O regime jurídico do subsídio

23/06/2017 às 08:50
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O artigo expõe a doutrina e a jurisprudência relacionadas ao instituto do subsídio, para analisar a legalidade de parcelas recebidas pelos membros do Parquet a título de gratificação.

Ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello(Curso de direito administrativo, 26ª edição, pág. 268) que com intuito de tornar mais visível e controlável a remuneração de certos cargos, impedindo que fosse constituída por distintas parcelas que se agregassem de maneira a elevar-lhes o montante, a Constituição criou uma modalidade retributiva que é denominada de subsídio.

Subsídio é a denominação atribuída à forma remuneratória de certos cargos, por força da qual a retribuição que lhes concerne se efetua por meio de pagamentos mensais de parcelas únicas. Assim são elas indivisas e insuscetíveis de aditamentos ou acréscimos de qualquer espécie.

É o que se lê do artigo 39, § 4º:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (Vide ADIN nº 2.135-4)

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

É caso de aplicação ao membro do Ministério Público.

A Constituição refere-se aos chamados agentes políticos.

Agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização do Estado, ao que chamamos de esquema fundamental de poder, como ainda ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello (Regime jurídico dos funcionários públicos – Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos).

Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado.

Remunerar-se-ão por subsídios:

  1. O presidente ou vice-presidente da República;
  2. Os ministros de Estado;
  3. Os governadores e vice-governadores do Estado;
  4. Os secretários estaduais;
  5. Os prefeitos e vice-prefeitos;
  6. Os secretários municipais;
  7. Os senadores;
  8. Os deputados federais;
  9. Os deputados estaduais;
  10. Os vereadores;
  11. Os ministros do STF, dos tribunais superiores;
  12. Os componentes dos demais tribunais judiciais;
  13. Os magistrados em geral;
  14. Os membros do Ministério Público;
  15. Os membros da Advocacia-Geral da União;
  16. Os membros da Defensoria Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal;
  17. Os ministros e conselheiros dos Tribunais de Contas.

Observa-se da leitura do parágrafo quarto, daquele artigo 39 da Constituição que é vedado aos agentes políticos o percebimento de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.

Gratificações e adicionais são vantagens que, nos casos e condições indicados em lei, são incorporados, anotando-se que indenizações nunca são incorporadas.  

As gratificações definidas pela lei são:

  • Retribuição pelo exercício de função de direção, assessoramento e chefia
  • Gratificação Natalina
  • Gratificação por encargo de curso ou concurso

O auxílio-moradia, data vênia, tem caráter indenizatório e não remuneratório. As diárias pagas são forma de indenização devida. 

Estamos diante de regime jurídico onde se situam normas próprias que não admitem o direito adquirido. O regime jurídico diz respeito a normas relativas à existência de direitos e não a aquisição de direitos, como ensinou Savigny.

Para Savigny (Traité de droit romain, Paris, tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), leis relativas à aquisição e á perda dos direitos eram consideradas as regras concernentes ao vínculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreto.

Por sua vez, as leis relativas à existência, ou modo de existência dos direitos, eram definidas por Savigny como aquelas leis que têm por objeto o reconhecimento de uma instituição em geral ou seu reconhecimento sob tal ou tal forma.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que “a expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições”(Direito Administrativo, 19ª edição, 2006, pág. 64).

Marçal Justen Filho tem a seguinte definição: “o regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determinados fins”(Curso de Direito Administrativo, 2005, pág. 48).

Diante disso informa o site do STF, em 23 de março de 2017:

“O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5671, com pedido de liminar, contra normas do Estado de São Paulo que autorizam o pagamento de gratificação pela prestação de serviços de natureza especial a membros do Ministério Público. Segundo Janot, as disposições impugnadas acarretam ofensa ao regime constitucional de subsídio, que prevê o pagamento da remuneração em parcela única, aplicável aos membros do Ministério Público.

A ADI questiona expressões contidas no artigo 195 da Lei Complementar 734/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo) e os Atos Normativos 40/1994 e 709/2011, da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, que dispõem sobre pagamento de gratificação pela prestação de serviços de natureza especial a membros do Ministério Público paulista. Segundo a ação, as parcelas remuneratórias previstas nas expressões questionadas da lei complementar não correspondem ao desempenho de atividade extraordinária, mas sim do regular exercício do cargo.

O procurador-geral da República salienta que as gratificações não possuem natureza indenizatória, e que seu recebimento juntamente com o subsídio representa violação do artigo 39, parágrafo 4º, e do artigo 128, parágrafo 5º, inciso I, alínea “c”, da Constituição Federal. Observa, ainda, que a distinção entre o subsídio e o sistema de remuneração com base em vencimentos está exatamente na vedação geral de que ao primeiro seja acrescida vantagem pecuniária de natureza remuneratória, como gratificações, adicionais, abonos, prêmios, verbas de representação e outras de semelhante caráter.”.

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Sendo assim, por ofensa ao regime constitucional do subsídio, são inconstitucionais as parcelas recebidas pelos membros do Parquet a título de gratificação.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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