A lei n.º 13.467/2017, que trata da polêmica reforma trabalhista, trouxe a lume uma questão importantíssima, mais especificamente no § 1.º, do artigo 840[1], da CLT, acerca do novo requisito, relativo ao pedido e suas especificações, da petição inicial e as consequências processuais que disso pode decorrer no papel que o juiz deverá desempenhar, neste particular, na seara do processo do trabalho.
O procedimento e a sistemática do processo do trabalho no que se refere ao ajuizamento da ação trabalhista - quem vive o cotidiano da Justiça do Trabalho sabe bem disso -, via de regra, determina que, em vista do princípio da celeridade processual, o réu será citado, independente de despacho da petição inicial pelo juiz do trabalho. Ou seja, a Secretaria da Vara, ao recebê-la, agenda a audiência una ou de conciliação e, ato contínuo, expede o mandado de citação do réu.
Ocorre que, com as modificações feitas pela lei acima referida, designadamente os requisitos que a petição inicial deverá conter, em especial a obrigatoriedade da indicação dos valores de cada um dos pedidos nela deduzidos, fica a dúvida se o juiz do trabalho, a partir da vigência do novo texto, deverá despachar todas as petições iniciais, a exemplo do que já é praxe no processo civil, nos termos do artigo 321[2] e seu parágrafo único do CPC/2015.
Em outras palavras, o aumento do rigor técnico agora exigido à petição inicial, a fim de se ajuizar uma ação trabalhista, teria o condão de mudar profundamente a rotina da prática processual trabalhista neste particular, principalmente se levarmos em conta o que dizem o artigo 10 do CPC/2015 e o artigo 4.º[3] da Instrução Normativa 39/2016 do TST?
É dizer, caso o juiz do trabalho, por um lado, opte por despachar a petição inicial, poderia ele, encontrando alguma irregularidade formal violadora dos propalados requisitos, indeferi-la de plano, sem abrir prazo para que o autor eventualmente emende a inicial, indo de encontro aos preceptivos legais anteriormente citados?
Por outro lado, seguindo o atual procedimento, ou seja, sem que ocorra o despacho da petição inicial, o juiz do trabalho somente na primeira audiência é que poderia então analisar se os requisitos da petição inicial estão de acordo com a lei, sendo que, na oportunidade da audiência, ao constatar tal incidente processual, antes de se iniciarem a conciliação, a instrução e o julgamento, suspendê-la para que o autor possa enfim emendar a inicial, perdendo a pauta e adiando a audiência - o que, na prática, prejudica sobremaneira os trabalhos nesta justiça especializada?
Cabe aqui abrir parênteses para esclarecer dois pontos ou duas conclusões evidentes nesta mudança legislativa.
A primeira conclusão a que se chega é a de que a reforma trabalhista, na parte encarregada de dispor sobre os procedimentos a serem adotados na Justiça do Trabalho, colocou inúmeros empecilhos ao autor, de modo que contraria toda aquela construção prática e teórica acerca do acesso à justiça. Isto é fato.
O processo do trabalho sempre se caracterizou pela informalidade e celeridade de seus atos, de forma que a petição inicial, neste cenário, nunca se submeteu ao rigor formal do processo civil. Tal circunstância, no entanto, tem seus prós e contras, obviamente. Mas as vantagens desse modelo sempre preponderaram sobre as desvantagens.
A segunda é a de que esse procedimento inovador exigirá mais atenção, um compromisso e uma dedicação maior do profissional do direito na elaboração das peças trabalhistas, mudando um pouco a cara da prática processual trabalhista. Isso é uma virtude trazida pela lei de reforma.
Voltando ao tema principal, qual seja, à necessidade ou não de o juiz do trabalho despachar a petição inicial, tendo em vista a redação do § 1.º, do artigo 840, da CLT, à luz dos artigos 10 e 321 do CPC, tendo em vista também os termos do artigo 4.º da IN 39/2016 do TST.
Toda mudança, por mais insignificante que seja, traz um certo desconforto para qualquer sociedade, ainda mais para o profissional do direito, que lida constantemente com mudanças legais. Quando as alterações são profundas e radicais, como no presente caso, isso salta aos olhos.
À primeira vista - logicamente a doutrina e a jurisprudência nos darão respostas com posições científicas melhor definidas -, parece que, por amor à racionalidade, à celeridade e à economia processuais, o juiz do trabalho, depois de o servidor da Secretaria da Vara fazer conclusos os autos, diante de uma petição inicial fora dos padrões requisitados pela lei, em obediência, sobretudo, ao que preconiza o artigo 10 do CPC, que trata da proibição de decisões surpresas, verdadeiro princípio da ciência processual, deverá abrir prazo para que o autor regularize, ou melhor, emende a inicial, no prazo de quinze dias (artigo 321 do CPC), para, depois, sim, ser designada a audiência una ou inicial.
Caso não haja a conclusão dos autos pelo servidor, a irregularidade poderá ser arguida pelo réu ou de ofício pelo juiz na ocasião da primeira audiência, razão pela qual será ela suspensa até que o autor faça as correções devidas.
Portanto, o que deve prevalecer é o princípio insculpido no artigo 10 do CPC, evitando, a todo custo, o indeferimento de plano da petição inicial, caso contrário, penalizar-se-ia ainda mais a situação do autor, já atingido por conta das modificações trazidas pela lei 13467/2017.
Notas
[1] [...]§ 1o Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juízo, a qualificação das partes, a breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, o pedido, que deverá ser certo, determinado e com indicação de seu valor, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. (Grifo nosso)
[2] Art. 321. O juiz, ao verificar que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 319 e 320 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de 15 (quinze) dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado. Parágrafo único. Se o autor não cumprir a diligência, o juiz indeferirá a petição inicial.
[3] Art. 4° Aplicam-se ao Processo do Trabalho as normas do CPC que regulam o princípio do contraditório, em especial os artigos 9º e 10, no que vedam a decisão surpresa.