Precedentes judiciais: algumas considerações

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O presente artigo possui como objetivo tecer considerações acerca do precedente judicial e dos meios de operacionalização a ele inerente, abordando a ratio decidendi e o obter dictum.

1. PRECEDENTES: CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Conceitualmente, em sentido latu, temos por precedente “a decisão tomada à luz de um caso concreto, podendo ou não seu elemento normativo ser utilizado como parâmetro ou baliza para julgamentos posteriores[1]”.  Destarte, sumariamente, podemos conceituá-lo como sendo as “decisões anteriores que funcionam como modelos para decisões futuras[2]”.

Em sentido estrito, o precedente seria os fundamentos jurídicos de fato e de direito que sustentam a decisão, ou seja, a ratio decidendi[3], sendo esta, a norma geral do caso concreto, a qual possui comporta-se como “essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto[4]”.

O magistrado durante o “lide case” cria de forma necessária e concomitante duas normas jurídicas, sendo uma geral e a outra específica/individual.  A primeira é construída “a partir da interpretação de acordo com a Constituição, do controle da constitucionalidade e da adoção da regra do balanceamento dos direitos fundamentais no caso concreto[5]”. Trata-se de uma norma jurídica, contida na fundamentação do julgado, criada para justificar sua decisão.

A segunda, de caráter individual, é a própria decisão do magistrado acerca daquela situação específica que lhe é submetida à análise. Trata-se da norma jurídica individualizada, contida no dispositivo da decisão, que decide um caso concreto[6].

Contudo, ressaltamos que, de acordo com o entendimento do ministro Luiz Fux, apenas as decisões de tribunais superiores poderiam vincular juízes das instâncias[7]. Nesta esteira, temos que “apenas poderá ser considerado como precedente aquele dotado de eficácia jurídica vinculante”[8].

A sistemática dos precedentes judiciais em nosso ordenamento, possui respaldo constitucional calcada na força normativa-vinculativa de pressupostos de observância obrigatória, dentre estes temos a hermenêutica constitucional; como fonte interpretativa e condicionante da lei, fundada na aplicação e interpretação  dos direitos fundamentais e dos princípios constitucionais, respectivamente diante o caso concreto, além da expansão da jurisdição constitucional, no tocante ao controle de constitucionalidade das normas.

Diante este cenário, é impossível negar a imersão do direito processual em uma dinâmica ‘constitucionalizadora’ dos direitos, intitulada doutrinariamente de neoconstitucionalismo.

Destarte, estruturado sob os pilares de natureza construtivista, o sistema de precedentes vinculado a hermenêutica constitucional, atuam como parâmetros estruturais que fundamentam a nova dinâmica do sistema jurídico brasileiro.

Nesta sistemática, os precedentes normativos podem adquirir quatro naturezas distintas no tocante aos seus efeitos, podendo estes serem vinculativos, persuasivos, impeditivos e permissivos/autorizativos.

 Os precedentes vinculantes são classificados quanto a sua vinculação, podendo estas serem de eficácia vertical ou de eficácia horizontal. Os precedentes de eficácia vinculante vertical a ratio decidendi do precedente indica observância obrigatória das instâncias inferiores ao Tribunal prolator, enquanto que nos precedentes de eficácia horizontal a própria corte se mantém vinculada à ratio construída.

O Novo CPC concede efeitos obrigatórios e gerais, aos julgados proferidos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, em recursos extraordinários e especiais repetitivos[9], aos acórdãos produzidos pelos demais tribunais em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)[10] e no incidente de assunção de competência (IAC)[11].

Outrossim, destacamos os efeitos vinculantes próprios das decisões proferidas em Controle Concentrado de Constitucionalidade e das súmulas vinculantes[12], os quais já possuíam caráter vinculativo. 

Os referidos precedentes deverão ser obrigatoriamente observados pelas demais instâncias, sob pena de cassação do entendimento divergente, por meio de reclamação[13]. Ademais, destaca-se que precedentes sempre possuem o efeito persuasivo, posto que atuam junto a argumentação processual como “indício de uma solução racional e socialmente adequada[14]”.

Em sentido contrário, temos os precedentes, com eficácia obstativa ou impeditiva, os quais apresentam como fito obstaculizar a apreciação de determinada demanda. Neste sentido, podemos dizer que tais efeitos são de caráter negativo, impeditivo. .

Por fim, doutrinariamente, temos a existência de precedentes permissivos ou autorizantes que, ao contrário dos precedentes obstativos, visam garantir a apreciação de demanda, a revisão de decisão judicial ou a remessa necessária.

2.  DA RATIO DECIDENDI

A ratio decidendi constitui-se dos fundamentos jurídicos, a opção hermenêutica ou a tese jurídica que sustentam a solução do lide case, sem os quais a norma individual teria sido formulada de maneira diversa da que foi proferida.

Na fundamentação da sentença, como já anteposto, o magistrado, em sua argumentação jurídica, confere ao elemento da sentença caráter normativo, sendo esta uma “norma jurídica criada diante do caso concreto, mas não uma norma individual que regula o caso concreto[15]”, e que, por inferência, pode galgar status de regra geral, a ser invocada como precedente judicial em outras situações similares.

Destarte, podemos dizer que a ratio decidendi é a norma jurídica geral extraída da fundamentação do julgado, onde os fundamentos determinantes do precedente serão os responsáveis pela vinculação dos demais órgãos jurisdicionais a mesma tese jurídica adotada.

Por indução, extrai-se da ratio uma regra geral com potencial de generalização na aplicação de casos semelhantes. Outrossim, nos é relevante ressalvar que tal característica generalizadora tem como pressuposto a imposição de estabilidade das decisões, a igualdade dos jurisdicionados diante casos similares e a segurança jurídica.

De forma geral, a doutrina adota como que o conceito de ratio decidendi como sendo os fundamentos jurídicos ou a tese jurídica que sustenta a solução de determinado caso e como a norma jurídica geral a ser aplicada como parâmetro ou diretriz a outras situações, igualmente concretas. Neste conceito, podemos aduzir que os efeitos da ratio tem repercussão interna e externa.

 Na visão de Fredie Didier Jr., a ratio decidendi é formulada e se identifica em meio aos elementos da decisão judicial, mas com eles não se confunde, “importando saber as circunstâncias fáticas relatadas, a interpretação dada aos preceitos normativos no contexto e a conclusão a que se chega[16]”.

3. OBTER DICTUM

Na Teoria dos precedentes, depreender do julgado o obiter da verdadeira ratio decidendi configura-se como um exercício intrpretativo indispensável, posto que a força normativa dos precedentes judicias é extraída da ratio decidendi e não obiter dicta.

Neste sentido, podemos conceituar como sendo as proposições, argumentos, princípios ou opiniões jurídicas acessórias, irrelevantes ou relevantes que não apresentando influência relevante na formação da ratio.

Em que pese sua natureza acessória, o obiter dictum pode desempenhar relevante papel, podendo este atuar como elemento auxiliar e circundante da motivação e do raciocínio exposto na decisão ou mesmo provável alteração na orientação do Tribunal em relação a determinada tese ainda majoritária.

Em outros termos, o obter dictum corresponde a questões postas em discussão mas dispensáveis à solução da causa. Podem estar consubstanciados em considerações marginais ou em fundamentos minoritários e argumentos periféricos ao caso concreto, sendo por isso não vinculativos

O obiter dictum, também chamado de dictum, são os argumentos jurídicos acessórios explanados na motivação da decisão, que revelam juízos normativos acessório ou qualquer elemento jurídico-hermenêutico desprovido de relevância para a decisão. Neste sentido, podemos dizer que obiter dictum é tudo aquilo que, retirado da fundamentação da decisão judicial, não alterará a ratio.

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É comum encontrarmos o método de dedução de negativa para identificação do obter dictum, conforme aduz Geoffrey Marshall ao concorda que inexiste problema em se definir obiter dictum como “toda proposição de direito contida na decisão que não seja parte da ratio[17]”.

Contudo, esta metodologia possui implicações que podem gerar verdadeiros problemas. Afirma Marshall, nesse ponto, que o obiter dictum pode ser a) irrelevante para o dispositivo do caso ou para qualquer outra questão jurídica importante envolvida na situação posta à apreciação jurisdicional; b) relevante para o dispositivo do caso, mas desnecessário para a ratio; c) relevante para algumas questões bilaterais e para o dispositivo de outras importantes questões que podem ser suscitadas em casos futuros.

Contudo, apesar de ser elemento secundário do precedente judicial, o obiter dictum pode desempenhar três papéis, sendo o primeiro prescindível, na construção da motivação e do raciocínio exposto na decisão, o segundo como sinalização de futura orientação do Tribunal ou ainda como instrumento que pode conduzir à superação de um precedente judicial[18].

Em nosso ordenamento, o obter dictum desempenha atividade junto aos recursos fundados em controvérsia, o qual poderá repercutir como embargos infringentes.


[1] Idem.Pág 455

[2] MacCormick, Neil, 1941- Retórica e o estado de direito. Uma Teoria da Argumentação Jurídica.(Introdução Conrado Hubner Mendes). - Rio de Janeiro. Elsevier, 2008

[3] Didier. pag

[4] TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como fonte do direito. São Paulo: RT, 2004, p. 174.

[5] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo. São Paulo: RT, 2006, v. 1, p. 99.

[6] Didier

[7] RODAS, Sérgio. Juiz só deve seguir jurisprudência pacificada de tribunais superiores, diz Fux. In: Consultor Jurídico, Reportagem de 17 de abril de 2015 (http://www.conjur.com.br/2015-abr-17/fux-juiz-seguir-jurisprudencia-cortes-superiores acesso em 20/09/2016).

[8] MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 3. ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013

[9] CPC/2015, art.988, caput e 5, com redação conferida pela Lei 1.256/2016.

[10] CPC/2015, art. 928 e art. 976 a 978.

[11] CPC/2015, art. 992.

[12] BARROSO, Luís Roberto. O Controle da Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

[13] CPC/2015, art. 992.

[14] TUCCI, José Rogério Cruz. p. 13.

[15] MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo, cit., v. 1, p. 97.

[16] DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; ATAÍDE JR., Jaldemiro Rodrigues de; MACÊDO, Lucas Buril de (org.). Coleção Grandes Temas do Novo CPC: Precedentes. Vol 3. Salvador: Juspodivm, 2015.

[17]MARSHALL, Geoffrey. What is binding in a precedent. In MACCORMICK, D. Neil; SUMMERS, Robert S. (coord.). Interpreting precedents: a comparative study. Estados Unidos: Dartmouth, 1997, p.515

[18] DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JudPodivm, 2013, v. 2., p.430-431; REDONDO, Bruno Garcia. Aspectos essenciais da teoria geral do precedente judicial: identificação, interpretação, aplicação, afastamento e superação. Revista de Processo. Ano 38, vol. 217, mar. 2013, p.408.

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