Constitucionalidade dos precedentes à brasileira

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O presente artigo aborda um tema que tem chamado bastante atenção após a promulgação do Novo Código de Processo Civil, os precedentes.

SUMÁRIO

 

1. Introdução

2. Common Law x Civil Law e os precedentes

3. Constitucionalidade

4. Os precedentes no Direito Comparado

5. Reflexões sobre a adoção dos precedentes no Brasil

6. Considerações finais

7. Referências bibliográficas

{C}1.      {C}INTRODUÇÃO

 

Um tema que tem chamado bastante atenção nos debates sobre o Novo Código de Processo Civil é a questão do precedentes obrigatórios. Que trata basicamente da adoção de um sistema de decisões vinculantes, de modo que as decisões dos Tribunais Superiores, em especial do Superior Tribunal de Justiça, tornem-se vinculantes para os Tribunais locais e juízes de primeiro grau, promovendo-se, assim, a segurança jurídica e a igualdade perante o Direito.

É um discurso bastante sedutor que vem encantando diversos doutrinadores, propondo solucionar a indeterminação do direito e a falta de previsibilidade a respeito do conteúdo das decisões. A questão é saber se o sistema de precedentes obrigatórios é capaz de solucionar tal problema.

{C}2.      COMMON LAW X CIVIL LAW E OS PRECEDENTES

Antes de adentrar ao tema propriamente dito, convém fazer um breve apontamento acerca do surgimento das duas tradições jurídicas que são o Common Law (precedentes) e o Civil Law (codificação ou direito legislado).

O Common Law e o Civil Law surgiram e desenvolveram-se desembocando em vertentes diferentes dado o contexto em que cada um estava inserido, sendo que o Common Law desenvolveu-se a partir do acúmulo das decisões dos juízes dos usos anglo-saxões e dos costumes feudais, já o Civil Law consistiu na sistematização, após a categorização e organização das doutrinas dos mestres ante à prática da jurisprudência.[1]

Embora, tenham sistemáticas diferentes, as duas vertentes são democráticas no tocante ao processo de elaboração dos seus métodos. Além disso, o Common Law e o Civil Law possuem como característica similar a busca pela aplicação do direito de forma coesa, evitando decisões distintas para casos semelhantes. [2]

Ressalta-se, que o Common Law não visa sobrelevar o status dos precedentes à legislação vigente, mas objetiva a sua aplicação conforme a lei e não ao seu arrepio. [3]

Ainda, é clarividente a todos os intérpretes do Direito Processual Civil que tanto um sistema quanto o outro não conseguem sanar, barrar ou impedir o grande volume de demandas judiciais repetitivas, revelando assim a falibilidade de cada um deles, conforme, aponta o Professor Lenio Streck, acertadamente, em seu artigo publicado no site Consultor Jurídico, intitulado “Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes – Parte II”, vejamos:

“Por isso, indago: como podem ser fonte primária se visam, sob a ótica especialmente de Zanetti, justamente reduzir o grau de “equivocidade” ou de “textura aberta” da lei — justamente o ponto de partida para que sejam criados os denominados “precedentes”? Não haveria aí uma contradição? E esses “precedentes” passariam a ocupar o mesmo lugar e patamar da lei no ordenamento jurídico, mesmo que equivocados? Como assim? Então, alguém deve dar a última palavra e essa “decisão interpretativa” acabaria valendo mais que a própria lei? E, fundamentalmente: por que é que um texto (um precedente) geraria menos “problemas” interpretativos que outro texto (uma lei)? Além disso, no final do artigo, Zaneti e Pereira assumem a posição realista (como também fazem alguns dos seguidores desta proposta). De todo modo, parabenizo Zanetti e Pereira pelo diálogo e preocupação com este tema.”

Superadas as características próprias de cada sistema jurídico, registra-se que o Brasil adota o Civil Law, dado as suas raízes históricas onde a sua legislação foi implementada por meio da codificação, inspirada nas Ordenações Filipinas e Afonsinas que “constituíram o elemento fundamental da vida jurídica dos povos modernos” REALE (2001, p. 142).

Ante aos ponderamentos supra, passa-se a analisar o tema especificamente:

O novel diploma processual, Lei 13.105, de 16 de março de 2015, estatui no seu artigo 926 caput: “Tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, integra e coerente.”

E no seu parágrafo segundo: “Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua decisão.”

Do artigo retro entrava-se o debate jurídico tendo em vista a sua aplicação, visto que há a menção dos “precedentes”, característica esta do sistema Common Law.

Alguns juristas defendem a tese de que os precedentes são o melhor meio pelo qual o grande volume de processos de conflitos repetitivos que tramitam em todo o pais venha a reduzir substancialmente, como Ticiano Alves e Silva, Hermes Zaneti Jr., Carlos Pereira, Elpídio Donizetti.

Porém, doutro lado, vê-se os processualistas que não veem tal perspectiva com bons olhos, pois acreditam e defendem que a utilização dos precedentes não resolverá o problema e acusam o entendimento contrário de buscar tal objetivo em detrimento da qualidade das decisões e da justa prestação jurisdicional, como José Maria Rosa Tesheiner, Nelson Nery Junior, Lenio Luiz Streck, Marcelo Cattoni, Francisco Borges Motta, Lucio Delfino e George Abboud.

A corrente majoritária, juntamente, com os tribunais superiores estão otimistas com previsão legal dos precedentes no Novo Código de Processo Civil.

Já a corrente contrária aos precedentes argumenta que sua implantação no país não se assemelha com os precedentes nos países que adotaram o Common Law, mas uma péssima adaptação à brasileira.

A melhor doutrina afirma uníssona que o Novel Diploma Processual, no tocante aos “precedentes”, não deve de modo nenhum engessar as decisões judiciais, a fim de evitar a eternização dos entendimentos jurisprudenciais dado a necessidade de evolução do Direito para atender as demandas dos jurisdicionados que veem no Judiciário a última instância para a solução de seus conflitos.

Corroborando, nesse diapasão, leciona o mestre Elpídio Donizetti, no seu artigo intitulado, “A Força dos Precedentes do Novo Código de Processo Civil, publicado no site jurídico JusBrasil”:

“As técnicas que valorizam os precedentes judiciais e, consequentemente, a celeridade processual, a isonomia e a segurança jurídica, devem servir para aprimorar o sistema processual civil e jamais para engessar a atuação interpretativa dos juízes e tribunais pátrios ou para limitar o direito de acesso à justiça.”

Também é o entendimento do professor Nelson Nery, no tocante a necessidade de segurança jurídica e uniformização de entendimento que o Código de Processo visa estabelecer:

“Tudo que o Código disser no sentido de dar à jurisprudência unidade, conformidade, estabilidade e coerência é muito bem-vindo. Vemos hoje decisões do Supremo e do STJ em vários sentidos – uma turma pensa A, a outra pensa B. E, nós, aqui embaixo precisamos de segurança jurídica. Não podemos ter um Supremo que ora acha que aborto é crime, ora acha que não é. Essa incoerência e instabilidade o CPC busca corrigir, no artigo 926, que diz que os tribunais manterão sua jurisprudência íntegra, coerente e estável. Isso não significa engessada. A sociedade muda, o direito muda, o que pode levar a mudança na jurisprudência. Se temos um sistema de recursos repetitivos no STF e no STJ – o IRDR – para dar uniformidade no entendimento dos tribunais, acho perfeito. Mas, no momento em que o CPC diz isso é vinculante, que todos são obrigados a respeitar, nessa parte, acho que foi demais.”

Ainda, é clarividente que tanto um sistema quanto o outro não conseguem sanar, barrar ou impedir o grande volume de demandas judiciais repetitivas, revelando assim a falibilidade de cada um deles, conforme aponta o Professor Lenio Streck, acertadamente, em seu artigo publicado no site Consultor Jurídico, intitulado “Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes – Parte II”, vejamos:

“Por isso, indago: como podem ser fonte primária se visam, sob a ótica especialmente de Zanetti, justamente reduzir o grau de “equivocidade”  ou de “textura aberta” da lei — justamente o ponto de partida para que sejam criados os denominados “precedentes”? Não haveria aí uma contradição? E esses “precedentes” passariam a ocupar o mesmo lugar e patamar da lei no ordenamento jurídico, mesmo que equivocados? Como assim? Então, alguém deve dar a última palavra e essa “decisão interpretativa” acabaria valendo mais que a própria lei? E, fundamentalmente: por que é que um texto (um precedente) geraria menos “problemas” interpretativos que outro texto (uma lei)? Além disso, no final do artigo, Zaneti e Pereira assumem a posição realista (como também fazem alguns dos seguidores desta proposta). De todo modo, parabenizo Zaneti e Pereira pelo diálogo e preocupação com este tema.”

Vejamos ainda o que afirmou o Doutor Nelson Nery, na entrevista retromencionada:

“Eu não acredito no sistema, sou bastante cético. Tenho falado isso aos ministros. Será um paliativo para a redução de recursos porque, quando o juiz descobrir que ele pode arrumar uma vírgula para decidir como acha mais justo, acabou o problema, acabou o comando da vinculação. Mais dia ou menos dia, isso vai acontecer. Num primeiro momento os ministros podem achar que o CPC deu certo, mas a curto prazo verão que não é bem assim.”

É de se ressaltar que a utilização do termo “precedentes”, nas decisões judiciais, não é de agora, ou seja, não surgiu com a vigência do NCPC, como por exemplo, constata-se isso, nos acórdãos abaixo:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. PENSÃO POR MORTE. FILHO UNIVERSITÁRIO MAIOR DE 21 (VINTE E UM) ANOS. ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Tendo o acórdão recorrido decidido a controvérsia com base em fundamento eminentemente constitucional, torna-se inviável o conhecimento do recurso especial, sob pena de invasão da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal. 2. Agravo regimental improvido. (grifo nosso)

(STJ - AgRg no REsp: 1030523 CE 2008/0031176-3, Relator: Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Data de Julgamento: 07/05/2009, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: 20090615 --> DJe 15/06/2009)”

‘ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDORA PÚBLICA FEDERAL. FILHA ESTUDANTE UNIVERSITÁRIA MAIOR DE 21 ANOS DE IDADE (ART. 217, II, A, DA LEI Nº 8.112/90). CONTINUIDADE NA PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE AMPARO LEGAL. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Trata-se de Agravo de Instrumento, interposto contra decisão do Juízo de primeiro grau, que indeferiu pleito que visava obstar o cancelamento do benefício de pensão por morte a que a Recorrente faz jus, e na hipótese de já haver sido cancelado o mesmo, que se procedesse ao seu imediato restabelecimento. 2. Inexiste previsão legal a amparar a pretensão de continuidade no percebimento da pensão por morte, até 24 (vinte quatro) anos, se estudante for a dependente descrito na alínea a, do inciso II, do artigo 217, da Lei nº 8.112/90. Precedente desta 1ª Turma. 3. No que tange à concessão ou extensão temporal do direito de percepção temporária de pensão por morte de servidora pública federal civil, não é lícita a criação de exceções às regras legais que disciplinam expressamente o benefício, em especial à vista do princípio da legalidade que rege a atividade da Administração. Precedente do e. TRF da 2ª Região. " 4. Agravo de Instrumento conhecido mas improvido. (grifo nosso)

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(TRF-5 - AGTR: 73174 CE 0000365-34.2007.4.05.0000, Relator: Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, Data de Julgamento: 24/05/2007, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 14/08/2007 - Página: 618 - Nº: 156 - Ano: 2007)”

Portanto, pode-se até afirmar que os precedentes no modelo do sistema Commom Law adentrou o direito brasileiro a partir do neonato diploma processual, mas não o uso do referido termo.

{C}3.      {C}CONSTITUCIONALIDADE

 

Ensina Celso Ribeiro Bastos que “o controle de constitucionalidade das leis consiste no exame da adequação das mesmas à Constituição, tanto de um ponto de vista formal quanto material (...)”. (1968, p. 51).

A fim de garantir a compatibilidade das leis e atos normativos com a Constituição, deverá ser utilizada a técnica de interpretação conforme a Constituição, ou seja, deve ser sempre dada preferência ao sentido da norma adequado à Constituição Federal. Isto porque a interpretação conforme a Constituição só deve ser utilizada quando houver espaço de decisão, ou seja, quando for possível interpretar a Constituição de diferentes maneiras, umas de acordo com ela e outras não.[4]

A constitucionalidade não está ligada apenas a critérios materiais (entra ou não em conflito com artigos já positivados na Constituição), mas também a critérios formais (determinada norma foi ou não editada por autoridade competente e como a Constituição determina).

O controle de constitucionalidade ocorre por vários meios, sua classificação será determinada em relação ao modo ou à forma, quanto ao órgão de incidência e/ou quanto ao momento do controle.

Quanto ao modo ou à forma de controle de constitucionalidade, pode ser ele incidental ou principal. No controle incidental a inconstitucionalidade é arguida no contexto de um processo principal, a questão da lide é decidida com base na constitucionalidade ou na inconstitucionalidade de determinada aplicação legal. Já o controle principal permite que a questão seja suscitada autonomamente, onde o objeto é a própria constitucionalidade da lei. (MENDES In: BRANCO; COELHO; MENDES, 2010, p. 1159).

Quanto ao momento do controle, este pode ser preventivo, quando realizado pelo Poder Executivo ou Legislativo, e repressivo, quando realizado pelo poder Judiciário.

Quanto ao órgão de incidência, o controle de constitucionalidade pode ser de três maneiras, quais sejam: político, jurisdicional ou misto. O primeiro acontece quando o controle é feito por órgão político em detrimento do segundo que é feito por órgão jurisdicional; e o terceiro acontece quando se tem a possibilidade de ser feito tanto por órgão político quanto por órgão jurisdicional. 

Por sua vez, o controle jurisdicional desdobra-se em três outras opções, que são: concentrado, difuso ou misto.

O controle concentrado defere o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou uma Corte Constitucional. O controle difuso possibilita a qualquer órgão judicial, com atribuição da aplicação da lei a um caso concreto, o poder-dever de afastar a aplicação de uma lei se considerá-la fora da ordem constitucional. Por fim, o modelo misto – adotado no Brasil – defere essa possibilidade de qualquer órgão judicial determinar a inconstitucionalidade de determinada norma em caso concreto, mas defere a um Tribunal Supremo ou Corte Constitucional a competência para proferir decisões em determinadas ações de perfil abstrato ou concentrado.

Neste sentido, é imperativo a análise dos artigos 102, I, a e a 105, I, f, ambos da CF/88, transcreve-se:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;          (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

f) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;” (Grifo nosso).

Infere-se dos artigos supra a competência atribuída pela Lei Maior ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, onde fixou-se que ao primeiro compete “precipuamente a guarda da Constituição” e ao segundo a guarda e cumprimento da lei em âmbito federal, in casu o Código de Processo Civil, e no caso da desconformidade de suas decisões por parte das instâncias inferiores, estabeleceu-se o instrumento da Reclamação.

Além do mais, nesta senda, estabelece o artigo Art. 926:

“Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

§ 1º Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.

§ 2º Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.”

Pela constitucionalidade, assevera, ainda, o Professor da UFAM, especialista em Direito Processual Civil, doutor Ticiano Alves e Silva, na resposta a carta do professor José Rosa Maria Tesheiner, publicada no site Diálogos Constitucionais, que:

“Em relação a suas críticas, creio, sinceramente, que o direito se desenvolve a partir da atividade combativa e criativa de todos os profissionais do direito, mas, decerto, ganha uniformização com as “decisões de uns poucos Ministros dos tribunais superiores”; isto por força, inclusive, da própria Constituição, que lhes confere tal atribuição institucional.”

 Disse, ainda:

“Além disso, o sistema precedentalista não trará o empobrecimento de nossa cultura jurídica. Será sempre possível, com a apresentação de argumentos novos, provocar-se a superação total (overruling) ou parcial (overriding) do precedente. O debate, afinal, será aprimorado, porque, com intervenções de amici curie, intervenções de sobrestado (v. meu “Intervenção de sobrestado no julgamento por amostragem”, Revista de Processo 182), audiências públicas etc., as discussões melhorarão qualitativamente e ocorrerão no ambiente decisório, perto daqueles que dão a última palavra, segundo a Constituição, quando o tema é uniformização na interpretação do direito federal e constitucional.”

Neste seguimento, os doutores Hermes Zaneti Jr. e Carlos Frederico Bastos Pereira no artigo intitulado “Precedentes do novo CPC podem contribuir para sistema jurídico mais racional”, publicado no site Consultor Jurídico, defendem que:

“Ao conduzir a questão ao argumento ad absurdum de que o Poder Judiciário passará a “legislar”, essa parcela da doutrina acaba por autofragilizar o próprio argumento de inconstitucionalidade do artigo 927. Ora, se as normas previstas no CPC/2015 são inconstitucionais, também seriam aquelas relativas às súmulas vinculantes, já que foram instituídas por emenda (constituinte derivada) e são igualmente passíveis de controle de constitucionalidade. Nem mesmo no controle de constitucionalidade o juiz está legitimado a legislar, a expressão “legislador negativo” não traduz a função “legislativa” do tribunal.”

Porém, em contrapartida o jurista Nelson Nery Junior, afirmou em entrevista concedida ao site JOTA que: “Baixar um texto normativo vinculativo com eficácia geral e abstrata – isso é lei. Para o Judiciário legislar, desculpe, precisa de autorização da Constituição.”

Postulando pela inconstitucionalidade dos precedentes à brasileira, também pontifica o doutor Lenio Streck em seu artigo intitulado “Uma tese política à procura de uma teoria do direito: precedentes III”, publicado no site Consultor Jurídico:

“A tentativa de outorgar eficácia vinculante às decisões dos Tribunais Superiores, a quem caberia a função de interpretar e estabelecer o sentido dos textos normativos, ficando os demais juízes e tribunais obrigados a seguir (independentemente do seu conteúdo) os supostos “precedentes”, na medida em que sua função se resumiria à de “aplicá-los” mesmo que desconformes à própria lei e à Constituição, padece de uma indiscutível inconstitucionalidade. Estaria o novo Código de Processo Civil e quiçá a própria doutrina processual modificando competências jurisdicionais dos Tribunais, o que somente pode ser feito por emenda à Constituição? Ademais, dá-se mais relevância à “violação” do precedente — que eventualmente poderia estar errado, sem que, com isso, viesse a perder sua força vinculante — do que à lei. Dito de outro modo, mais vale um precedente “obrigatório” que a própria lei! E isso porque, conforme prega Mitidiero, “a diferença entre a legislação e a jurisdição está em que o legislador propõe enunciados linguísticos sem a necessidade de justificação, ao passo que o juiz só pode decidir sentidos normativos mediante justificação”, o que daria aos precedentes um valor maior que a lei. Porém, pergunto: de que adianta exigir “justificação” (que para os precedentalistas seria colocar uma capa de sentido, a partir de argumentos racionais, à decisão) se, para esses mesmos processualistas, a busca por respostas corretas (que eu chamo de respostas adequadas à Constituição) seria algo impossível? Pergunto: como sair de tantas contradições?”

{C}4.      {C}O PRECEDENTE NO DIREITO COMPARADO

O sistema Common Law aplicado nos Estados Unidos, baseia-se na chamada “doutrina do precedente”, segundo a qual os juízes utilizam decisões adotadas em casos anteriores para decidir novos casos que apresentem fatos e questões legais semelhantes, apoiando-se na stare decisis, expressão latina que quer dizer “respeitar as coisas decididas e não mexer no que está estabelecido”.

Nos Estados Unidos utiliza-se essencialmente, o chamado “case law”, ou seja os precedentes judiciários, que são a regra, e quando se constata uma lacuna, recorre-se à lei escrita “statute law”, é o direito de exceção, portanto integrativo.

E no intitulado “case law” se exige um estudo básico e necessário onde uma opinião judicial se divide em 6 partes: 1) informações básicas sobre o caso; 2) fatos materiais, ou seja, os elementos fáticos pormenorizados; 3) histórico processual, que se refere aos procedimentos utilizados e que levaram à situação atual a qual se está analisando; 4) questões legais, que se resumem em um sumário racional do problema central em debate; 5) holding, é a resolução de uma questão legal, toda holding refletirá em uma rule; 6) rationale, é a explicação da Corte para a sua holding, e está presente a ratio decidendi, ou seja, as razões de decidir, para cada uma das questões decididas, e se baseiam em previsibilidade, justiça, eficiência judiciária, integridade do sistema judicial, e, processo de tomada de decisões consciencioso.

“Trocar a lei pelo precedente pode parecer uma inovação no Brasil, onde até há pouco o assunto não havia sido considerado mais detidamente; entretanto, países já habituados ao seu uso não mais se iludem com a perspectiva de que sejam provimentos jurisdicionais mais eficientes para uma predeterminação de resultados, mesmo porque possuem os próprios problemas nesse tocante. Dworkin bem denuncia uma dificuldade ínsita ao judge made law: quando um juiz modifica uma linha jurisprudencial, quando realiza um distinguish ou julga um caso de first impression, o sucumbente é apenado não por causa do direito existente quando da prática do ato, mas em razão do direito fixado no instante de sua derrota, ou seja, a posteriori.” (LOPES FILHO, p. 114).

No que se refere à adoção do precedente no Brasil, é preciso refletir sobre os seguintes aspectos: 1) diferença entre os papéis do juiz no Brasil e nos Estados Unidos, 1.1) diferença entre os sistemas de justiça (e do judiciário), 2) diferença que a adoção do precedente representaria em uma federação como a dos Estados Unidos e a do Brasil, 3) diferença funcional e fundamental sobre o acesso à justiça (e ao judiciário) em países tão distintos como Brasil e Estados Unidos, 4) diferença fundamental que representaria em sistema que usa primacialmente o sistema de júri, (inclusive o júri civil), que é o caso dos Estados Unidos, e o caso brasileiro em que o júri atualmente é limitado em casos de crimes dolosos contra a vida, e, 5) a diferença fundamental que se refletiria nas searas recursais, considerados todos os aspectos anteriormente referidos.

{C}5.      {C}REFLEXÕES SOBRE A ADOÇÃO DO PRECEDENTE NO BRASIL

 

Como observamos no tópico anterior, nota-se que nos EUA os precedentes são utilizados em regra, e a lei escrita é o direito de exceção. Sobretudo antes de apontar se essa é a melhor solução, no Brasil, para trazer segurança jurídica aos jurisdicionados e maior celeridade ao trâmite processual, precisamos refletir sobre alguns aspectos.

Quanto aos juízes, diferentemente do Brasil, nos EUA os juízes podem ser recrutados entre advogados, promotores, professores das escolas de Direito ou políticos, podendo entrar para o Judiciário, seja estadual ou federal, em qualquer nível, não havendo sistema de promoções. E há três formas de escolha, podendo ser indicados pelo poder Executivo, com posterior confirmação do Legislativo ou também baseando-se em uma lista preparada por uma comissão. Por fim, podem também ser escolhidos mediante eleição popular.

Como no Brasil, nos EUA a organização judiciária também se divide em Justiça Federal e Estadual. Baseando-se em um esquema piramidal, onde os juízes de primeira instância (trial courts) são a base, as cortes de apelação (para o affirm ou reverse) estão no nível intermediário, e no topo a Suprema Corte.

Em contra partida do que ocorre no Brasil, nas esfera cível 10% dos casos são resolvidos em função de acordos prévios entre as partes (settlement) e no âmbito criminal, em torno de 10% dos casos são levados a julgamento, por conta de desistências da promotoria e também quando o acusado confessa a culpa em troca de diminuição de pena.

No Brasil, o tribunal do júri é convocado para apreciar crimes dolosos que atentam contra a vida humana, já nos EUA é convocado tanto em matéria cível, julgando danos materiais (money damages), perda de propriedade (recovery of property) e danos gerais por culpa ou dolo (torts) e na seara criminal, crimes de maior potencial ofensivo, os chamadas felonies.

No que tange ao acesso à justiça, no Brasil, há três entraves que devem ser observados: a pobreza, a necessidade de advogado e a demora da prestação jurisdicional. Para solucionar os dois primeiros entraves, o Estado criou as Defensorias Públicas, o que também não atingiu o objetivo, tendo em vista a falta de mecanismos e recursos materiais e humanos que impossibilitam o atendimento a todos os necessitados, e a demora da prestação jurisdicional ainda perpetua, com o aumento do número de magistrados o problema poderia ter uma solução.

Talvez a maior diferença entre os sistemas judiciários brasileiro e norte-americano seja a forma de conceber o princípio do duplo grau de jurisdição. Nos Estados Unidos compreende-se que o direito ao segundo grau de jurisdição é satisfeito com uma única revisão das decisões proferidas em primeiro grau, que é tomada pelos Tribunais de Apelação Intermediários, de modo que as Supremas Cortes, sejam elas estaduais ou a Suprema Corte dos Estados Unidos, têm o poder discricionário de escolha das causas que irão julgar e as matérias a serem debatidas. No Brasil, por outro lado, o segundo grau de jurisdição abarca decisões de todos os Tribunais acima dos juízes de primeira instância, bastando que haja o prequestionamento da matéria perante o Tribunal Inferior para que a matéria possa ser levada aos Tribunais Superiores bem como ao Supremo Tribunal Federal – guardião da Constituição da República. [5]

{C}6.      CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa se propôs a elaborar um compêndio acerca da constitucionalidade dos precedentes à brasileira, levando em consideração o direito comparado, a história do direito brasileiro e o Novo Código de Processo Civil.

Dentre a melhor doutrina existem opiniões favoráveis e contrárias à cultura dos precedentes no Brasil. Assim como observado pelo jurista Lenio Streck, ambos os sistemas possuem falhas ao tentar resolver o problema da enorme quantidade de demandas repetitivas que chegam ao Judiciário.

Levando em conta o parco período de vigência do Novo Código de Processo Civil, sendo, inclusive, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas uma de suas principais novidades, deve-se dar continuidade ao presente trabalho, vez que por se tratar de um tema intimamente ligado ao novo codex, a doutrina e a jurisprudência tendem a se firmarem no sentido da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos precedentes.

{C}7.      {C}REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CURI, Juliana Araújo Simão. A problemática do acesso à justiça no Brasil. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10407&revista_caderno=9> Acesso em: 09. Fev. 2017

Entrevista fornecida por Nelson Nery ao jornal JOTA “Núcleo duro do novo CPC é inconstitucional”. Disponível em: <http://jota.info/justica/nucleo-duro-novo-cpc-e-inconstitucional-diz-jurista-21122016>  Acesso em:  09. Fev. 2017

JUNIOR, Hermes Zaneti; PEREIRA, Carlos Frederico Bastos. Precedentes do novo CPC podem contribuir para sistema jurídico mais racional. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-abr-16/precedentes-cpc-podem-contribuir-justica-racional > Acesso em 09.Fev.2017

LOPES FILHO, Juraci Mourão. Os Precedentes Judiciais no Constitucionalismo Brasileiro Contemporâneo

 

MAFRA, Francisco. Ciência de Direito Constitucional. Disponível em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=858> Acesso em: 07. Fev. 2017

MAMEDE, Mateus Lúcio. Constitucionalidade e inconstitucionalidade, proteção das diretrizes constitucionais e os tipos de inconstitucionalidade. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11234> Acesso em: 11. Fev. 2017

MARTINS, Alberto André Barreto. Organização Judiciária nos Estados Unidos da América. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7430> Acesso em: 09. Fev. 2017

PÁDUA, Thiago Aguiar de. Breve ensaio sobre o(s) precedente(s) no Direito Comparado. Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro, Belo Horizonte, ano 24, n. 94, abr./jun. 2016. Disponível em: <http://www.bidforum.com.br/bid/PDI0006.aspx?pdiCntd=240468> Acesso em: 07.fev.2016

RAATZ, Igor. Precedentes obrigatórios ou precedentes à brasileira? Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/192-precedentes-obrigatorios-ou-precedentes-a-brasileira> Acesso em: 04. Fev. 2017

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25ª edição. 22ª tiragem. 2001

SOARES, Guido Fernandes Silva. O que é a “Common Law” em partícula, a dos EUA. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivo_artigo/O_%20que_%20e_%20a_%20Common.htm> Acesso em: 08. Fev. 2017

STRECK, Lenio Luiz. Crítica às teses que defendem o sistema de precedentes - Parte II. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-set-29/senso-incomum-critica-teses-defendem-sistema-precedentes-parte-ii> Acesso em: 09.Fev.2017

STRECK, Lenio Luiz. Porque os commonlistas brasileiros querem proibir juízes de interpretar? Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-set-22/senso-incomum-commonlistas-brasileiros-proibir-juizes-interpretar> Acesso em: 04. Fev. 2017

STRECK, Lenio Luiz. Uma tese política à procura de uma teoria do direito: precedentes III. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2016-out-06/senso-incomum-tese-politica-procura-teoria-direito-precedentes-iii> Acesso em: 09.Fev.2017

REIS, Wanderlei José dos. Um paralelo entre os sistema judiciários brasileiro e norte-americano. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/23586/um-paralelo-entre-os-sistemas-judiciarios-brasileiro-e-norte-americano> Acesso em: 12. Fev. 2017


[1] RAATZ, Igor. Precedentes obrigatórios ou precedentes à brasileira? Disponível em: <http://www.temasatuaisprocessocivil.com.br/edicoes-anteriores/58-v2-n5-maio-de-2012/192-precedentes-obrigatorios-ou-precedentes-a-brasileira> Acesso em: 04. Fev. 2017

[2] STRECK, Lenio Luiz. Porque os commonlistas brasileiros querem proibir juízes de interpretar? Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-set-22/senso-incomum-commonlistas-brasileiros-proibir-juizes-interpretar> Acesso em: 04. Fev. 2017

{C}[3]{C} STRECK, Lenio Luiz. Loc. cit.

[4] MAFRA, Francisco. Ciência de Direito Constitucional. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=858> Acesso em: 07. Fev. 2017

{C}[5]{C} REIS, Wanderlei José dos. Um paralelo entre os sistemas judiciários brasileiro e norte-americano. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23586/um-paralelo-entre-os-sistemas-judiciarios-brasileiro-e-norte-americano>. Acesso em: 16. Fev. 2017.

Sobre os autores
Maria Clara Bizinotto Borges

Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Estagiária no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. [email protected]

Filipe Souza dos Santos

Técnico em Serviços Jurídicos pelo Centro Paula Souza. Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Franca. Estagiário na Defensoria Pública da União.

Informações sobre o texto

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