MEDIAÇÃO E O ARTIGO 334 DO NCPC

22/06/2017 às 16:26
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Breve análise sobre os elogios e as críticas ao artigo 334 do NCPC voltados para a mediação

O artigo 334 do novo Código de Processo Civil[1] tem sido alvo de elogios e de críticas. Os que lhe são favoráveis defendem a necessidade de se exterminar o complexo de “otoridade”, isto é, desmitificar o juiz como único capaz de decidir conflitos, chamando as partes não só para responderem pelos atos que geraram a situação conflituosa, mas também para, juntas, encontrarem uma solução para o impasse. É cultura do povo brasileiro que qualquer pessoa ou instituição que venha a substituir o juiz togado não seja confiável. Puro preconceito, e como tal, demanda tempo para ser banido. Já os que lhe são contrários, defendem que a mediação tem por protagonista a autonomia da vontade que exclui, por completo, qualquer caráter impositivo.

Particularmente, muito me chama a atenção os ensinamentos de Osvaldo Gozaíni no sentido de que acesso à Justiça é difrente de acesso aos juízes, bem como que acceso no es entrada, es desarrollho, protección, seguridad y satisfacción sin resentimiento[2]. Irretocável! Mas como colocar em prática o “acesso a uma ordem jurídica justa[3]”?

O prazo razoável da duração do processo é tema de preocupação mundial e não precisamos atravessar o continente para aprender com outras Nações. Humberto Theodoro Júnior vai além ao reverenciar a etapa prévia da mediação[4] instituída no ordenamento jurídico argentino[5]:

(...) Na América Latina, merece destaque a posição da Argentina, que há algum tempo alterou o seu Código de Processo Civil para instituir em caráter obrigatório a mediação prévia a todos os juízos, destinada a promover a comunicação direta entre as partes em busca da solução extrajudicial da controvérsia.

Para a doutrina argentina, a implementação de formas alternativas de resolução dos conflitos produz duplo e relevante efeito:

a) a curto prazo, tende a aliviar a sobrecarga de trabalho dos juízes; e

b) a longo prazo, se pode esperar uma mudança de mentalidade da sociedade, especialmente dos operadores do direito, por meio da qual, a um só tempo, será possível “um maior acesso à justiça” conjugado com uma redução do ingresso de causas no sistema jurisdicional. (Grifos nossos).

Há inúmeras vozes (e com razão) sustentando que a mediação não tem por objetivo descongestionar o Poder Judiciário. Entretanto, não há como se negar que a diminuição da sobrecarga judicial é um efeito natural de sua adoção.

A sociedade brasileira tem que ser pragmática e ousada, se efetivamente quiser mais preservar as relações e litigar menos, o mesmo valendo para o legislador e, com mais contundência, para os operadores do direito.

O Poder Judiciário brasileiro está abarrotado. E se existem outros métodos que resolvem os conflitos, nada mais inteligente do que recorrer a eles. Ademais, não há informações na literatura de que a adoção dos meios alternativos de solução tenha sido negativa para o Estado ou para os usuários do sistema.

É notória e excessiva a preocupação da lei em reduzir o “gargalo” recursal e repetitivo o esquecimento em incrementar a atividade impeditiva do nascimento ou da continuação do processo no primeiro grau de jurisdição. É o mesmo que tratar os sintomas sem tratar a doença.

O fundamento das críticas ao dispositivo legal em comento é forte (ausência de voluntariedade), mas não irrefutável. Efetivamente, a mediação terá início com um “chamado” judicial e não por iniciativa das pessoas envolvidas no conflito. Entretanto, não podemos deixar de considerar que a grande massa da população brasileira apenas conhecerá e participará de um procedimento de mediação que tenha curso na iniciativa pública. Assim, a meu ver e nas circunstâncias aqui colocadas, disseminar a mediação é preponderante frente a autonomia da vontade.

Os operadores do direito têm lição de casa para fazer (e eu, como aprendiz, me incluo, obviamente): i) fomentar e valorizar a pacificação dos conflitos, abandonando a cultura de que apenas o juiz tem capacidade e poder para solucionar as pendengas e a falsa ideia de que a mediação acarretará diminuição ou perda do mercado de trabalho; ii) reformar a lei com os olhos voltados para o início e não para o meio ou para o fim da linha do tempo processual.

__________

[1] Art. 334.  Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.

§ 1o O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária.

§ 2o Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.

§ 3o A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.

§ 4o A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II - quando não se admitir a autocomposição.

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§ 5o O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.

§ 6o Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.

§ 7o A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meio eletrônico, nos termos da lei.

§ 8o O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

§ 9o As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.

§ 10.  A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.

§ 11.  A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.

§ 12.  A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de 20 (vinte) minutos entre o início de uma e o início da seguinte.

2 GOZAÍNI, Osvaldo A. Elementos de derecho procesal civil. 1ª ed. Buenos Aires: Ediar, 2005, pág. 85.

3 Nos dizeres de Kazuo Watanabe.

4 A Lei 24.572, de 1.995 instituiu a obrigatoriedade da etapa da mediação prévia para os processos civis e comerciais com conteúdo econômico. O mediador não tem vínculo com o Poder Judiciário, tampouco o representa. Ele é dependente do Poder Executivo, o que implica gastos do Estado. A mediação, instância administrativa prévia, coloca os interessados frente a frente, expondo os seus argumentos sem as formalidades do processo judicial. O mediador, por sua vez, não apresenta a eles uma solução para o conflito; apenas os auxilia a chegar a ela. Não desejando um dos interessados encerrar o conflito em tal instância, passa-se, então, para a fase judicial. A mediação não será compulsória quando se desejar submeter a questão à arbitragem.

5 THEODORO, Humberto Júnior. Efetividade da Prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. Disponível em: <http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo51.htm>. Acesso em: 21 jun. 2013.

Sobre a autora
Sandra Regina Pires

Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), com diploma em fase de reconhecimento. Especialista em Direito Processual Civil com Formação para o Magistério Superior. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora no curso de Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, ministrando as disciplinas Direitos Reais, Direito Processual Civil (Recursos) e Introdução ao Estudo do Direito. Membro da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção Jabaquara/Saúde. Mediadora e Conciliadora capacitada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) para atuar nas iniciativas pública e privada, habilitada junto ao Núcleo de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e inscrita no Cadastro Nacional de Mediadores e Conciliadores do Conselho Nacional de Justiça. Integrante do painel de árbitros e mediadores da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES/SP). Integrante do painel de conciliadores da Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville (CEMAJ). Advogada militante nas áreas cível e família há 26 anos. Atuação no Magistério Superior por 10 anos, ministrando as disciplinas: Prática Jurídica Civil I e II, Direitos Reais, Responsabilidade Civil e Direito Civil (Parte Geral). Integrante do Núcleo de Prática Jurídica. Atuação como Coordenadora de Monitoria e Estágios. Professora do Curso Preparatório para Magistrados na ESMA/PB (Escola Superior da Magistratura Estadual) nas disciplinas Ação Popular/Ação Civil Pública, Atualidades em Processo Civil, Direitos Reais e Direito Civil (Parte Geral). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9557919549020744.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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