A relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying

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30/01/2019 às 10:06
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O presente artigo visa reconhecer a relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying, apresentando o risco social como meio de estabelecer a existência da ação-resultado proveniente da conduto da intimidação vexatória.

Resumo: O objetivo deste estudo é reconhecer a relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying. Cumpre-se observar que o autoextermínio não é tipificado como ato ilícito, pois o legislador, sabiamente, entende que o suicida necessita de ajuda, não punição. No ordenamento jurídico, aquele que incentiva, instiga ou auxilia uma pessoa a retirar sua própria vida, poderá ser enquadrado no art. 122. do Código Penal, que não compreende o cyberbullying - caracterizado por ações de violência psíquica ocorridas no meio virtual. Vale destacar que, na ausência de um dispositivo especifico, o ato é tratado como crime contra a honra. Tratativa inadequada, diante dos danos irreparáveis gerados na vítima, podendo esta chegar ao suicídio. Consoante a esse contexto, objetivando inibir a conduta do agressor virtual, torna-se imprescindível a criação de um dispositivo penal especifico onde se reconheça o nexo de causalidade entre o cyberbullying e o suicídio.

Palavras-chave: Cyberbullying. Nexo de imputação. Suicídio. Causalidade. Bullying.

Sumário: 1. Introdução 2. Do bullying. 2.1. Evolução histórica. 3. Do cyberbullying. 3.1. Personagens. 3.2. Das consequências. 3.3. O cyberbullying no ordenamento jurídico brasileiro. 3.3.1. A necessidade de uma norma especifica. 4. O suicídio. 4.1. Suicídio no Brasil. 4.2. Tipo penal de induzimento, incentivo e auxílio ao suicídio. 5. Nexo de causalidade. 5.1. A evolução histórica. 5.2. A teoria de imputação objetiva. 5.2.1. Criação do risco não permitido. 5.2.2. aumento do risco permitido. 5.2.3. A diminuição do risco. 5.2.4. A imputação objetiva de Günther Jakobs. 6. O cyberbullying e o suicídio. 6.1. Relação de causalidade do suicídio decorrente do cyberbullying. Conclusão. Referências.


1. INTRODUÇÃO

O ser humano, em sua porção individual, é uma “grande máquina complexa”, com pensamentos, atitudes e experiências de seus diversos relacionamentos. As relações entre os indivíduos passaram a ter uma grande importância no conhecimento e construção do comportamento humano. Ações de carinho, cuidado, afeto, agressão física, psicológica ou até mesmo um apelido imputado, passaram a serem fatores determinantes na construção psicológica.

As relações dos indivíduos em meio físico, ganharam força em meio virtual, dessa forma, a tecnologia surge como um facilitador destas conexões. O computador exerceu um papel significativo no desenvolvimento destas relações, a chamada “redes sociais” – ambiente virtual dentro da internet, composta de pessoas conectadas através de interesses comuns. Previa a criação destas redes, o uso da internet precisou ser regulado para garantir aos usuários segurança e limites de seu uso, e em 23 de abril de 2014, foi sancionada a lei de nº 12.965/14, chamada “Marco Civil da Internet”.

Na trajetória humana, a conduta no meio social foi regulada através de normas de convívio, as leis foram adaptadas em reflexo de novos fatos, bem como a ideia de certo ou errado. A internet inovou o conceito de crime, onde os sujeitos praticam transgressões tipificadas penalmente, asseguradas pela concepção do anonimato e facilidade que o espaço permite.

O cyberbullying é uma ação ou comportamento, através do ambiente virtual, que possui a finalidade de maltratar, amedrontar ou intimidar, com crueldade, um indivíduo. Agressão essa, que não existe enquadrada penal, trazendo danos irreparáveis para a vida da vítima, como o suicídio. No Brasil, a lei de nº 13.185/16, chamada de Programa de Combate à Intimidação Sistemática, conceitua o cyberbullying, determinando que as escolas fiscalizem esses eventos, a fim de impedir sua ocorrência, porém, a lei não admite punição para os agressores.

O Código Penal (CP) não inclui em seu rol de crimes o cyberbullying, tampouco o suicídio derivado dessa ação. O art. 122, do citado código, aduz como ato criminoso as ações de induzir, instigar ou auxiliar o indivíduo ao cometimento do suicídio, não englobando, em seu suporte fático, o cyberbullying. Nesse diapasão, diante da falta de uma matéria, surge o questionamento: o agressor poderia ser responsabilizado pelo suicídio que decorrer do cyberbullying?

O Objetivo Geral deste estudo é verificar se existe relação de causalidade entre o cyberbullying e o suicídio, como fator de criação de um novo tipo penal.

Já os Objetivos Específicos, serão utilizados para alcançar o determinado propósito, como entender o conceito de bullying e o cyberbullying, explicando sua origem e evolução histórica. Além de identificar os personagens que compõem o cenário, suas consequências, e se existe dispositivo jurídico que englobe a conduta. Explicar o conceito de suicídio e apresentar dados estatísticos sobre a existência da prática. Analisar o nexo de causalidade e a suas teorias, serão vitais para constatar o resultado suicídio decorrente das ações de cyberbullying.

O autoextermínio é uma instabilidade emocional do indivíduo, sendo possível a punição daqueles que satisfazem o art. 122. do CP. Entretanto, existem casos em que as agressões psicológicas criam vulnerabilidade à vítima, que sem qualquer discernimento retira sua própria vida. A ausência de dispositivo que caracterize o crime, ou reconheça sua relação decorrente do cyberbullying, implica na impunidade dos agressores. Logo, torna-se necessário sua tipificação penal.

No que tange a Metodologia, com referência ao ponto de vista de sua natureza, a pesquisa envolve a investigação aplicada, pois o objetivo é de gerar conhecimento e solucionar o problema, pois a inexistência de uma norma especifica, acarreta a falta de julgamentos, ou enquadramento, dos casos em que o suicídio se deriva do cybebullying.

No que diz respeito à Natureza da Investigação, a pesquisa inicia-se de forma exploratória, que visa aproximar o conhecimento das pessoas sobre a existência do problema. No que concerne acreditar, que a sociedade entende que o suicídio é culpa exclusiva daquele que retira sua própria vida, não cogitando a interferências de outros nesse cenário. No transcorrer do estudo, alguns casos serão utilizados a fim de identificar as razões que levaram o indivíduo a findar sua vida, além dos motivos em que os agressores não são alcançados pela norma. A pesquisa, no desdobrar de sua explanação, tem sua finalidade alterada, passando a exercer um ponto de vista descritivo, reconhecendo o nexo causal entre a causa-consequência dos títulos abordados.

O Método Hipotético da investigação é o indutivo, pois a pesquisa parte de casos específicos, para um contexto geral.

A Técnica de Pesquisa é a bibliográfica, pois tem por objetivo buscar conhecimento cientifico através de periódico, doutrinas, artigos e qualquer material que agregue significado ao tema proposto. A Coleta de Dados ocorrerá através da análise do conteúdo, identificando o material relevante para a solidez da pesquisa, servindo de técnica para qualificar os meios pertinentes que serão utilizados.

A Abordagem é qualitativa, promovendo a compreensão do comportamento entre os personagens envolvidos no cyberbullying, objetivando reconhecer os atos que acarretam o suicídio. Ademais, o estudo aponta uma solução para a redução dos casos de autoextermínio proveniente da violência virtual.


2. DO BULLYING

A trajetória humana foi marcada por diversos atos de caráter violento, que eram culturalmente aceitos pela sociedade na época. Segundo ROBERT MUCHEMBLE (2014, p. 1), “surge no início do séc. XIII a palavra violência, que deriva-se do latim vis (força ou vigor), [...] definido como uma relação de força que visa submeter ou constranger o outro”. Atualmente, a violência reformulou-se devido às leis criadas para regular o comportamento do indivíduo, em que a brutalidade física foi substituída por atos contra o psicológico da vítima, não apresentando marca física no indivíduo.

Em meio às novas formas de violência, o bullying, que é uma palavra de origem inglesa derivada do verbo “bully”, machucar ou ameaçar alguém mais fraco. Para GÓES (2016), é a conduta de intimidação que se utiliza de violência, seja ela física ou psicológica, havendo ações repetitivas e imotivadas. A conduta poderá ser praticada contra uma ou mais pessoas, objetivando intimidar ou agredir a vítima, causando consequências que vão além de dores físicas. Em sua grande maioria, estas ações ocorrem na fase da infância e/ou adolescência de meninos e meninas, onde em grande proporção, as vítimas são vistas como pessoas mais fragilizadas, seja por sua idade inferior, peso, orientação sexual, interesses ou até mesmo cor da pele.

A ocorrência do bullying normalmente é no meio escolar, em que um aluno tenta intimidar o outro colega, no caso a vítima, mostrando sua força e a oprimindo. O autor de tais ações, cometem apenas na presença de outras pessoas, pois sua satisfação ganha êxito quando alguém presencia o ato. Dentro desse cenário conseguimos isolar três personagens: O autor da conduta, a vítima e o expectador. O autor é quem ataca supostamente outro mais fraco, com o objetivo de causar humilhação, dor ou constrangimento; a vítima é quem sofre às agressões físicas e psicológicas, e o expectador é aquele que assiste ou até mesmo auxilia o agressor na prática.

O gênero não é empecilho para que ocorra a violência, o autor poderá ser de ambos os sexos, diferenciando a forma que se propagada a violência. SILVA (2010 apud GOES, 2016, p. 16) cita que a “prática é realizada tanto por meninos, quanto por meninas, a diferença está no ato em si, pois as meninas desenvolvem a prática com injúria e difamação, já os meninos, agressões físicas [...]”, entretanto, essa diferença torna-se cada vez mais tênue, podendo existir agressões físicas e/ou práticas de injúria e difamação executados por ambos os gêneros.

Um ponto a ser considerado, é a difícil identificação de casos de bullying, pois grande parte das vítimas por medo ou receio de sofrer mais agressões, escondem dos próprios pais ou responsáveis, além de não buscarem algum meio de ajuda. De modo geral, o alvo se vê como indefeso, desencadeando consequências como: baixa autoestima, afastamento dos colegas, tristeza, depressão, autoflagelação ou até mesmo o suicídio. Como destaca GÓES (2016):

[...]é fundamental o papel da segurança pública em situações em que há violência e criminalidade entre jovens. É importante ser considerado o fenômeno do bullying nas investigações, assim, inúmeros casos de suicídios, assassinatos, lesões corporais graves poderiam ser evitadas se existisse um tratamento mais adequado para esse tema. (SILVA, 2010 apud GOES, 2016, p. 16),

O papel da Escola, dos pais e/ou responsáveis, é acompanhar seus filhos/alunos em tarefas diárias, estabelecendo um canal de segurança a fim de auxiliá-los em qualquer dificuldade que apresente. Ao sinal de isolamento ou alteração do perfil conhecido do jovem, deverá existir uma atuação de todos os envolvidos para que evite qualquer desdobramento futuro, como traumas psicológicos.

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A existência do bullying já ocorre desde a antiguidade, porém não há indícios do início, mas as primeiras sinalizações começaram a surgir a partir da década de 1970, e a Suécia foi o primeiro país a iniciar as investigações sobre esse comportamento. Detalha FANTE (2005), que em pesquisas realizadas na Escandinávia, era nítida a violência no meio escolar e sua proliferação em outros países. Destaca o fato ocorrido em 1982, na Noruega, sobre suicídio de crianças decorrente do bullying, criando um alerta para as autoridades a fim de reduzir ou erradicar essa violência.

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Dan Olweus foi o primeiro a realizar estudos sobre a violência do bullying. O objetivo dessa pesquisa era diferenciar uma simples brincadeira, como por exemplo, uma gozação de uma ação agressiva. FANTE (2005) relata sobre pesquisa apontada por Olweus, identificando que a cada grupo de 7 (sete) alunos, 1 (um) era envolvido em situações de bullying.

O Brasil, em 1997, passou por diversas pesquisas sobre bullying escolar. LEÃO (2010, p. 122) relata, que a Prof. Marta Canfield foi a primeira a iniciar a exploração sobre esse assunto no país. Entre 2000 e 2001, Israel Figueira e Carlos Neto seguiram com as pesquisas. E a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e Adolescência desenvolveu estudo revelando que 40,5% dos alunos entrevistados já tiveram envolvimento em episódios de violência.

No Brasil, após alguns debates, foi sancionada a Lei 13.185/16 chamada de Programa de Combate à Intimidação Sistemática, conceituando o bullying. O objetivo desta norma, é determinar que os estabelecimentos de ensino, impeçam quaisquer tipos de violência entre os alunos, sendo de responsabilidade da entidade, conscientizar e prevenir tais condutas adversas. Contudo, não atribui a ação do autor como crime, tampouco a possibilidade da aplicação de sanção.


3. CYBERBULLYING

Conceituado anteriormente, o bullying apresenta-se de diversas formas, e, através da criação da internet e sistemas informatizados, a agressão passou a ser propagada no meio digital, chamada de cyberbullying. O termo foi criado pela junção de dois termos: o “cyber”, que se associa a internet ou espaço virtual, e o “bullying”. Desse modo, o cyberbullying pode ser conceituado como uma ação em que um indivíduo busca intimidar a vítima, de forma reiterada, por meio da internet ou qualquer dispositivo móvel.

MENDONÇA (2016) afirma que:

O cyberbullying pode ser considerado pior que o bullying, porque a vítima pode ser perseguida por horas, podendo chegar a todos os dias da semana, através de redes sociais, mensagens no celular, contendo filmes ou fotos da vítima em situações constrangedoras e até mesmo a publicação destes arquivos nas redes através de perfis falsos. Inclusive, é bastante comum, o uso de fotos adulteradas com conteúdo difamatório. (p. 47-50).

A velocidade de processamento que a internet possibilidade, implica no alcance de grande quantidade de pessoas e curto espaço de tempo. Logo, o ato violento produzido pelo cyberbullying, amplia o sofrimento vítima. Pode-se citar como exemplo, a “pornografia de vingança”, em que no âmbito da relação, uma das partes decide expor vídeos íntimos da outra, com intenção de humilhar perante a sociedade, incluindo seus familiares, satisfazendo seu desejo de vingança pelo fim do vínculo afetivo. Ocorre que, a exposição é tamanha, ao ponto da vítima cometer suicídio.

3.1. OS PERSONAGENS

A violência apresentada pelo cyberbullying ocorre num cenário composto de três personagens: o autor, a vítima e o espectador.

O agressor tem por objetivo humilhar ou menosprezar a vítima, apresentando-se como parte mais forte daquela relação, e tornando-se popular aos demais que convivem junto ao mesmo. A reação de sofrimento da vítima possibilita a redução da conduta do autor, mas causa satisfação. Existem possíveis fatores desencadeadores que podem explicar o motivo da conduta dos agressores, como conflitos entre membros da família, maus tratos associados a algum abuso, ou baixa autoestima. Com isso, estas pessoas tendem a descontar a sua raiva em outras mais fragilizadas.

Muitos estudantes vivenciam esta realidade, onde a internet faz-se cada vez mais presente no ambiente escolar. Meio social em que as crianças estão muito mais suscetíveis a brincadeiras, que muitas vezes podem ser consideradas hostis e machucam de forma severa o outro.

Através de dispositivos moveis estas crianças disseminam apelidos, ofensas e até mesmo mentiras sobre outros jovens com o único objetivo de atingir hostilizar.

A vítima normalmente é escolhida pelo perfil tímido, introspectivo ou que apresente alguma característica divergente do que o agressor acredite ser o correto. Podendo ser apontado pelo seu estereótipo, inclinação religiosa, opção sexual e etc. Geralmente a vítima é aquela:

Pouco sociável, que sofre repetidamente as consequências dos comportamentos agressivos de outros; possui aspecto físico frágil, coordenação motora deficiente, extrema sensibilidade, timidez, passividade, submissão, insegurança, baixa autoestima, alguma dificuldade de aprendizado, ansiedade e aspectos depressivos. Sente dificuldade de impor-se ao grupo, tanto física quanto verbalmente. (SILVA, 2006 apud LEÃO, 2010, p. 125).

Um sujeito, que é vítima dessa conduta, poderá ser identificado pelo seu comportamento, tal como a dificuldade de estabelecer uma relação interpessoal, ficar isolado, faltas constantes ao colégio, possuir dores de cabeça e mudança de humor, etc. Existem casos da prática de autolesão, ou até mesmo o suicídio.

O último personagem desse cenário é o Espectador, e sua existência é necessária para satisfação do agressor. Esse sujeito tem por função testemunhar o fato ou repassar o conteúdo difamatório. Geralmente não defende a vítima, tampouco tem envolvimento com a prática agressiva, mas é sujeito fundamental, atuando como plateia e expandindo a prática iniciada pelo agressor.

3.2. DAS CONSEQUÊNCIAS

As agressões poderão gerar consequências psíquicas ao indivíduo que sofre por tais atos, não deixando qualquer marcar no corpo do sujeito, mas danos irreparáveis em sua mente. As consequências do cyberbullying afetam todos os envolvidos, desenvolvendo problemas físicos e emocionais, sejam de curto ou longo prazo.

Ademais, acarreta sequelas, quanto criança, que poderão se estender até a vida adulta, como dificuldade de relacionamento no trabalho, formação de família e criação dos filhos. Segundo FANTE (2005), a intensidade do sofrimento e sua absorção poderão se manifestar na vítima de várias formas, apresentando sintomas psicossomáticos como:

[...] enurese, taquicardia, sudorese, insônia, cefaleia, dor epigástrica, bloqueio dos pensamentos e raciocínio, ansiedade, estresse, depressão, pensamentos de vingança e suicídio, bem como reações extras psíquicas, expressos por agressividade, impulsividade, hiperatividade e abuso de substâncias químicas. (FANTE, 2005, p. 80).

As pessoas que são submetidas a qualquer violência desse gênero, poderão desencadear transtornos mentais. Geralmente transtornos de humor como a depressão, acarretam isolamento e desinteresse em tarefas comuns no dia-a-dia. Existem casos que o indivíduo já tem predisposição para tais transtornos, razão essa que poderá agravar ou fragilizar o quadro.

Os danos gerados por essas violências psicológicas são curáveis, mas podem ser letais caso não sejam tratadas em tempo hábil. Casos de suicídio para pessoas acometidas com depressão são comuns, além das ações de autolesão.

3.3. O CYBERBULLYING NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

A evolução tecnológica ocasiona um novo conceito de sociedade, sendo construídas concomitantemente ao seu avanço, as informatizações. O Direito, como regulador do comportamento do indivíduo na sociedade, não acompanha essa rápida evolução social, a Lei 12.965/14, também conhecida como Marco Civil da Internet - objetiva disciplinar os brasileiros na utilização da internet, traz em seu escopo, garantias constitucionais, direitos e deveres. Entretanto, os artigos da referida lei, não estabelecem punições ou sanções aos usuários que praticarem atos ilícitos, devido a ausência de tipificação penal dos crimes cibernéticos.

Os delitos praticados em meio físico, passaram a serem efetuados no espaço virtual. Destaco o crime de furto, art. 155. do CP - o ato de “subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel” (BRASIL, 1940), ou seja, a lesão ao patrimônio ocorre quando o agente afana algo que não o pertence. A consumação, segundo GRECO (2017), ocorre quando a coisa furtada sai da esfera de vigilância da vítima. Considerando o mesmo crime, mas realizado em meio virtual, o agente não necessita do contato com a coisa para realizar a subtração, poderá este praticar em qualquer lugar, como por exemplo: os dados copiados de contas eletrônicas, que possibilite a retira ou transferência de valores em dinheiro para outras contas.

Com a transformação da sociedade, surge a necessidade das normas acompanharem essa evolução, adaptando a mudança do novo perfil criminológico do individuo, pois a ausência de dispositivo que enquadre essa contemporânea forma de crime, provoca impunidade dos agressores e a continuidade delitiva.

O Código Penal Brasileiro, em seu Capítulo V, aduz os crimes contra a honra: calúnia, injúria e a difamação. Esses injustos penais, são utilizando como fundamentação das práticas de cyberbullying, como destaca notícia veiculada no PORTAL DA CÂMARA DOS DEPUTADOS (2016), em que a advogada especialista em direito digital. Gisele Truzzi, afirma que nosso ordenamento já tipifica o cyberbullying como crime. Segundo a advogada, a conduta analisada, trata-se apenas de crime contra a honra, por meio do computador ou dispositivo móvel. Ressalta ainda, que o próprio Decreto-Lei 2.848/40 define a majoração da pena quando o crime for praticado na presença de várias pessoas.

A conduta de cyberbullying, como já explicado no decorrer do estudo, é caracterizada por agressões intencionais e repetitivas sem motivação aparente. Razão essa, que a ideia apresentada pela advogada não poderá ser aceita, pois os crimes contra a honra, como exemplo o difamação, art. 139. do CP, determina que - “difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação” (BRASIL, 1940), não apresenta características determinantes do comportamento da violência virtual.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LNDB) em seu art. 4ª, traz a ideia que, na omissão da norma, o Juiz poderá utilizar da analogia, costumes e princípios para o julgamento de casos sem norma específica, entretanto os dispositivos elencados do Capítulo V do Código Penal Brasileiro não são análogos ou se satisfazem para enquadrar a prática do cyberbullying. O art. 1ª do CPB aduz que: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1940), desse modo, na ausência da norma jurídica o ato é considerado atípico, não sendo imputado uma punição pela conduta.

3.3.1. A tipificação penal do cyberbullying

O estudo acerca do tema vem sendo analisado em todo o mundo. Os Estados Unidos, que através de JUVONEN e GROSS (2008 apud WENDT, 2012) expuseram dados surpreendentes obtidos da pesquisa de campo realizada, onde os pesquisados responderam perguntas como: se já sofreram ou conhecia quem sofreu, ou participaram de ações de bullying/cyberbullying. O resultado da investigação constatou que 77% das pessoas que responderam à pesquisa, com idade entre 12 a 17 anos, confirmaram que foram vítimas de insultos e mensagens ameaçadoras, sendo que 90% desse montante afirmaram que não comunicaram o caso para seus pais ou responsáveis.

Com o aumento dos crimes ocorridos no ambiente virtual, e a ausência de legislação que puna ações nesse espaço, algumas associações surgiram para auxiliar os usuários a se protegerem desses ataques. Uma dessas organizações é a SAFERNET (2018), fundada no ano de 2005, atua no território nacional, focando na promoção e defesa dos Direitos Humanos na Internet. O grupo mantém uma central nacional de denúncias de crimes cibernéticos, com o apoio de empresas privadas, públicas, organizações internacionais e a sociedade civil, como por exemplo, o Ministério Público Federal, Ministérios dos Direitos Humanos, Policia Federal, Unicef, Facebook, etc.

A SaferNet recepciona casos de violência no meio virtual, apoio aos pais e vítimas de intimidações, chantagem, tentativa de violência sexual, exposição forçada de fotos e filmes sensuais. O HelpLine Brasil é um canal de registros de denúncias e assistência às pessoas que sofreram violência cibernética. Indicadores apresentados pelo site constam que nas 27 unidades da Federação, no período de 2007 a 2017, foram 15.983 pessoas atendidas, dentre elas, 2.269 eram crianças e adolescentes, 1.751 pais e educadores e 11.963 outros adultos.

Em 2016, o site registrou cerca de 312 casos de cyberbullying e ofensas, e desse total, 202 foram do sexo feminino e 110 do sexo masculino. Em 2017, houve o aumento dos casos para cerca de 359, com 242 do sexo feminino e 117 do sexo masculino. O Estado de São Paulo, no mesmo ano, apontou maior índice de denúncias, cerca de 95, seguido do Estado da Bahia com 31 e o Rio de Janeiro com 25 casos registrados. É necessário ressaltar que os dados expostos no site não correspondem ao percentual real das agressões, pois, pela falta de conhecimento, orientação ou até mesmo identificação da conduta violenta, usuários não fazem os registros.

Em 2016 foi sancionado o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, Lei 13.185/16, conhecido como Lei Anti-bullying. O aludido programa, determina que às escolas criem ações contra esse tipo de violência, além de fiscalizarem e monitorarem o ambiente escolar, a fim de incluir práticas preventivas. Na presente lei, no art. 2º, parágrafo único, traz os aspectos e características do cyberbullying a fim de identificar a conduta:

Parágrafo único. Há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial. (BRASIL, 2015).

A necessidade de uma tipificação especifica para julgamento dos casos sobre este tema, atrelado ao aumento de vítimas e ausência de dispositivo de punição, gera uma sensação de impunidade por parte dos autores. Projetos são criados com o intuito de tipificar penalmente o bullying e o cyberbullying no Brasil, é o caso do Projeto de Lei (PL) 1011/11.

O PL apresentado em 12/04/2011, tem por objetivo definir como crime a intimidação escolar (bullying). A Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado aprovou, em 20/11/2013, texto que substitui a redação do PL1011/11. Segundo o site da Câmara dos Deputados, HAJE (2013) relata que a composição determina ações em que o agente será enquadrado como praticante do tipo penal, dentre elas, o fato de intimidar, ofender, castigar alguém, a um sofrimento físico ou moral, de forma reiterada. Inclui também no dispositivo criado, a conceituação da prática de cyberbullying e as penas relativas à postura do autor.

Sobre a punição determinada no projeto, aduz ainda que será imputada a pena de detenção de 1 a 3 anos e multa, caso ocorra no meio escolar, poderá ser elevada até 50%, e, já nos casos de cyberbullying, a pena terá o aumento de 1/3. Nas situações que a vítima for deficiente, menor de 12 anos, ou se o crime ocorrer devido a questões de raça, etnia, cor, etc., a pena será aplicada em dobro.

Nas ações que resulte em lesão corporal ou sequela psicológica grave, a pena será de reclusão de 1 a 5 anos. A lesão sendo permanente, a pena passará a ser de 2 a 8 anos. Quando ocorrer morte, será atribuída a pena de 4 a 12 anos.

Em 08/05/2018, a PL trouxe novos desdobramentos, o relator Dep. Mandetta, partido Democratas do Mato Grosso do Sul, opinou pela aprovação e conversão em lei. No dito parecer, o deputado reafirma a necessidade de uma tipificação penal, ressaltado as consequências da conduta do agressor:

[...] possível isolamento ou queda do rendimento escolar, crianças e adolescentes que passam por humilhações racistas, difamatórias ou separatistas podem apresentar doenças psicossomáticas e sofrer de algum tipo de trauma que influencie traços da personalidade. Em alguns casos extremos, a intimidação chega a afetar o estado emocional do jovem de tal maneira que ele opte por soluções trágicas, como o suicídio [...]. (BRASILIA, 2018).

Diante dos dados apresentados ao decorrer deste capítulo, embasado em números alarmantes sobre as denúncias de cyberbullying, a conduta deverá ser tipificada, pois na ausência de uma norma que auxilie nas tratativas desses casos, o percentual de vítimas só aumenta e os agressores continuam impunes.

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Sobre o autor
Luciano Sousa Moreno

10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Dom Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Dom Pedro II, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Liberato Menezes e coorientação de Raul Mangabeira.

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