocorrência perante as más condições para o exercício profissional. E lá ficando por uma simples razão: se não fizerem o mínimo, ninguém cuidará da população.
A situação como um todo é um ponto ainda pouco evidenciado da tensa relação médico-paciente em geral, e a relação desgastada que existe em locais que contam com poucos médicos e leitos em particular, a qual merece a atenção de profissionais da saúde, de gestão e do Direito.