Resumo:No âmbito do Direito Internacional Público (DIP) não existe um consenso no que diz respeito aos seus sujeitos. Por sujeito, entende-se o ente jurídico que possui prerrogativa quanto aos seus direitos e deveres no plano internacional. Dessa forma, foi realizada uma pesquisa que tem como principal objetivo comparar as principais concepções doutrinárias acerca desta controvérsia, sendo que o presente artigo visa a apresentar os dados obtidos com a realização da mesma.
Introdução
Ao estudar a disciplina Direito Internacional Público pode-se constatar a controvérsia entre quais são os sujeitos de Direito Internacional Público. Por sujeito se entende a entidade jurídica que goza de direitos e deveres no plano internacional, com capacidade para exercê-los.
Diante da não unanimidade dos autores sobre o assunto, foi realizada pesquisa com obras indicadas na ementa do Curso de Direito da Universidade Federal de Goiás- Regional Jataí, e, ainda, abrangendo os principais doutrinadores da área, a fim de comparar quais são as principais entidades jurídicas aceitas no plano internacional.
Desenvolvimento
Segundo o artigo 34 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça,´´Só os Estados poderão ser partes em questões perante a Corte´´, entretanto, alguns autores vão além dessa doutrina, acrescentando Organizações Internacionais, Organizações privadas, Igreja Católica, o próprio homem, entre outras entidades como sujeito de direito e obrigações no campo internacional. Vejamos, a partir de agora, algumas opiniões a respeito.
Segundo Hildebrando Accioly, em seu livro ´´Tratado de Direito Internacional Público´´, o direito das gentes engloba não só os Estados, mas o ser humano, organismos internacionais criados por acordos entre Estados, como a Organização das Nações Unidas, Organização dos Estados Americanos, Organização do Trabalho, Organizações Internacionais e Estados beligerantes, além de uniões administrativas, e certas comissões fluviais internacionais. Deve se incluir entre as pessoas de direito Internacional a Igreja Católica Romana, personificada na Santa Sé.
Para ele, a prática internacional confirma aos indivíduos o poder de possuir direitos e obrigações internacionais. Cita, por exemplo, a Carta do Tribunal Militar Internacional (Nuremberg) e a própria Carta das Nações Unidas que, por diversas vezes, reconhece os direitos das pessoas, como indivíduo. Vários outros tratados e convenções têm por objeto direitos e deveres do indivíduo, abstraindo sua nacionalidade.
Amaral Júnior em seu livro ´´Introdução ao Direito Internacional Público´´, também inclui os mesmo sujeitos citados anteriormente, entretanto, não considera a Igreja .
Tradicionalmente, somente o Estado era titular de direitos e obrigações no âmbito externo. Com o decorrer do tempo, em função dos acontecimentos que marcaram o transcurso do século XX, as pessoas físicas em as organizações internacionais adquirem a condição de sujeitos de direito internacional. (JÚNIOR, 2008, p.53).
De acordo com o autor, o indivíduo tornou-se sujeito de Direito Internacional na última metade do século XX, a partir da universalização dos direitos humanos.
As organizações não governamentais (ONG’s) não seriam sujeitos, pois não são organizações internacionais, mas assumem papel cada vez mais proeminente na cena internacional.
Consoante a pesquisa, na ementa buscamos a idéia de Trindade, em seu livro ´´A Humanização do direito internacional´´. Ele considera que a prática internacional abarca não só os Estados, mas também, as organizações internacionais e de outros atores no plano internacional.
´´ (...) Hoje se reconhece que, efetivamente, os indivíduos, as ONGS e demais entidades da sociedade civil têm passado a atuar no processo tanto de formação como de aplicação das normas internacionais´´ (TRINDADE, 2006, p. 86).
Em conformidade com a autora Renata Amaral, é reconhecida personalidade jurídica aos Estados, organismos internacionais, para os quais, segundo a mesma, não existem normas internacionais que conceituem o termo e, por isso, sua definição tem se dado pela doutrina. Faz uma importante consideração em afirmar a diferença entre os organismos internacionais em relação ao Estado, seja em relação aos seus objetivos e ao aparato organizacional.
Reconhece também a Santa Sé, que é a cúpula da Igreja Católica, localizada na cidade de Roma. Sua personalidade foi reconhecida a partir dos Acordos de Latrão (1929).
Admite a ampliação da personalidade dos indivíduos (principalmente quando são abordados questões relativas aos direitos humanos) e até mesmo das empresas, apesar de parte da doutrina discordar.
A personalidade internacional dos indivíduos vem sendo ampliada de acordo com a modernização do DIP. Isso significa dizer que os indivíduos vêm, de certa forma, desvencilhando-se da proteção exclusiva do Estado soberano. Isso porque, toda vez que há aplicação direta do DIP a um indivíduo, há uma diminuição do exercício da jurisdição do Estado.
Essa lógica se aplica igualmente às empresas. (AMARAL, 2010 .p.44).
Tal autora não reconhece, entretanto as organizações não governamentais (ONG´s). Essas seriam organizações internacionais privadas, que não são criadas pelo Estado, mas sim, pelos indivíduos. Há uma exceção, que é o ‘’Comitê Internacional da Cruz Vermelha’’, fundado em 1863, ao qual se reconheceu a personalidade internacional por meio da Convenção de Genebra do ano seguinte. ´´(AMARAL,Renata , 2010 .p.46).
Em conformidade com Carlos Roberto Husek (2010), são consideradas pessoas internacionais: os Estados, as Organizações Internacionais (ONU), Santa Sé, o indivíduo, além das empresas transnacionais e internacionais. Ele também afirma que os sujeitos variam com o tempo, em virtude da ânsia da comunidade internacional.
Outras coletividades que vieram a ter importância na sociedade internacional são a Cidade do Vaticano e as Sociedades Comerciais.
Marcelo Pupe Braga classifica os sujeitos de Direito Internacional em quatro grupos: “(i) os Estados; (ii) as coletividades interestatais; (iii) as coletividades não estatais; (iv) os indivíduos.’’ (BRAGA,2010. p. 91).
Paulo Henrique Gonçalves Portela apresenta duas concepções acerca dos sujeitos de Direito Internacional. A primeira concepção seria a clássica, que considera apenas os Estados e as Organizações Internacionais, a segunda reconhece que há mais entes portadores de direitos e obrigações no plano internacional.
“Entretanto, cabe destacar que nenhuma das novas pessoas internacionais detém todas as prerrogativas dos Estados e organismos internacionais, como a capacidade de celebrar tratados”. (PORTELA, 2010.p.142).
Portanto, admite, como sujeitos tradicionais: Estados, Organizações Internacionais, Santa Sé e Vaticano. Sujeitos novos fragmentários: indivíduos, Organizações não- governamentais, empresas. Outros entes que podem atuar na sociedade internacional: beligerantes, insurgentes e nações em luta pela soberania.
Entende-se por beligerantes “(...) movimentos contrários ao governo de um Estado que visam a conquistar o poder ou a criar um novo ente estatal, e cujo estado de beligerância é reconhecido por outros membros da sociedade internacional”. (PORTELA, Paulo, 2010.p.146).
É importante ressaltar que os insurgentes “também são grupos que se revoltam contra governos, mas cujas ações não assumem a proporção da beligerância (...)” (PORTELA, Paulo, 2010 .p.147).
Diferente dos autores anteriormente citados, Francisco Rezek reconhece como pessoas jurídicas de Direito Internacional Público somente os Estados soberanos e as Organizações Internacionais. “Não tem personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos, tampouco as empresas privadas e públicas.” (REZEK, 2015. p.188).
Vejamos uma tabela, a fim de realizar o comparativo entre quais são os sujeitos de acordo com cada autor.
SUJEITOS |
AUTORES |
|||||||
ACCIOLY,2009 |
AMARAL,2008 |
TRINDADE,2006 |
AMARAL JR.,2010 |
REZEK,2010 |
BRAGA,2010 |
PORTELA,2010 |
HUSEK, 2000 |
|
ESTADO |
X |
X |
X |
X |
X |
X |
X |
X |
OI´S[1] |
X |
X |
X |
X |
X |
X |
X |
|
ONG´S[2] |
X |
X |
X |
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INDIVÍDUO |
X |
X |
X |
X |
X |
X |
X |
|
SANTA SÉ |
X |
X |
X |
X |
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BELIGERANTE INSURGENTE |
X |
X |
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SOCIEDADES COMERCIAIS |
X |
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EMPRESAS PRIVADAS |
X |
X |
X |
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CICV[3] |
X |
[1] Organizações Internacionais.
[2] Organizações não-governamentais.
[3] Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
Considerações Finais
Diante do exposto, conclui-se que a grande parte dos doutrinadores romperam com a perspectiva clássica de sujeitos de Direito Internacional Público (DIP), pois reconhecem que as mudanças no âmbito internacional influenciam diretamente na classificação das pessoas internacionais.
A partir do século XX, foram considerados outros entes além dos estatais, devido a acontecimentos como a Segunda Guerra Mundial, difusão de Organizações Internacionais, Contratos e Convenções celebrados que admitem, por exemplo, a personalidade dos indivíduos e das Organizações Internacionais, entre outros. Esta perspectiva é legitimada pela maioria dos doutrinadores abordados, ou seja, visão moderna do DIP, a contraposição representa uma pequena parte equivalente à ideia do DIP clássico.
Portanto, percebe-se a modernização do DIP no que diz respeito à autonomia de organismos que antes necessitavam do intermédio do Estado para apresentar suas prerrogativas diante do cenário internacional, no qual, hodiernamente há uma diminuição da jurisdição estatal.
REFERÊNCIAS
ACCIOLY,Hildebrando.A organização da Comunidade Internacional – Pessoas Internacionais.Tratado de Direito Internacional Público.Vol.1 .São Paulo: Quartier Latin,2009.p. 140-150.
AMARAL, Júnior.Sujeitos de direito internacional público.Introdução ao direito internacional público . São Paulo: Atlas, 2008 .p.153-165.
TRINDADE, Antônio.Parte I.A humanização do direito internacional.Belo Horizonte:Del Rey,2006.p. 17-86.
AMARAL, Renata.Pessoas Internacionais.Direito Internacional Público e Privado .Porto Alegre :Verbo Jurídico,2010.p.27-46.
BRAGA, Marcelo. Sujeitos Internacionais. Direito Internacional Público e Privado. 2° ed. São Paulo: MÉTODO, 2010.
HUSEK, Carlos. Sujeitos Internacionais. Curso de Direito Internacional Público. 3° ed. São Paulo: LTr, 2000.
ACCIOLY, Hidelbrando. SILVA, G.E do Nascimento. CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 20° ed. São Paulo: SARAIVA, 2012.
REZEK, Francisco. Personalidade Internacional. Direito Internacional Público Curso Elementar. 12° ed. São Paulo: SARAIVA, 2010.
PORTELA, Paulo Henrique. Sujeitos de Direito Internacional Público: Introdução. Direito Internacional Público e Privado. 2° ed. Salvador: JUSPODVM, 2010.
Notas
[1] Organizações Internacionais.
[2] Organizações não-governamentais.
[3] Comitê Internacional da Cruz Vermelha.