Recentemente, a Justiça Eleitoral passou a examinar casos concretos envolvendo requerimentos de registros de candidatos, cujos estatutos partidários não previam expressamente o prazo mínimo de seis meses de filiação partidária.
A discussão jurídica, sob a luz da Constituição Federal, leis eleitorais e normas interna corporis de cada partido político, gira em torno da fixação do prazo de filiação partidária, para o pleito de outubro de 2016.
A sistemática do ordenamento jurídico eleitoral possui vetores normativos fixados na Constituição da República que, sem dúvida alguma, devem funcionar como instrumentos hábeis a solucionar controvérsias jurídicas que podem surgir no processo eleitoral.
Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado, mas com função extremamente relevante em nossa democracia.
O eleitor possui o direito fundamental de escolher seus representantes, de forma direta, secreta, prevendo a lei máxima igualdade de voto entre os cidadãos. Entretanto, aos eleitores somente lhes é garantido o direito à escolha dentre os candidatos escolhidos e registrados por partidos políticos e coligações, ou seja, compete aos partidos políticos a escolha prévia antes da submissão dos candidatos ao crivo das urnas.
A Constituição Federal traz em seu artigo 17, o princípio da autonomia partidária para deliberar sobre suas normas internas relativas à organização e funcionamento: Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:
§ 1° É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional no 52, de 2006)
§ 2° Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.
Portanto, a autonomia partidária é considerada relevante diretriz e princípio constitucional para aplicação das normas infraconstitucionais a casos concretos que envolvam interesses partidários. A interpretação mais adequada, conforme a Constituição, indica que não compete ao julgador se imiscuir nas decisões internas e meritórias de uma agremiação partidária.
Nessa esteira, a prevalência das normas e deliberações internas é regra que somente poderá ser afastada por infringência explícita à lei eleitoral ou Constituição. Em resumo, uma norma interna ou deliberação partidária é válida e eficaz, salvo se contrariar a CRFB ou a lei.
A Constituição Federal e a legislação infraconstitucional preveem variados prazos para aferição de condições de elegibilidade e causas de inelegibilidade. Por exemplo, a lei complementar 64/90 prevê prazos de desincompatibilização que variam de 03 a 06 meses antes do pleito; a lei 9304/97 prevê prazo de um ano para inscrição eleitoral na circunscrição, dentre vários outros.
A hipótese a ser examinada diz respeito à filiação partidária, condição de elegibilidade prevista no artigo 14, § 3° da Constituição Federal, que consiste no vínculo entre o eleitor e um partido política. A consumação da filiação partidária se perfaz, exclusivamente, mediante o consenso entre eleitor e partido político, funcionando a Justiça Eleitoral como agente cartorário das informações transmitidas por cada partido, arquivando-as. Havendo dúvidas e controvérsias sobre a regularidade de alguma filiação, cabe ao Juiz decidir.
A legislação eleitoral evoluiu a ponto de considerar, em caso de dupla filiação, válida a filiação partidária mais recente, preservando a vontade final do eleito; evitando discussões jurídicas muitas vezes inúteis e prejudiciais aos princípios da preservação da vontade do eleitor e da livre escolha (artigo 22, Parágrafo único da Lei 9.096/95). A evolução jurisprudencial veio em boa hora para respeitar, em uma relação jurídica privada, o princípio da autonomia da vontade das partes.
Como condição de elegibilidade, a filiação partidária possui prazos fixados em lei, sendo certo que na última reforma eleitoral o artigo 9° da Lei 9504/97 passou a vigorar com a seguinte redação:
Art. 9° Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicilio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito, e estar com afiliação deferida pelo partido no mínimo seis meses antes da data da eleição. Parágrafo único. Havendo fusão ou incorporação de partidos após o prazo estipulado no (apue, será considerada, para efeito de filiação partidária, a data de filiação do candidato ao partido de origem.
O artigo 9° da Lei das Eleições é clarividente ao estipular um prazo mínimo de 06 meses para a filiação partidária antes da eleição. A nova previsão legislativa revoga qualquer disposição contrária existente em outras normas, sendo certo que nessa relação filiado-partido, a autonomia das partes é a regra prevalente.
Tanto é verdade que um eleitor pode estar filiado ao partido há décadas e não ser escolhido candidato a cargo eletivo. Do mesmo modo, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a regra da candidatura nata, prestigiando o princípio da autonomia partidária.
O artigo 20 da Lei dos Partidos Políticos indica, uma vez mais, que ao partido é facultado alongar prazos de filiação partidária, ou seja, seria uma faculdade da agremiação, dependente da deliberação interna corporis, matéria não sujeita a controle judicial.
Entretanto, a aplicação deste artigo 20 hoje é despicienda, visto que o artigo 9º da Lei 9.504/97, lei específica eleitoral mais recente e que rege o processo de escolha de candidatos, fixou o prazo mínimo de 06 meses. Nessa toada, qualquer partido político possui liberdade de escolher seus candidatos dentre aqueles que possuem mais de 06 meses de filiação.
O prazo mínimo de filiação partidária pode ser mitigado, diante de interpretação conforme a Constituição Federal relativa aos militares da ativa, que precisam apenas estar filiados no momento da convenção partidária. Importante destacar dispositivo previsto na Lei 9.504/97 que, novamente, privilegia a autonomia partidária no processo de escolha de seus candidatos:
Art. 7º As normas para a escolha e substituirão dos candidatos e para afirmação de coligações serão estabelecidas no estatuto do partido observadas as disposições desta Lei.
§ 1. Em caso de omissão do estatuto, caberá ao órgão de direção nacional do partido estabelecer as normas a que se refere este artigo, publicando-as no Diário Oficial da União até cento e oitenta dias antes das eleições.
A Constituição Federal outorga ampla autonomia aos partidos políticos, que são os únicos que podem alargar o prazo de filiação partidária para fins de elegibilidade.
Dessa feita, não é razoável ou prudente, restringir o direito político de algum cidadão, com base em uma interpretação formalista ao extremo. O rigor formal não é capaz de limitar o exercício do direito político, muito menos pode afastar a manifestação de vontade de um partido político.
Outro princípio constitucional, que resguarda a interpretação aqui exposta, é o princípio da isonomia e da igualdade entre as partes na disputa, posto que deve-se nivelar o direito de lançar candidatos com menos de um ano de filiação.
Portanto, conclui-se que estará preenchida a condição de elegibilidade da filiação partidária, para o pleito de 2016, de todo e qualquer filiado a partido político até o dia 02 de abril deste ano, ressalvada a exceção do militar da ativa, desde que não haja restrição expressa em norma ou deliberação do partido político.