SUMÁRIO
Resumo 1 Introdução 2 Do Princípio da Duração Razoável do Processo 2.1 Da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e o Pacto de São José da Costa Rica 2.2 Da Emenda Constitucional nº 45/2004 3 Do Direito do Cidadão a Ter um Processo sem Dilações 3.1 Da Demora na Prestação da Tutela Jurisdicional 4 Da Duração da Prisão Preventiva 4.1 Dos Requisitos Legais da Prisão Preventiva 4.2 Da Garantia da Ordem Pública e da Ordem Econômica 4.3 A Conveniência da Instrução Criminal e a Garantia da Aplicação da Lei Penal 5 Considerações Finais. Referências
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo analisar o princípio da duração razoável do processo penal brasileiro, e os aspectos práticos que isto representa na vida do cidadão, pois a ação penal, muitas vezes transcende as penas restritivas de liberdade, restritivas de direitos e de multa, alcançando a vida do acusado em todas as suas dimensões, gerando um estigma social decorrente da deflagração de uma investigação.
Palavras-chave: Processo penal, duração razoável do processo, tempo, persecução penal, estigma social.
ABSTRACT
The present work have the intention to analyze the principle of reasonable length of brazilian criminal prosecution and practical aspects that represents in the life of citizens, because the criminal prosecution often trancends the restrictive sentences of freedon, restrictive sentences of rights and the financial penalties, reaching the life of accused in all dimensions, creating a social stigma due to the outbreak of an investigation.
Keywords: criminal cases, reasonable length of prosecution, time, criminal prosecution, social stigma.
1 INTRODUÇÃO
Segundo dados divulgados no mês de junho de 2015, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a nova população carcerária brasileira é de setecentos e onze mil quatrocentos e sessenta e três pessoas, dos quais cento e quarenta e sete mil novecentos e trinta e sete pessoas cumprem prisão domiciliar. Estima-se que quarenta por cento do total desta população carcerária esteja aguardando o julgamento de seus processos pelo primeiro grau de jurisdição.
Por conseguinte, tem-se que o estudo do princípio da duração razoável do processo penal se mostra de grande importância na medida em que o Brasil ocupa hoje o 3º lugar no ranking mundial da população carcerária, segundo informações do Centro Internacional de Estudos Prisionais do King’s College de Londres (sigla em inglês ICPS), se considerarmos que quarenta por cento desta população não fora julgada ainda, vislumbra-se o lado nefasto da demora da prestação da tutela jurisdicional pelo Estado-Juiz, na medida em que o princípio da duração razoável do processo penal está inserido no artigo 5º de nossa Carta Magna de 1988, logo é um direito fundamental do cidadão ser julgado em um tempo razoável.
Se de um lado o princípio da duração razoável do processo penal é um direito do cidadão, do outro ele é um dever do Estado, na medida em que este deve prestar a tutela jurisdicional em um tempo adequado, visando não somente garantir os direitos do custodiado, mas também da vítima que teve seu bem jurídico violado e possui interesse em ver o transgressor da norma punido. Ademais, devemos considerar o interesse da coletividade em ver as normas de convívio social reafirmadas com a aplicação do direito penal.
Portanto, dada a importância do tema, passaremos a analisar o surgimento do princípio da duração razoável do processo no ordenamento jurídico pátrio.
2. DO PRINCÍPIO DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO
Inicialmente, devemos destacar que a primeira vez que o princípio da duração razoável do processo fora previsto em nosso ordenamento foi na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 que estipulava em seu artigo 195, alínea 35:
A constituição assegurara a brasileiros e a estrangeiros no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: 35. A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação dos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo, ou reserva. (BRASIL, 1934)
De se ver que o princípio da duração razoável do processo estava previsto na Carta de 1934, entretanto, sua aplicação ficava restrita ao âmbito administrativo dos processos que tramitassem nas repartições públicas, não sendo, portanto, aplicado ao processo penal.
Tem-se que com a revogação da Constituição de 1934, que o princípio da duração razoável do processo só veio a ser incorporado novamente em nosso ordenamento com a entrada em vigor do Pacto de São José da Consta Rica, que será melhor abordado no subtópico a baixo.
2.1 DA CONVENSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA
Preliminarmente, cumpre destacar que a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, em São José da Costa Rica, buscou uniformizar no âmbito dos estados membros da Organização de Estados Americanos (OEA), um entendimento comum no que tange ao que vem a ser direitos fundamentais da pessoa humana.
Desta forma, objetivou firmar um compromisso entre os estados signatários na busca da consolidação do respeito as normas referentes aos direitos humanos.
Feitas tais considerações, é de se destacar que o Brasil, embora, signatário da referida convenção, esta só passou a gerar efeitos com o depósito carta de adesão em 25 de setembro de 1992, ou seja, o pacto fora firmado em 1969, só vindo a surtir efeitos em nosso ordenamento do ano de 1992. Neste ponto, importante salientar que a doutrina diverge acerca da data especifica em que o tratado passou a gerar efeitos, posto que o Decreto Presidencial nº 678, que promulgou o referido pacto, fora publicado em 09 de novembro de 1992, desta forma, tem-se duas possíveis datas em que o Pacto de São José da Costa Rica teria entrado em vigor no Brasil. Contudo, fato é que o referido tratado internacional passou e gerar efeitos no ano de 1992.
Tem-se que o princípio da duração razoável do processo está previsto nos artigos 7º, inciso V e 8, incisos I e II que preconizam:
art. 7, inciso, V. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (CIDH, 1969)
art. 8, inciso I. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. II. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade (CIDH, 1969)
Em que pese o estado brasileiro ter aderido ao Pacto de São José da Costa Rica, é de se ver que este não adotou medidas capazes de promover sua efetivação em nosso ordenamento, vez que foram criadas poucas leis com a estipulação de prazos fixos para a realização de determinados atos, e não se cogitou a possibilidade de aplicação de sanções administrativas ou judiciais para os operadores do direito que eventualmente descumprissem os referidos prazos.
Para agravar ainda mais essa situação, devemos destacar que até meados do ano de 2004, o Supremo Tribunal Federal adotava o entendimento de que os tratados internacionais que a República Federativa do Brasil fosse signatária, passariam a compor nosso ordenamento com o status de lei ordinária, ou seja, na prática isso representava que não importava a natureza do tratado, ele seria incorporado como se tivesse sido elaborado pelo legislador derivado.
Desse modo, tem-se que o princípio da duração razoável do processo penal era tratado como norma infraconstitucional, não contendo em sua essência força normativa principiológica capaz de guiar o sistema jurídico nacional.
Contudo, este entendimento veio a ser alterado com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, que trouxe grandes mudanças para a ordem jurídica pátria, as referidas mudanças serão melhor abordadas no subtópico abaixo.
2.2 DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, fora inserido no art. 5º, o inciso LXXVIII, com a seguinte redação “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação", ou seja, o que já estava previsto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, fora reafirmado.
Devemos destacar ainda que também fora inserido no art. 5º, o parágrafo 3º, que dispõe "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".
Desse modo, tem-se que com a inserção do inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, objetiva a criação do princípio da duração razoável do processo penal em nosso ordenamento, destacando-se que ele não fora inserido no artigo 5º sem um propósito, tendo em vista que o referido artigo versa sobre os direitos e garantias fundamentais, ou seja, com a inserção do inciso LXXVIII, ele adquiriu status de princípio constitucional, decorrente de uma interpretação sistemática, de modo que tornou-se um direito do cidadão e um dever do estado.
Se de um lado a Emenda Constitucional nº 45/2004, veio incorporar ao nosso ordenamento o princípio da duração razoável do processo, de outro, nos deixou sem um critério objetivo do que vem a ser o tempo razoável para o processo penal. Isto porque o legislador derivado não nos deixou nenhum mecanismo para aferição do quanto a dilação probatória pode se estender sem que, contudo, se caracterize um excesso de prazo para a conclusão do processo.
Neste sentido, discorre Morais (2005, p. 94):
A EC n. 45/04, porém, trouxe poucos mecanismos processuais que possibilitem maior celeridade na tramitação dos processos e redução na morosidade da Justiça Brasileira. O sistema processual judiciário necessita de alterações infraconstitucionais, que privilegiem a solução dos conflitos, a distribuição de Justiça e maior segurança jurídica, afastando-se tecnicismos exagerados
Destarte, se mostra contundente e contemporânea a crítica realizada pelo supracitado autor, vez que a falta de mecanismos que possibilitem propiciar a maior celeridade processual, evitando-se assim, a dilação processual injustificadamente que se perpetua em milhares de processos espalhados pelos quatro cantos de nosso pais.
Na mesma linha de raciocínio, Hoffman vem a complementar (2006, p. 97):
É lamentável constatar que, sem antes tomar medidas de ordem prática e sem que nada na ineficiente estrutura e nas condições do Poder Judiciário fosse alterado, a EC 45 simplesmente acresceu o parágrafo (sic) LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, para garantir o direito constitucional da razoável duração do processo no sistema brasileiro. Infelizmente, o simples acréscimo da Constituição Federal não modificará em nada a duração do processo. Trata-se, por ora, somente de mais uma garantia constitucional vazia
De se acompanhar o posicionamento dos autores acima transcritos, pois o mero acréscimo do inciso LXXVIII, no art. 5º, da Constituição, não tem o poder de impulsionar os processos parados. Neste aspecto, de se notar que o legislador derivado veio a falhar, pois não definiu o que vem a ser razoável, nos deixando sem um critério objetivo para se verificar o que vem a ser dilações indevidas do processo penal.
É indiscutível que a falta de critérios objetivos para se verificar dilações indevidas no processo penal, prejudica a prestação da tutela jurisdicional, vez que causa maior morosidade do feito e prejudica as partes.
Como já destacado, o princípio da duração do processo penal é um direito do cidadão e um dever do Estado-juiz, nesta linha de pensamento passamos a aprofundar o estudo do aludido direito.
3. DO DIREITO DO CIDADÃO A TER UM PROCESSO SEM DILAÇÕES
Preconiza o artigo 5º, § 1º da Carta Política de 1988, “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”, logo se considerarmos que o princípio da duração razoável do processo penal está inserido no rol de direitos e garantias fundamentais, temos que sua aplicação deveria ser imediata, entretanto na prática não é o que ocorre, na medida em que caberia ao legislador derivado criar normas que possibilitassem a efetivação do aludido princípio em nosso ordenamento. O que por certo não ocorrera até aqui.
Deste modo, se considerarmos que o princípio da duração razoável do processo fora incorporado em nosso ordenamento jurídico através do Pacto de São José da Costa Rica e posteriormente fora reafirmado por meio do acréscimo do inciso LXXVIII ao art. 5º, de nossa Lei Maior, chegaremos à conclusão de que todo o acusado/réu tem o direito a responder ao processo sem que este se estenda por um longo período de tempo.
Contudo, devemos considerar que não é apenas o acusado/réu que tem o direito de que o processo se desenvolva naturalmente sem dilações indevidas, a vítima também possui esse interesse na medida em que quer ver o autor do crime punido.
Por evidente, que a sociedade também possui esse interesse, vez que com a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado se reafirmara as normas de convívio social.
Acerca do direito do acusado de ter um processo sem dilações, discorre Lopes Júnior (2004, p. 219)
O direito a um processo sem dilações indevidas (ou de ser julgado num prazo razoável) é "jovem direito fundamental", ainda pendente de definições e mesmo de reconhecimento por parte dos tribunais brasileiros, em geral bastante tímidos na recepção de novos (e também de "velhos") direitos fundamentais, mas que já vem sendo objeto de preocupações há bastante tempo por parte do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), e dos sistemas processuais europeu
De se acompanhar o posicionamento proferido por Aury Lopes Júnior pois o princípio da duração razoável do processo somente foi reconhecido efetivamente em nosso ordenamento no ano de 2004, de lá para cá, sua aplicação foi mitigada no que concerne a duração razoável do processo, pois nossos tribunais de justiça, mantém uma postura tímida em consolidar sua aplicação, e se assim não o fosse, não se valeriam de mecanismos velados de mitigação do aludido princípio, tais como; a gravidade abstrata do delito, garantia da ordem pública e complexidade do feito, que por muitas vezes são utilizados como argumentos a justificar o prolongamento do processo.
E como já destacado anteriormente em regra as normas estipuladoras de direitos e garantias fundamentais, tem aplicabilidade imediato.
Entretanto tal disposição por si só não tem o condão de produzir efeitos, é o que nos ensina Morais (2014, p. 15).
Em regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. A própria Constituição Federal, em uma norma-síntese, determina tal fato dizendo que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Essa declaração pura e simplesmente não bastaria se outros mecanismos não fossem previstos para torná-la eficiente (exemplo: mandado de injunção e iniciativa popular
Por evidente, que a mera disposição textual da aplicabilidade imediata das normas atinentes aos direitos fundamentais fica condicionada a existência de mecanismos que propiciem a sua efetivação, razão pela qual o próprio princípio da duração razoável do processo tem sua eficácia mitigada até o surgimento de legislação superveniente, capaz de preencher a lacuna deixada pelo legislador.
Deste modo, fica claro que um dos motivos que o princípio da duração razoável do processo penal, não se consolida em nosso ordenamento é por um problema estrutural, ou seja, o legislativo não cria leis capazes de promover a efetividade do princípio, o judiciário mitiga sua aplicação, ou demora para prestar a tutela jurisdicional, o executivo não cria políticas públicas voltadas a prevenção do cometimento de crimes.
Por conseguinte, a tendência deste sistema é entrar em colapso, o que por certo está próximo de acontecer, posto que hoje em nosso pais, estimam-se que estejam em tramitação cem milhões de processos, considerando que a atual população brasileira é de duzentos milhões de pessoas, verifica-se que é como se metade da população do Brasil estivesse litigando.
Este fenômeno, decorre em parte pela falta de estimulo aos meios alternativos de resolução de conflitos, que em nosso pais são pouco usados, ocasionando o fenômeno da judicialização dos litígios.
Desta forma, com o número de processos aumentando a cada dia ocorre maior morosidade no andamento das ações já propostas.
3.1 DA DEMORA DA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL
Se de um lado o processo penal deve ser regido pela celeridade processual, evitando-se dilações indevidas, do outro, a demora na prestação da tutela jurisdicional pode ocasionar prejuízos que vulneram a efetividade do processo.
Nesse sentido, importante destacar o posicionamento de Cruz (1998, p. 12)
É evidente que a excessiva demora na prestação da tutela jurisdicional, em muitos casos, vulnera a efetividade do processo, lesando o princípio do devido processo legal processual. A intempestividade da tutela jurisdicional, em termos globais, aumenta a incerteza e compromete a segurança jurídica
Na mesma linha de pensamento, discorre Hamilton (2008, p. 284)
Se o processo penal goza de razoável duração, como deseja a norma programática inserida pela Emenda Constitucional nº 45, o mesmo não pode ser dito em relação aos inquéritos policiais, que se arrastam por meses e anos sem solução e são fadados ao arquivamento ou a extinção da punibilidade
Dentro desta ótica, é dever do Estado-Juiz promover a prestação da tutela jurisdicional em um tempo adequando, objetivando julgar os processos em um período razoável, dando uma resposta a sociedade a fim de se evitar o sentimento de impunidade e garantindo a aplicação da lei penal.
Contudo, muitas vezes o Estado-Juiz não possui recursos para investimento no primeiro grau de jurisdição, ou ainda, não dispõe do número adequado de magistrados, servidores e estagiários para dar impulso aos processos parados, o que por certo prejudica a efetividade da prestação jurisdicional.
Diante deste cenário, devemos fixar a premissa que o fator tempo é fundamental para o processo penal, que possui um ciclo natural de nascimento, desenvolvimento e extinção. Logo devemos nos indagar o que vem a ser o tempo.
De um modo geral, podemos considerar a existência de dois tempos distintos, sendo o primeiro deles o tempo objetivo, aquele medido por nossos relógios, comum a todo o ser humano. O segundo tempo existente é o subjetivo, particular a cada indivíduo.
Para Isaac Newton, físico inglês, o tempo deveria ser considerado como uma grandeza absoluta. Discorre ele, em seu tratado “Os Princípios Matemáticos da Filosofia Natural": “O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, por si só e por própria natureza, flui uniformemente, sem relação com nenhuma coisa externa, e é também chamado de duração”.
Esse modelo de tempo universal, no qual independem o objeto e seu observador, pois o tempo seria igual em todos os lugares, ficou conhecido como visão determinista.
Em 1905, Albert Einstein, físico alemão, desenvolve a Teoria da Relatividade, questionando o paradigma de tempo absoluto, trazendo uma nova visão do que vem a ser o tempo. Para ele, o tempo seria algo relativo e estaria intrinsecamente ligado entre o espaço e a variável de deslocamento do observador.
Feita tais considerações, passamos a analisar o fator tempo no processo penal.
Inicialmente, fixaremos a premissa que o tempo é algo fundamental para o processo penal, na medida em que o processo possui um ciclo natural, ou seja, ele nasce, se desenvolve e por fim se extingue. Em assim sendo, o processo não poderia ser desenvolvido rapidamente, pois seria muito precoce, e nem demoradamente, prejudicando a efetividade da prestação da tutela jurisdicional.
De um modo geral, o fator tempo é primordial para a vítima, vez que quando maior o transcurso do tempo, maiores também serão as chances de danos irreversíveis para esta que vera o autor de um crime se beneficiando com uma eventual prescrição da pena.
Do ponto de vista psicológico, se deve considerar que na ação penal, o réu tem não contra si apenas uma acusação pelo cometimento de um crime ou infração, mas uma carga que vai muito além das sanções restritivas de direito, privativas de liberdade ou ainda de multa.
A carga de se responder a uma ação penal, afeta o cidadão em todas as áreas de sua vida, não se tratando apenas de um fator físico, mas também de um estado emocional. Se considerarmos que o tempo em uma ação penal, em uma dada medida, pode ser considerado como pena, vez que o acusado, mesmo estando livre do cárcere, sofre os estigmas decorrentes de tal fato.
Neste prisma, esclarece Lopes Júnior (2010, p.7)
Mas a questão da dilação indevida do processo também deve ser reconhecida quando o imputado está solto, pois ele pode estar livre do cárcere, mas não do estigma e da angústia. É inegável que a submissão ao processo penal autoriza a ingerência estatal sobre toda uma série de direitos fundamentais, para além da liberdade de locomoção, pois autoriza restrições sobre a livre disposição de bens, a privacidade das comunicações, a inviolabilidade do domicílio e a própria dignidade do réu
Dentro desta ótica, de se ver que os efeitos decorrentes da propositura de uma ação penal vão muito além do tradicional conceito de pena, pois quanto maior a demora na formação do juízo cognitivo da culpa, maior também será a ingerência do estado na vida do cidadão, logo o caráter punitivo atrelado a pena vai muito além dos muros das prisões para adentrar na vida do acusado, em sua família, no seu trabalho e daí por diante, sem mencionarmos os aspectos psicológicos envolvidos.
Nesse horizonte, elucida Messuti (2003, p.33)
Não é apenas a separação física que define a prisão, pois os muros não marcam apenas a ruptura no espaço, se não também uma ruptura do tempo, a marca essencial da pena em sentido amplo é porquanto tempo? Isso porque, o tempo, mais que o espaço é o verdadeiro significado da pena
Corroborando com essa ideia, Lopes Júnior (2010, p. 7) vai além, demonstrando quais garantias fundamentais vão se perdendo com a demora para a conclusão da persecução penal.
A primeira garantia que cai por terra é a da jurisdicionalidade insculpida na máxima latina do nulla poena, nulla culpa sine iudicio. Isso porque o processo se transforma em pena prévia à sentença, através da estigmatização, da angústia prolongada, da restrição de bens e, em muitos casos através de verdadeiras penas privativas de liberdade aplicadas antecipadamente (prisões cautelares) (...) O mais grave é que o custo da pena-processo não é meramente econômico, mas social e psicológica. A continuação, é fulminada a presunção de inocência, pois a demora e o prolongamento excessivo do processo penal, vai, paulatinamente, sepultando a credibilidade em torno da versão do acusado. Existe uma relação inversa e proporcional entre a estigmatização e a presunção de inocência, na medida em que o tempo implementa aquela e enfraquece esta. A situação se agrava no caso em que o acusado esteve ou permaneceu preso cautelarmente. Ainda que posteriormente seja absolvido, a prisão cautelar certamente terá maior visibilidade e repercussão que a sentença, e, aos olhos da sociedade, será vista como cumprimento de pena por alguém que tenha cometido um delito
Nesta mesma linha de entendimento, discorre Rosa (2014, p. 14)
Precisamos, definitivamente, falar sobre a duração razoável do processo. Isso porque se o acusado inicia a partida processual com a presunção de inocência, a demora no desfecho do processo é uma forma de tormento torturante e deve ser mitigado com medidas paliativas, sob pena de praticarmos a tortura psicológica com a demora processual. Para tanto, precisamos compreender os lugares e nos implicarmos nas posições, especialmente de garantes, para que tudo não passe de uma promessa de amor
Dado o exposto, de se ver que a demora na prestação da tutela jurisdicional por parte do Estado-Juiz, vulnera a aplicação do princípio da duração razoável do processo penal e prejudica as partes, na medida em que o acusado/réu se estiver preso tem uma antecipação de cumprimento da pena, se estiver solto tem a ingerência do Estado em sua vida, vez que com a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão o acusado/réu tem uma limitação em sua liberdade de locomoção, de disposição de seu patrimônio e de seu direito à privacidade.
Já para a vítima, a demora do estado em dar uma punição para o criminoso, pode gerar o sentimento de impunidade, além é claro de eventualmente beneficiar o réu com uma eventual prescrição da pretensão punitiva estatal.
No que concerne à sociedade, a demora na punição do transgressor da norma penal, pode gerar o sentimento de descrédito na atuação da justiça, uma percepção de impunidade e um enfraquecimento das normas de convívio social.
Portanto, de se ver que a demora na prestação da tutela pode ocasionar prejuízo para as partes, razão pela qual merece especial atenção em nosso estudo, em assim sendo, passaremos a analisar a prisão preventiva, vez que o réu na relação processual, normalmente é a parte mais frágil e sujeita aos arbítrios do estado, principalmente no que concerne a mitigação do princípio da duração razoável do processo penal.
4 DA DURAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA
Inicialmente cumpre destacar que a prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar. Tratando-se, portanto, de uma prisão de carácter excepcional, de natureza processual, podendo ser esta declarada pelo juiz em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, desde que presentes os requisitos legais estabelecidos nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal.
Neste sentido discorre Lopes Júnior “A prisão cautelar não se destina a fazer justiça”, e sim garantir o bom funcionamento do processo (penal) de conhecimento. Logo, são instrumentos a serviço do instrumento processo; desta forma sua característica básica é a instrumentalidade qualificada”. (2005, p. 208).
No mesmo sentido ensina Delmanto Júnior (2001, p.83)
A característica da instrumentalidade é ínsita à prisão cautelar na medida em que, para não se confundir com pena, só se justifica em função do bom andamento do processo penal e do resguardo da eficácia de eventual decreto condenatório
Já na visão de Marcão (2016, p. 766)
A prisão preventiva é modalidade de prisão cautelar de natureza processual que decorre de decisão judicial, podendo ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, e mesmo no momento da decisão de pronúncia ou da sentença penal condenatória, desde que presentes os requisitos legais
Portanto, de se ver que a prisão preventiva é medida excepcional que só pode ser adotada dentro das hipóteses legais, não podendo esta ser confundida com a pena em si, vez que vigente o princípio da presunção de inocência.
Logo, não se pode admitir que a prisão preventiva tenha um objetivo diverso dos fins a que ela se destina, sob pena de transfigurar está em um cumprimento de pena antecipado, violando, assim, os princípios constitucionais, da presunção de inocência, proporcionalidade e razoabilidade.
Desta forma, devemos ter em mente que o fator tempo é primordial para se verificar se à prisão preventiva viola o princípio da dignidade da pessoa humana, na medida em que o custodiado não poderá aguardar indefinidamente o andamento do feito preso.
Por conseguinte, a falta de se estabelecer um prazo processual para à prisão preventiva, viola em uma dada medida a dignidade do acusado que sofre os efeitos de uma antecipação de pena.
Deste modo, leciona Sarlet sobre o princípio da dignidade humana: (2001, p. 60)
(...) é uma qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
No mesmo sentido discorre Barroso “Dignidade da pessoa humana é uma locução tão vaga, tão metafísica, que embora carregue em si forte carga espiritual, não tem qualquer valia jurídica. Passar fome, dormir ao relento, não conseguir emprego são, por certo, situações ofensivas à dignidade humana”. (2000, p. 296)
Por certo, que o conceito de dignidade humana varia de nação para nação, entretanto a ideia de uma prisão cautelar sem prazo para acabar, está com certeza atenta contra a dignidade de qualquer pessoa, não importando sua nacionalidade.
Neste sentido elucida Souza (2003, p. 206)
A ausência, contudo, de uma disciplina sobre o tempo do encerramentoreventivo (tempo que é, na verdade, o maior ônus a recair sobre o preso) reflete negativamente, a uma só vez, sobre as garantias individuais do investigado/ acusado e a imperiosa necessidade de uma resposta penal célere do Estado Juiz, como pilares da segurança jurídica e da confiabilidade do sistema judiciário.
Deste modo, tem-se que a prisão preventiva, deve ser utilizada de forma racional pelos operadores do direito, só vindo a ser aplicada em última hipótese, a fim de se evitar maiores prejuízos para o acusado/réu, não podendo estes ficarem reféns do arbítrio estatal na demora da prestação jurisdicional.
Nesta linha de pensamento Moretto vem a complementar (2007, p. 147):
A prisão preventiva deve durar apenas e tão-somente o prazo em que seja necessária para a verificação da autoria. Não há necessidade de manter-se o acusado preso até o final da colheita de provas, posto que, é ilegal. Mas não há prazo rigorosamente definido neste sentido.
Em assim sendo, a prisão preventiva deveria ser aplicada quando as medidas cautelares diversas da prisão se mostrassem ineficientes, ou ainda, que a prisão cautelar tivesse um prazo pré-determinado e que este fosse respeitado pelos operadores do direito.
Contudo, considerando que o legislador derivado pouco veio a legislar sobre a criação de prazos processuais, tem-se por primordial observar os requisitos autorizadores da prisão preventiva, a fim de se verificar sua legalidade.
4.1 DOS REQUISITOS LEGAIS DA PRISÃO PREVENTIVA
Preceitua o artigo 312 do Código de Processo Penal:
A prisão preventiva poderá ser declarada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria
Sobre o supracitado artigo leciona Tourinho Filho (1999, p. 560)
A prisão preventiva subordina-se a pressupostas, que são dois, e condições, que são quatro, e uma destas, ao menos uma, deve coexistir com aqueles dois. É sempre assim, sem exceção. Os pressupostos são a prova da existência do crime e os indícios suficientes de autoria. Exige a lei prova da existência do crime. Não basta, pois, mera suspeita; a prova da materialidade delitiva é indispensável. Além da prova da existência do crime, a lei quer mais: indícios suficientes de autoria. E na velha lição. de Borges da Rosa, esses indícios devem ser tais que gerem a convicção de que foi o acusado o autor da infração, embora não haja certeza disto. No entanto. eles devem ser suficientes para tranqüilizar a consciência do juiz. Esses dois pressupostos devem estar aliados a uma destas circunstâncias: a) garantia da ordem pública; b) conveniência da instrução criminal; c) garantia da ordem econômica; d) asseguração de eventual pena a ser imposta.
Destarte, tem-se que para a decretação da prisão preventiva, devem estar presentes dois pressupostos básicos, que são a prova da materialidade do crime e indícios suficientes de autoria, os quais consubstanciados com às circunstâncias a justificar a prisão do acusado, a se saber garantia da ordem, pública, conveniência da instrução criminal, garantia da ordem econômica ou asseguração da aplicação da lei penal, podem embasar a prisão cautelar do acusado.
Sobre o tema afirma Wedy (2006, p. 138):
O artigo 312 dispõe acerca das hipóteses de cabimento da prisão preventiva, bem como sobre a necessidade do requisito (fumus comissi delicti) e do fundamento (perículum libertatis) da medida extrema de restrição da liberdade. Além do fumus comissi delicti e perículum libertatis, já analisados, o art.312 prevê a possibilidade de decreto da prisão provisória como garantia da ordem pública e da ordem econômica.
Já para Lopes Júnior o requisito da prisão preventiva seria a fumaça da existência de um crime e não seria necessário um juízo de certeza, e sim um de probabilidade, ou seja, quando houver a certeza de que ocorreu um crime somado com indícios de autoria.
Deste modo, fica evidente que para a decretação da prisão preventiva necessário se faz a existência de um crime e de indícios de autoria, devidamente justificados pelo juiz, respeitando-se, contudo, os pressupostos da razoabilidade e proporcionalidade, para a aplicação da prisão preventiva.
Embasando este entendimento, discorre Morreto (2007, p. 144):
A decretação da prisão preventiva por parte do juiz deve ser devidamente fundamentada. Não basta que apenas a determine e diga que está presente tal fundamento, nem mesmo a repetição das palavras da lei bastam. É necessário que justifique o porquê desta inserção. Além de ser ato do juiz que deve ser fundamentado, de acordo com o artigo 93,I X,CF, mais ainda se faz necessário por dizer respeito à restrição da liberdade do indivíduo, conforme preceitua o artigo 315 do CPP.
Complementando este entendimento discorre Pellegini (2004, p. 358)
No que toca ao perículum libertatis, a fundamentação deve contemplar explicitamente os fatos em que se assenta a necessidade da adoção da medida, seja para garantia da ordem pública, ou econômica conveniência da instrução, ou para assegurar a aplicação da lei penal; a mera repetição das palavras da lei ou o emprego de formulas vazias e sem amparo em fatos concretos não se c adunam com a gravidade e o caráter excepcional da medida.
De se destacar, que a ausência de fundamentação idônea a embasar a prisão preventiva, acarretara a nulidade absoluta do feito por violação às formalidades previstas na Constituição Federal, conforme estabelece os artigos 5º, inciso 61 e 93, inciso 9, ambos da Carta Magna de 1988.
Feitas tais considerações, passamos a análise dos fundamentos da prisão preventiva previsto no artigo 312 do Código de Processo Penal:
4.2 GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E DA ORDEM ECONÔMICA
Inicialmente, devemos destacar que no Brasil a utilização do fundamento da garantia da ordem pública, para a decretação e manutenção das prisões cautelares, é empregada de forma genérica, vez que atende às mais variáveis situações.
Corroborando esta informação complementa Wedy (2006, p. 163)
A 'ordem pública' de outra parte, tem servido para o decreto de prisão em múltiplos casos, ora para evitar a “reiteração delitiva do agente”, ora em virtude do “clamor social”, para a” preservação das instituições”, para a “credibilidade da justiça” etc. Em síntese, quase tudo serve para prender em nome da “ordem pública”, menos a ocorrência de uma efetiva situação cautelanda.
De se acompanhar o posicionamento do referido autor, posto que a utilização da garantia da ordem pública de forma genérica, na realidade vem a atender aos anseios sociais e demostrar que as instituições estão funcionando e acabando com delitos, sendo que na verdade estão antecipando uma pena, muitas vezes em resposta ao clamor social.
Neste horizonte, importante destacar o posicionamento do doutrinador Capez (2001, p. 230):
Sem preencher os requisitos gerais da tutela cautelar (fumus bom júris e perículum in mora) sem necessidade para o processo, sem caráter instrumental, a prisão provisória, da qual a prisão preventiva e espécie não seria nada mais do que uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado e, isto sim viola o princípio da presunção de inocência.)
Diante deste quadro, constata-se que as prisões baseadas na ordem pública e na ordem econômica estão ligadas na realidade à prevenção de novos crimes. Ocorrendo um suposto perigo social por conta da demora da prestação da tutela jurisdicional e o efetivo trânsito em julgado, no qual se a pena aplicada ao criminoso for alta, ele estará fora do meio social por um bom tempo, ou seja, há uma antecipação do cumprimento da pena.
Já no que tange a garantia da ordem econômica, é de se ver que esta proteção é voltada a coibir a prática de crimes contra a coletividade, que represente um abalo ao mercado financeiro. Enquanto que a garantia da ordem pública, visa tão somente a proteção dos interesses gerais da sociedade, evitando-se assim que o bem “comum” seja maculado. Desta forma, se o acusado/réu permanecer solto trará riscos a “paz pública”, consubstanciada com à gravidade do delito e o risco que representaria o acusado permanecer solto e voltar a delinquir.
Neste sentido Corrobora Dalmanto Júnior (2001, p. 85):
A prisão preventiva com fundamento de que o acusado poderá cometer novos crimes se trata de dupla presunção. Primeiro, de que o acusado cometeu o crime. Segundo, se o acusado ficar em liberdade cometerá outro crime, ou ainda procurará consumar o delito tentado.
Por certo, que o direito penal não trabalha com o exercício de futurologia, ou seja, não se pode presumir que o acusado/réu que esteja sendo investigado vá perpetuar novos delitos, tem-se que estar presente a prática do crime e os indícios mínimos de autoria do delito para que lhe possa ser atribuída uma nova conduta delituosa.
4.3 A CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL E A GARANTIA DE APLICAÇÃO DA LEI PENAL
No que concerne, a conveniência da instrução criminal, ela é baseada nas provas circunstanciais de que o acusado/réu posso ocultar provas ou intimidar testemunhas. Logo constata-se aqui o periculum libertatis, caso o acusado/réu permaneça solto até o fim do processo.
Já no que tange, a aplicação da lei penal tem-se que ela é baseada na possibilidade do acusado/réu se evadir do distrito da culpa, frustrando assim a aplicação da lei penal e atrapalhando o andamento do processo.
Neste sentido, critica Tadesco (2006, p. 158)
Preliminarmente, cabe referir que o perigo de fuga é provocado, não raro, pela severidade excessiva do regime de penas. A fuga se dá, no mais das vezes, mais pelo temor de uma prisão preventiva do que pelo temor de uma pena. Ou seja, é o desrespeito generalizado pela garantia da presunção de inocência o motivador de muitas evasões.
Indo em sentido diverso Marcão pondera (2016, p. 786-787):
Esta circunstância tem por escopo impedir que a pena criminal deixe de ser executada em caso de condenação. É claro que envolve um juízo arriscado, porquanto muitas vezes prematuro a respeito de uma eventual condenação, que poderá ou não acontecer. Mesmo assim, não raras vezes, será a providência cautelar que irá impedir que o investigado ou réu, estando pronto para fugir, não deixe de ser alcançado pela Justiça Criminal. Em certas situações, ciente da gravidade do crime cometido e convencido da correspondente condenação que daí advirá num futuro bem próximo, seguindo orientação ou mesmo por ideação sua, o increpado começa a se desfazer de seus bens móveis, pede demissão do emprego, coloca sua casa à venda ou rescinde a locação etc. Nestes casos em que a proximidade da fuga se faz evidente e desde que demostrado nos autos, tem cabimento a prisão preventiva, se atendidos aos demais requisitos legais. A possibilidade de fuga, quando evidenciada em elementos concretos, autoriza e recomenda a decretação da prisão preventiva, já a mera suspeita, desacompanhada de elementos seguros de convicção, não dá ensejo à segregação excepcional. Ainda que se trate de fuga, o melhor é apreciar, caso a casa, a situação de fato, para que fique evidente a real pertinência da prisão.
Já Lopes Júnior complementa (2014, p. 217-218):
Que atualmente, com as facilidades de uma sociedade informatizada e internacionalmente integrada, com os atuais sistemas de vigilância o risco de fuga fica bastante reduzido. Inclusive, é imprescindível a ampliação dos instrumentos as serviço da liberdade provisória, com um rol mais abrangente de restrições gradativas, que podem ir da obrigação de comparecimento periódico( até mesmo diário) para informar as atividades e comprovar a presença na comarca, passando pela retenção de passaporte, expedição de documento, que permitam o transito restrito, obrigatoriedade de reconhecimento noturno a estabelecimento especiais, até a vigilância por meio de pulseiras com GPS( sistema de posicionamento global.
De se acompanhar, o posicionamento de Renato Marcão, posto que a decretação da prisão cautelar baseada em assegurar a aplicação da lei penal, deve ser consubstanciada por elementos fáticos-probatórios presentes nos autos que indiquem que o acusado/réu pretende se evadir do distrito da culpa, posto que a mera suposição, pode ensejar o cumprimento de pena antecipado pelo investigado, de modo que haveria uma ingerência indevida por parte do estado na vida do cidadão que tem contra si uma investigação/ação penal e que não demostra quaisquer indícios que venha a se evadir do distrito da culpa.
Por fim, devemos destacar que a aplicação da prisão preventiva deve ser baseada em elementos concretos da prática de um crime e indícios mínimos de autoria, vez que a utilização abstrata da garantia da ordem pública, não deve ser invocada, sem as fins que está se destina, de modo que é necessária uma evolução do pensamento dos operadores do direito a fim de se estabelecer de forma concreta o que vem a ser a garantia da ordem pública, objetivando, assim, evitar-se a vulneração da prestação da tutela jurisdicional e a antecipação do cumprimento de pena a acusados/réus que se encontram cobertos pelo princípio da presunção de inocência até o efetivo trânsito em julgado de sentença penal condenatória superveniente.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já ressaltado, o princípio da duração razoável do processo penal é jovem garantidor de direitos em nosso ordenamento, dependendo este para sua efetivação e promoção da criação de legislação ordinária, objetivando no âmbito judicial a criação de prazos processuais que sejam respeitados pelos operadores do direito. Já no âmbito administrativo, necessitamos da criação de sanções capazes de evitar às dilações indevidas do processo penal, vez que a falta de sanções ocasiona a morosidade no feito.
Devemos ter em mente, que o princípio da duração razoável do processo penal, é um direito do cidadão e dever do Estado-Juiz. Que não deve se utilizar de argumentos genéricos como a garantia da ordem pública, para embasar as prisões preventivas e cautelares, sem ao menos se debruçar no caso e se vislumbra a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. Tendo em vista, que conforme abordado no presente estudo, a propositura de uma investigação ou de uma ação penal mexe com a vida do acusado/réu em todas as suas dimensões, de modo que este tem o direito de ser julgado em um tempo razoável, e possa neste período exercer o contraditório e a ampla defesa.
De outro vertesse, temos que considerar que compete ao Estado-juiz dar uma resposta a vítima do delito que teve seu bem jurídico violado e a própria sociedade que anseia por ver as normas de convívio social reafirmadas através da punição dos criminosos. Entretanto, esta punição deve ser baseada na correta e justa aplicação do direito penal, se evitando, que a pena imposta transcenda os limites fixados em lei.
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