A Constituição Brasileira na contemporaneidade.

Relação entre as análises de Hesse e Canotilho e o princípio da igualdade

17/08/2017 às 13:58
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O presente trabalho tem como finalidade demostrar a garantia do princípio da igualdade que, apesar de estar positivada na Constituição Federal Brasileira de 1988, ainda não é uma realidade.

1.0 INTRODUÇÃO

A Constituição tem o valor de primazia no Estado Democrático de Direito, pois visa, além da organização do Estado, a garantia de direitos e deveres da sociedade. O seu texto exprime um sistema de normas fundamentas que requererem a deferência dos responsáveis por sua efetivação, particularmente o Estado e o legislador. Por possuir uma importância material e formal no âmbito social e jurídico, a Constituição é denominada de lei fundamental do Estado em que suas normas ocupam o ápice da pirâmide jurídica, reconhecendo o seu caráter de imperatividade de seus comandos. O seu conceito e seu valor normativo é plural, havendo diversas teorias que discutem a cerca de como advém a sua potência normativa e como se dá a sua efetividade.

O presente artigo tem como fundamento analisar a Constituição Brasileira de 1988, em peculiar o princípio da igualdade, e relacioná-la com as teorias da Constituição de Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho. Eles apresentam um estudo analítico da Constituição, apresentando a forma como se da o seu valor normativo e propõe formas de com a Constituição efetiva a pretende eficácia do seu texto normativo.

A necessidade de se discutir este tema, se fundamenta no fato de que nem sempre os direitos promulgados na Constituição fazem parte da realidade brasileira e que muitas vezes o Estado se torna omisso diante dos anseios sociais. Nessa perspectiva procurar-se-á fazer uma análise do princípio da dignidade da pessoa humana tendo como embasamento as interpretações constitucionais de Hesse e Canotilho. Se a Constituição representa a Lei Suprema do Estado Democrático de Direito e o princípio da igualdade é um direito básico garantido na Constituição Federal do Brasil de 1988, porque os direitos dos homoafetivos ainda são negligenciados pelo Estado? Em suma, há uma imediata necessidade de se articular, na teoria e na prática, um projeto crítico de reconstrução democrática do Direito nacional. Para que haja essa mudança é necessário buscar uma nova certeza do valor normativo da Constituição na realidade brasileira. Para isso, faz-se necessário a compreensão das interpretações sobre a Constituição de Hesse e Canotilho, nos livros A Força Normativa da Constituição e a Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador. Segundo Hesse, a Constituição não significa apenas um pedaço de papel como dizia Lassale, mas a própria vontade da constituição e é nela que se encontra a sua eficácia e validade. Canotilho propõe uma Constituição mais participativa no que tange as atividades do Legislativo e Executivo, ele defende a Constituição Dirigente pautada em tarefas direcionadas que consagram uma exigente atuação do Estado, a fim de cumprir as garantias estabelecidas na Constituição.

A igualdade é um assunto amplamente discutido na sociedade brasileira, principalmente pela estrutura social brasileira, composta por um intenso pluralismo social. Por isso, se torna relevante à compreensão e a eficácia do princípio da igualdade no âmbito social, político e econômico, sobretudo, pela razão da própria realidade da sociedade brasileira estar em constante transformação, como se vê nas novas formas de estrutura familiar, com a ampla aceitação do Supremo Tribunal Federal sobre a união homoafetiva, em consequência de uma ausência de leis infraconstitucionais estabelecem de forma expressa os direitos dos homossexuais.

2.0 LIDANDO COM AS DIFERENÇAS: LUTAS E DIREITOS

Ao se tratar da nossa realidade social, de forma plural, não podemos esquecer o princípio da igualdade contido nos direitos e garantias fundamentais resguardados na Constituição de 1988. Perceber-se-á que as diferenças ainda existem, mesmo quando se diz que se vive em um país democrático de direito e ainda permeia diversas formas de preconceitos, sejam eles: racismo, homofóbico, entre outros, contrariando o princípio da isonomia, do qual se dispõe que as pessoas não podem ser legalmente desigualadas em função da raça, ou do sexo, ou da convicção (art. 5º. caput da Constituição) ou em razão da cor dos olhos, da compleição corporal, etc.

Levando em consideração os direitos assegurados CF/88, comparando com a sua aplicabilidade na realidade social, percebe-se que esses direitos e garantias fundamentais nem sempre são cumpridos como determina a Constituição, ou seja, a perfeita igualdade e a jurisprudência da forma como interpreta, que nem sempre há equidade, tornando às vezes a lei omissa em resolver de forma igualitária os problemas que a realidade social impõe.

Partindo dessa diferenciação entre a norma posta e sua aplicabilidade, quem conceitua bem essa diferença, que diz às vezes ser inconstitucional é Celso Antônio Bandeira de Mello (2003, p.18), tratando das diferenças, diz que “as discriminações são recebidas como compatíveis com cláusula igualitária apenas e tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida”.

Percebe nesse trecho citado por Celso Antônio Bandeira de Mello que as diferenças ainda existem, e mesmo todos sendo iguais perante a lei, ainda há tratamentos diferenciados, a esfera constitucional nem sempre opera de maneira coletivamente e harmônica, ainda há grande jogo de interesses individuais que dão respaldo sobre diversos grupos sociais nas suas diversas formas de preconceitos, seja ele: racial, financeiro ou de gênero, entre outros. E pior, essas desigualdades às vezes são alimentadas pelo o próprio sistema operante, o mesmo tornando reprodutor dessas desigualdade.

 “Com efeito, por via do princípio da igualdade, o que a ordem jurídica pretende firmar é a impossibilidade de desequiparações fortuitas ou injustificadas. Para atingir este bem, este valor absorvido pelo o Direito, o sistema normativo concebeu fórmula hábil que interdita, o quanto possível, tais resultados, posto que, exigindo igualdade, assegura que os preceitos genéricos, os abstratos e atos concretos colham a todos sem especificações arbitrárias, assim proveitosas que detrimentosas para os atingidos”. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de, 2003, p. 09.)

Nesse mesmo sentido, Pimenta Bueno diz que:

“A lei deve ser uma, e mesma para todos; qualquer especialidade ou prerrogativa que não fundada só e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público será uma injustiça e poderá ser uma tirania”. BUENO, Pimenta. Direito Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857, p. 424 apud Celso Antônio Bandeira de Mello, 2003, p.18.

O atual modelo de sociedade tem resultado de diversas lutas e transformações socioeconômicas, políticas e sociais ocorridas nos últimos séculos, dentre as quais se destaca a ampliação dos direitos e garantias fundamentais contidos na CF/88. Apesar do Estado Democrático de Direito ter a missão de cumprir com esses direitos, sua evolução ainda é insuficiente diante de uma sociedade bastante pluralista, no seu contexto social e cultural, havendo inconformidades com evolução de diversos grupos, dentre os quais: os homossexuais que sofre com a discriminação, sendo visto pela própria sociedade como se fosse um estranho ao outros.

É evidente que isso indica as perplexidades de uma estrutura social onde a hierarquia parece está baseada na intimidade social. De fato, sempre que faz uma análise do sistema brasileiro, torna-se exclusivamente o fenômeno da diferenciação econômica, deixando de lado todos os eixos classificatórios quem permitem reorientar a conduta social e política, possibilitando, como estamos vendo, a diferenciação entre dominadores e dominados.

Como podemos perceber, por exemplo, a luta dos homossexuais por uma igualdade de direitos em conformidades com os heterossexuais é incansável as lutas e reivindicações pelo o reconhecimento de sua identidade e podem ser essências para a concretização dos seus direitos civis, o que faz necessário que os interpretes enxerguem a Constituição como uma unidade plural. Esses movimentos sociais objetivam o reconhecimento de uma ordem judicial plural, em conformidade com a sociedade atual. A ministra Carmem Lúcia do STF, ao fundamentar seu voto, faz referência a essa necessidade:

“E o pluralismo não apenas se põe, expressamente, no art. 1º, inc. IV, da Constituição, como se tem também em seu preâmbulo, a sinalizar a trilha pela qual há de se conduzir o intérprete.[...] ‘“As escolhas pessoais livres e legítimas, segundo o sistema jurídico vigente, são plurais na sociedade e, assim, terão de ser entendidas como válidas” ( LÚCIA, Ministra Carmen Lúcia, p.10)

Em busca da efetivação de seus direitos e garantias individuais, diversos grupos vem lutando contra certos empecilhos que ainda são comuns em uma sociedade moderna e democrática de direito, dentre os quais, os homossexuais, procurando meios de suprir essas desigualdade e diferenças que ainda é comum, na forma de preconceitos, discriminação, entre outras. Como afirma Habermas (2002, p. 23):

“As reivindicações pela igualdade de direitos constituem-se em uma luta árdua por reconhecimento e inclusão, sendo que a partir dos movimentos sociais torna-se mais fácil atingir tais objetivos. Sem movimentos sociais e sem lutas políticas, vale dizer, tal realização teria pouca chance de acontecer”.

Habermas mostra relevante preocupação cerca da inclusão de grupos desprivilegiados e marginalizados e refere a necessidade da igualdade de inclusão de todos e, sobretudo, o respeito das diferenças em todas as sociedades, principalmente naqueles em que possuem como característica histórica um grande pluralismo cultura, regional, sexual, entre outros, como é o caso do Brasil. Para isso, Habermas legitima essa igualdade em um Estado Democrático de direito.

“Democracia. Contudo, tais categorias são tratadas como objetos de disciplinas diferentes: a jurisprudência Deve haver uma coesão interna entre Estado de Direito e Democracia. Não há Estado de Direito sem trata do direito e a ciência politica da democracia”. (HABERMAS, Jürgen, 2002, p. 285)

A crescente aceitação da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal possibilitou uma visualização de uma possível coesão real entre o Estado de Direito e a Democracia. No entanto, essas decisões só podem ser vistas agora, depois de tanto sofrimento que os homossexuais tiveram que enfrentar, e ainda enfrentam pela busca de novos direitos, sendo que o princípio da igualdade está previsto na Constituição desde 1988, e a igualdade tem que estar intimamente ligada a qualquer norma ou decisão política.

3.0 A CONSTITUIÇÃO EM HESSE E CANOTILHO

As teorias do conceito da Constituição trazem várias perspectivas acerca da função, valor, eficácia e efetividade do texto normativo no âmbito social, jurídico e político e divergem segundo cada autor. Dentre elas, encontram-se os conceitos de Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho.

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Em seu livro “A força normativa da Constituição” Hesse faz uma severa crítica em relação aos conceitos sustentados por Fernando Lassalle, sobre a essência da Constituição e o questionamento: “O que é a Constituição?”. Em uma conferência em Berlim, no mês de abril de 1862, Lassale pronunciou que os “fatores reais do poder” existentes na sociedade são os elementos formadores da Constituição, na sociedade existem duas Constituições, uma real ou material e jurídica, sendo que a Constituição real é representada pelos “fatores reais do poder” que foram transformados em textos jurídicos, ganhando a partir de então força normativa e o conflito entre o real e o jurídico transformaria a Constituição em um mero “pedaço de papel” que pode ser rasgada pela força dominante vigente no país. Nesse sentido, a Constituição não teria autonomia, ou seja, não teria uma potência normativa, pois seria apenas a representação das forças sociais postas em um pedaço de papel, possuindo uma força meramente aparente.

Hesse diverge sobre essa concepção mecanicista de Lassale, afirmando que a Constituição tem validade em si mesma, sendo um dever ser, e não apenas um produto das relações de poder existente na sociedade. Ela é também um sistema aberto constituído por princípios fundamentais, pilares de toda sociedade e do ordenamento jurídico e que possui uma relativa intenção de eficácia e um significado próprio, no entanto, a sua força normativa advém na “vontade de constituição”, ou seja, ela apenas produz efeitos se tornar efetiva as intenções de eficácia. Ele, contudo, não exclui a relevância dos “fatores reais do poder”, mas propõe uma coerência entre a Lei Fundamental e a realidade político-social.

Essa potência normativa da Constituição é o que motiva, coordena e ordena a vida do Estado e da sociedade. Ela acontece seguindo uma lógica de três vertentes: a Lei Fundamental não é destituída de realidade, não há um isolamento entre direito e realidade, mas uma interação coerente entre as partes; a força normativa é provida de uma “vontade de constituição” daqueles que a representam, pois a norma não se torna válida tão somente pela letra fria da Lei, mas principalmente pela interpretação daqueles que a usam; e vigência da norma constitucional está nos atos de vontade humana, pois a constituição tem que expressar osanseios mais profundos da sociedade, por meio dos princípios fundamentais, fazendo com que ela se adapte às transformações da realidade social e política.

“O significado da ordenação jurídica na realidade e em face dela somente pode ser apreciado se ambas – ordenação e realidade – forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco. Uma análise isolada, unilateral, que leve em conta apenas um ou outro aspecto, não se afigura em condições de fornecer resposta adequada à questão. (…) A radical separação, no plano constitucional, entre realidade e norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a qualquer avanço na nossa indagação.” (HESSE, 1991, p. 13-14).

Essa percepção de “vontade humana” apresentada por Hesse se relaciona intimamente com o conceito de práxis, de Karl Marx, que expressa uma compreensão do homem de sua perspectiva produtiva. A práxis é uma filosofia da consciência individual em que as ações do homem estão acompanhadas da sua própria vontade. Ao trazer essa filosofia para a força normativa de Hesse, pode-se perceber que a Constituição apenas terá vigência se os indivíduos a respeitarem de forma consciente e concomitante a sua vontade, contrariando uma eficácia normativa, através de uma vontade mecânica ou forçada.

“A práxis é a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, modificando-se a si mesmos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente precisa da reflexão, do autoquestionamento da teoria; é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática.” (KONDER, 1992, p. 115 apud MASCARO, 2010, p. 275).

A força normativa da Constituição, segundo Hesse, não se limita apenas a se adaptar a realidade, mas, sobretudo, a tornar a Constituição efetiva, por meio de tarefas a serem executadas. Essas tarefas compreendem os princípios fundamentais que faz da vontade da constituição um meio de concretizar os anseios sociais.

Nessa mesma perspectiva de que a Constituição, além de adaptar-se a realidade social, designa atividades para efetiva-la, é que trabalha José Joaquim Gomes Canotilho com a proposta da Constituição Dirigente. A ideia do constitucionalismo dirigente diverge com a teoria da Constituição Garantia que conceitua as normas constitucionais como instrumento de Governo, propondo a garantia da liberdade, por meio da limitação do poder. Essa concepção não considera a Constituição no seu sentido sociológico, mas tão somente como mantenedora do status quo, preocupando com procedimentos, em detrimento da realidade, ou seja, a formalidade está acima dos anseios sociais. Ela nasceu com o liberalismo a partir da ideologia de separação do Estado com a sociedade, com a defesa de um Estado mínimo com competência única de gerir as tomadas de decisões políticas. No entanto, tal concepção reduz a Constituição a mero instrumento do Estado, separado da realidade social. Ela, sobretudo, tem que ser a Lei fundamental, no intuito, de servir à sociedade.

Atualmente, pode-se constatar que tal teoria que reduz o alcance constitucional é insuficiente, passa-se a exigir meios de garantia de eficácia normativa, por meio dos direitos fundamentais. Essa fundamentação substancial, segundo Canotilho, pode limitar-se a princípios fundamentais ou se estender propondo tarefas ou programas para os órgãos públicos concretizarem as necessidades sociais. No entanto, essa carência de estabelecer programas vinculados aos poderes públicos não supõe uma incapacidade Constitucional ou uma ausência de força normativa, mas preenche lacunas, por meios dos princípios fundamentais, que não podem ficar abertas ou suspensas. Além de também estabelecer procedimentos por meio dos quais são decididas as questões em aberto.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 pode ser considerada uma Constituição Dirigente, pois possuiu normas programáticas como mecanismo de se impedir a omissão legislativa que correspondem as normas constitucionais da ação direta por inconstitucionalidade por omissão e o mandato de injunção. O modelo da Constituição Dirigente foi adotado por alguns membros da Assembleia Constituinte Brasileira, pois retratava a realidade social vigente. O Brasil havia superado anos de ditadura militar, então se procurava mecanismos de garantia de eficácia do texto constitucional, na intenção de se obter uma dimensão material legitimadora e dar fundamento ético a nova ordem constitucional.

O modelo de Constituição Dirigente inspirou diversos membros da Assembleia Constituinte brasileira. Por isso, a presente Constituição não almeja simplesmente retratar a realidade política vigente, como em modelos ultrapassados do século XX, mas também cuida da inserção de objetivos programáticos que não poderiam ser aplicados no momento da elaboração do texto constitucional. Em simples termos, os agentes do Poder Constituinte originário submetem os futuros governos e a sociedade à realização de princípios constitucionalmente aventados para a transformação da realidade social. (MOREIRA, 2008, p. 8).

A Constituição dirigente surge no contexto da realidade social dos países com industrialização tardia que são caracterizados por uma relevante carência de planos sociais, no intuito de oferecer melhores condições de vida aos cidadãos. Entretanto, com tempo, o constitucionalismo dirigente vêm ganhando novos contextos e interpretações, divergindo daqueles que acreditam na Constituição Dirigente como fator por si só revolucionário. Nesse sentido que CANOTILHO (2001) afirma na segunda edição de seu livro “Constituição Dirigente e vinculação do legislador” que “a Constituição Dirigente estará morta para que aqueles que acreditam que o dirigismo por si só representa força emancipatória revolucionária”.

3.1 O princípio da igualdade e as possibilidades para a legitimação de um Estado livre e democrático

O princípio da igualdade representa o alicerce da equidade e da justiça social para a sustentação de uma maior coesão social. Ela estabelece garantias e obrigações desde a criação de leis, pelo legislador, até a aplicação das leis, pelos magistrados. Apesar de ser um princípio basilar da sociedade brasileira, positivada no art.5 da CF/88, muitas vezes é confrontada por interesses particulares. Diante desse conflito e da sociedade brasileira possuir uma grande pluralidade social, a igualdade perante a lei trazida para o texto constitucional, torna-se precursora da elaboração de outras normas a nível infraconstitucional.

A Constituição Federal do Brasil de 1988, por causa do histórico social marcado pela ditadura militar, estabelece princípios fundamentais no intuito de propor mudanças. Eles sugerem uma maior abstração do que as regras, por isso servem para preencher lachunas para que se alcance uma maior equidade e por serem princípios fundamentais imutáveis, estabelece um ajustamento da Lei Fundamental com a realidade social, para que se alcance eficácia legitimada.

Trazendo os conceitos de Constituição de Konrad Hesse e José Joaquim Gomes Canotilho, pode-se constatar que para que haja a efetivação do princípio da igualdade é necessário que exista a “vontade da constituição” vinculada ao espírito do legislador, no intuito de criação de leis infraconstitucionais que visam a garantia desse princípio.

“Por isso, retornando-se à relação que deve se manter inexorável entre cidadania e atuação estatal dirigida pela constituição, assume-se a tese de que, tão importante quanto a atuação da jurisdição constitucional –referida alhures -, é o fomento de uma tradição hermenêutico-social de um sentimento constitucional, para a implementação dos “compromissos modernos” do Estado brasileiro, materializados nas promessas de garantias dos direitos sociais e nos objetivos expostos no texto constitucional” (MOREIRA, 2008, p. 18).        

Ao analisar a realidade brasileira, pode-se observar que a garantia do princípio da igualdade acontece de forma gradual, conforma a sociedade vai mudando. O princípio da igualdade sempre esteve presente nas constituições brasileiras, mas era restringida segundo a realidade de cada época. Um exemplo é o racismo que só se tornou crime na Constituição de 1988, enquanto as outras Constituições apenas designavam a não tolerância de discriminação. Também pode ser observada a crescente garantia de direito aos homoafetivos que antes eram vistos como aberrações sociais, apesar de ainda haver resistências a esse grupo, há uma grande tendência dos magistrados em concretizar os direitos dos homossexuais, por meio de jurisprudências com o argumento do princípio da igualdade e da dignidade humana.

Essa interpretação do texto constitucional segundo as teorias de Hesse e Canotilho aponta para uma maior compreensão da força normativa da Constituição e como tornar eficaz o texto constitucional, segundo a realidade social.

4.0 CONCLUSÃO

Esse presente trabalho teve como finalidade mostrar de maneira crítica a realidade da Constituição, mostrando sua insuficiência ainda quando se trata de sua aplicabilidade na realidade social, o que leva Canotilho a propor uma constituição dirigente, para que os direitos resguardados pela a própria Constituição possam ser efetivados de acordo com a realidade social, a Constituição em si tem por obrigação fazer esses direitos serem garantidos não só no papel, mais para esses direitos sejam efetivados na realidade social. Para o mesmo a Constituição só terá valor supremo quando esses direitos forem urgentemente efetivados quebrando certas barreiras e desigualdades e preconceitos que ainda são comuns dentro uma Constituição livre e democrática como se diz no seu art. 5.°, caput, que consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natura.

Hesse também define um modelo de Constituição mais efetivo no “bem como de todos”, quando o mesmo faz a crítica que as normas constitucionais não podem ser legisladas somente sobre a ótica do legislador, o que acaba gerando desequiparações odiosas, fortuitas e arbitrárias. Para o mesmo a Constituição tem um valor supremo, e deve ser emanado da vontade da maioria, atendendo as necessidades em conformidades com a realidade social.

Em suma, partindo do princípio dos dois autores, percebemos que eles defendem uma democracia mais justa e igualitária, rompendo com todas as formas de preconceitos e discriminação. Então, se a Constituição consiste em atender de maneira plural, não é cabível ainda que possa existir preconceitos e diferenças numa sociedade que se diz ser democrática de direito, ferindo o próprio princípio da isonomia que defende a Lei Fundamental suprema.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2008.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277. Voto da Ministra Cármem Lúcia. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277CL.pdf>. Acesso em: 11 maio 2017.

BERCOVICI. Gilberto. A problemática da constituição dirigente: algumas considerações sobre o caso. Revista de Informação legislativa, Brasília, a.36, n° 142, abril/maio/junho, 1999. Disponível na internet: < http://lms.ead1.com.br/upload/biblioteca/modulo_1597/X8K3WUHNT4.pdf. Acesso em: 11 de maio de 2017.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ª ed. Coimbra: Coimbra. 2001;

______________________________. Direito Constitucional e Teoria Constitucional. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003.

COELHO, Inocêncio Mártires. Konrad Hesse: uma nova crença na Constituição. In: CLÉVE, Clémerson Merlin e BARROSO, Luís Roberto (Org.). Direito constitucional: teoria geral da constituição. Coleção doutrinas essenciais. v.1.

HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos e teoria politica. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

MASCARO, Alysson Leandro. A filosofia do Direito de Marx In: ______.Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2010. Cap 11, 267-309.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. Ed. Malheiros Editores, 2003.

MONTEIRO, Nelson Camatta. Dignidade Humana na Constituição Dirigente de 1988. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n° 12, dezembro/janeiro/fevereiro, 2008. Disponível na internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 11 de maio de 2017.

Sobre a autora
Palloma Massette Silva

Advogada Pós graduando em Direito Civil e Processo Civil

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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