Microempresas, crise econômico-financeira e o sistema de recuperação judicial especial: a razoabilidade dos requisitos exigidos pela legislação

Resumo:


  • A nova Lei de Recuperação Judicial nº 11.101/2005 foi um marco no Direito Empresarial Brasileiro, introduzindo diversas modificações para adequar o direito e seus institutos ao panorama comercial nacional.

  • A Lei Complementar nº 123/06 estabelece os pré-requisitos para enquadramento como microempresa, microempreendedor individual e empresas de pequeno porte, com benefícios fiscais e tributários.

  • A recuperação judicial especial para microempresas, prevista nos artigos 70 a 72 da Lei 11.101/2005, apresenta requisitos temporais e documentais específicos, mas gera críticas devido às limitações e custos envolvidos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os pré-requisitos exigidos na Lei nº 11.101/05, para que estas empresas tenham acesso a recuperação judicial especial, e sua efetiva aplicação para a manutenção da empresa.

A nova Lei de Recuperação judicial n 11.101/2005 foi um marco no Direito Empresarial Brasileiro. Com as diversas modificações introduzidas pela lei foi possível adequar e introduzir o direito e seus institutos ao novo panorama comercial nacional. Dentre as diversas transformações introduzidas, destaca-se o tratamento diferenciado da possibilidade de recuperação judicial às microempresas, classe empresarial que cada vez aumentam mais no Brasil e que viabilizam o crescimento dos negócios mesmo em tempos de crise, sendo fundamentais para o reestabelecimento econômico do país.

A recuperação judicial é claro instituto do Direito Brasileiro que visa proteger o princípio da função social da empresa bem como estimula a manutenção da atividade empresarial visando diminuir ao mínimo possível qualquer prejuízo à economia social. Ao proteger e beneficiar novos negócios, o Estado incentiva ”o surgimento de empresas e o empreendedorismo, em estimular a criação de postos de trabalho, a produção e circulação de riquezas, o recolhimento de tributos, enfim, o desenvolvimento econômico do Estado e dos particulares. ”[1]

Assim, tendo em vista a relevância destas empresas, que aumentam em tempos de crise econômica, a Lei de 2005 optou por reservar um tratamento diferenciado de recuperação às microempresas. Neste trabalho analisaremos os pré-requisitos exigidos na Lei nº 11.101/05, para que estas empresas tenham acesso a recuperação judicial especial, e sua efetiva aplicação para a manutenção da empresa.  

A despeito de o ordenamento jurídico brasileiro procurar simplificar o procedimento da recuperação judicial para essas empresas, tendo em visa a real situação com quem estas se estabelecem e a realidade econômica brasileira, a lei ainda proporciona benefícios limitados e que não são capazes de garantir a manutenção empresarial.

  1. O incentivo no cenário empresarial brasileiro às microempresas.

A Lei Complementar nº 123/06 institui e conceitua as microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP), “sendo que o primeiro desses regimes jurídicos comporta uma subespécie, o microempreendedor individual (MEI), figura que recebe um tratamento legal ainda mais favorecido. ”[2]

A Lei Complementar nº 123/06 estabelece os pré-requisitos necessários para o enquadramento no regime jurídico especial, que são:

Microempresa (ME): se enquadram como “ME o empresário individual, a sociedade empresária ou a sociedade simples, devidamente registrados, com receita bruta anual de até R$ 240.000,00 (art. 3º, inciso I da LC nº 123/06). ”[3]

Microempresário individual (MEI): se enquadram como “MEI o empresário individual, com até um funcionário, que receba exclusivamente um salário mínimo ou o piso salarial da categoria profissional e tenha receita bruta anual de até R$ 36.000,00 por ano; trata-se, portanto, de espécie de microempresa (art. 68 da LC nº 123/06). ”[4]

            Vale ressaltar, que a receita bruta da empresa não é a única condição exigida pela Lei, as empresas devem estar registradas regularmente “perante o Registro de Empresas Mercantis (a cargo da Junta Comercial) ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas (art. 3º, caput), conforme o caso. ”[5] Além disso, não pode incidir em nenhuma das hipóteses de proibição previstas no parágrafo 4º do art. 3º da LC nº 123/06.

Assim, ante a realidade nacional, as microempresas exercem papel fundamental na manutenção no cenário empresarial para auxiliar o pais a superar e passar pelas crises econômico financeiras. Fato é que a cada ano o governo vem introduzindo novas medidas de incentivo às empresas de menor porte, possibilitando que sejam introduzidas mais empresas no mercado, que acabam por gerar empregos e renda para a população e consequentemente reduzem os efeitos de uma crise econômica mundial que causa grande instabilidade financeira e social.

Segundo pesquisas realizadas pelo SEBRAE, o Brasil possui aproximadamente 6 milhões de micro e pequenas empresas, número que corresponde a 97% de todas as empresas do país, dados que demonstram a relevância destas em todos os âmbitos na realidade nacional.

Essas empresas, tem como objetivo o crescimento a longo prazo e lidam com uma quantidade pequena de trabalhadores e por essa razão, “detêm certas
facilidades de crédito e no campo tributário, elas conseguem resistir melhor às crises econômicas eventuais.[6]

Entretanto, assim com as demais empresas do país, a crise econômica que assola o Brasil tem afetado severamente as micro e pequenas empresas, levando muitas a fecharem suas portas ou ter sua falência decretada mesmo existindo pela previsão em lei, a figura da recuperação judicial especial à estas.

  1. A recuperação judicial das microempresas e empresas de pequeno porte.

Os artigos 70 a 72 da Lei 11.101/2005, conforme já mencionado, conferem as microempresas regime de recuperação judicial especial, sem contudo, exigir que o empresário opte por este regime, podendo escolher o regime de recuperação judicial da sua preferência, tradicional, especial (art. 70, §1º, e o art. 72, caput, da LFRE) ou até mesmo o extrajudicial.

O primeiro requisito para que a empresa tenha acesso à recuperação judicial é de cunho temporal: a empresa deve ter pelo menos dois anos de funcionamento. Caso preenchido esse requisito “o empresário deverá apresentar um pedido, por intermédio de um advogado, junto ao Poder Judiciário, no qual irá expor sua situação patrimonial e as causas que levaram sua empresa para crise econômico-financeira. ”[7]

O pedido deve conter de forma obrigatória, ainda, “o balanço patrimonial, a demonstração dos resultados acumulados e do último exercício social, além do relatório com o fluxo de caixa. ”[8] Ademais, exige-se, também, “a relação nominal de todos os credores, com o valor da dívida e sua origem, a relação dos empregados com a anotação de seu salário, função e a indicação de todas as indenizações pendentes. Deverão ser juntadas também certidões de regularidade do Registro Público de Empresas que demonstrem a atual condição cadastral de empresa, especialmente sobre a pessoa de seus atuais sócios e administradores, certidão do cartório de protesto e por fim uma relação de todas as ações em que a empresa for parte, inclusive execuções fiscais e trabalhistas, com a estimativa dos valores demandados. ”[9]

Por fim, o plano de recuperação deve constar somente os credores quirografários, ou seja, aqueles que não gozam de nenhum tipo de garantia. “Desta forma, ficam excluídas as dívidas tributárias e trabalhistas que deverão ser tratadas por meio de outras estratégias que não a recuperação judicial especial. ”[10]

Preenchidos os requisitos, o  empresário terá a possibilidade de parcelar suas dívidas em até 36 meses com o pagamento da primeira parcela para 180 dias após a data da distribuição do pedido de recuperação, corrigidas monetariamente e acrescido de juros. Porém, o empresário terá restrições na alienação de bens e somente poderá aumentar suas despesas ou contratar novos empregados após prévia autorização do juiz.

  1. Análise dos requisitos impostos pela legislação no regime especial de recuperação judicial.

Sabida a importância da manutenção da empresa em virtude do principio de sua função social, a recuperação judicial é, sem dúvida instituto do direito que possui enorme importância em todos os âmbitos nacionais. Assim, um dos métodos para que este seja procedimento mais comum do que a decretação da falência, por exemplo, é a simplificação do precedumento de recuperação das microempresas por meio de regras mais benéficas e facilitadoras. Ocorre que, quando analisadas inseridas na realidade fática do cenário empresarial brasileiro, seu procedimento e suas regras continuam demasiadamente complexos e inacessíveis para grande parte dos microempresários que outrora se pretendeu atingir. Por essa razão o procedimento da recuperação judicial especial, suas exigências e os benefícios que dispões recebem inúmeras críticas.

A principal crítica da doutrina diz respeito ao fato do procedimento especial não autorizar que o crédito disponibilizado seja utilizado para pagar as obrigações tributárias e trabalhistas. Além da impossibilidade de parcelamento do débito em prazo superior a 36 meses, período considerado muito curto para a recuperação de uma empresa.

Ainda, a restrição da contratação de empregados apenas com autorização judicial é peculiaridade do procedimento que é por vezes criticado. Tais restrições claramente acabam restringindo as possibilidades de manutenção da atividade empresária e acabam inviabilizando a simplificação do método especial de recuperação. Ademais, o dispositivo da Lei não esclarece se a vedação é referente a contratação de qualquer novo empregado, “inclusive os contratados para preencher vaga deixada por empregado previamente demitido ou temporariamente afastado. ”[11]

Outro ponto de muita crítica é o fato de o deferimento do processamento da recuperação judicial especial não ensejar suspensão do curso da prescrição das dívidas para os créditos não alcançados pelos efeitos jurídicos da concessão do regime ou ações de execuções.  Esse fato se torna um empecilho ”na medida em que o trâmite normal das ações pode ensejar o bloqueio de valores que poderiam ser utilizados para o pagamento dos credores abarcados no planejamento do devedor ou mesmo acarretar o pedido de falência por parte de algum credor. ”[12]

Por fim, importante destacar que o procedimento da recuperação judicial especial gera grandes despesas, o que dificulta de forma sensível o acesso a mesma, podemos mencionar como exemplos, os “custos com certidões, com contador para elaboração dos documentos necessários à instrução do pedido, custas judiciais, editais, despesas com administrador judicial, perito contador, honorários advocatícios. ”[13]

Nesse diapasão, as microempresas, que deveriam ver suas possibilidades de manutenção das atividades de forma mais simples, como pretendeu o legislador, acabam no entanto, se deparando com um quadro de fato que na verdade apenas parece mais favorável do que realmente é. Assim, tais empresas, que possuem um porte significativamente pequeno porém estão tão presentes em nossa realidade comercial acabam por vezes não sendo beneficiadas pelo instituto da recuperação judicial e acabam encerrando suas atividades.  

  1. Conclusão

Ao longo da exposição foram conceituadas as microempresas e sua importância para na formação do cenário comercial brasileiro. Analisamos ainda, as condições impostas pela Lei nº 11.101/05 para as empresas terem acesso a recuperação judicial especial, além dos benefícios que ela proporciona.

Concluiu-se que a recuperação judicial especial possui limitações que a tornam, em muitos casos um instituto demasiadamente utópico, na medida que promete benefícios, que quando aplicados à realidade burocrática e estratégica da empresa torna-se ineficiente ao objetivo que pretendeu o legislador.

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No entanto, mesmo com todas as críticas e ressalvas, a recuperação judicial ainda é considerada a melhor alternativa pois tende a viabilizar e proteger a função social da empresa melhor do que a falência para as micro e pequenas empresas.

O ordenamento jurídico brasileiro ao impor excessivas regras para a recuperação judicial especial acaba por não incentivar que os empresários estabeleçam relações comerciais saudáveis pautadas na confiança. Isso porque, o incentivo para abrir tais empresas é muito grande, porém a manutenção do empresário no mercado não encontra tantas facilidades, assim, muitas vezes, ao ver o negócio em mau momento o microempresário acaba encerrando suas atividades de maneira ilegal.  

Por fim, vale ressaltar a necessidade de uma maior divulgação dos benefícios oferecidos pela recuperação judicial especial, visto que grande parte dos empresários desconhece tais informações. Mais uma vez expõe-se que o incentivo ao microempresário deve ocorrer em todas as etapas do negócio e não apenas visando a abertura do mercado sem, no entanto, promover ao mínimo  informação básica para que o mercado consiga manter-se o mais estável possível fortalecendo assim a função social da empresa, principio que rege de forma clara a Lei 11.101/2005. 

  1. Bibliografia

ZIPLINE. Entenda a importância das Micro e Pequenas Empresas para o Brasil. Empreendedorismo, publicado em julho de 2014. Disponível em: <http://blog.egestor.com.br/post/919/entenda-a-importancia-das-micro-e-pequenas-empresas-para-o-brasil/>. Acesso em: 01.out.2016.

SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

ROMANHOL. A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.romanhol.com.br/a-recuperacao-judicial-das-micros-e-pequenas-empresas/>. Acesso em: 02.out.2016.

RECHIA, Giulio Cervo. A recuperação judicial como proteção da micro e pequena empresa. Porto Alegre, 2011.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo, 2014.


[1] SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

[2] SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

[3] SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

[4] SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

[5] SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

[6] ZIPLINE. Entenda a importância das Micro e Pequenas Empresas para o Brasil. Empreendedorismo, publicado em julho de 2014. Disponível em: <http://blog.egestor.com.br/post/919/entenda-a-importancia-das-micro-e-pequenas-empresas-para-o-brasil/>. Acesso em: 01.out.2016.

[7] ROMANHOL. A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.romanhol.com.br/a-recuperacao-judicial-das-micros-e-pequenas-empresas/>. Acesso em: 02.out.2016.

[8] ROMANHOL. A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.romanhol.com.br/a-recuperacao-judicial-das-micros-e-pequenas-empresas/>. Acesso em: 02.out.2016.

[9] ROMANHOL. A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.romanhol.com.br/a-recuperacao-judicial-das-micros-e-pequenas-empresas/>. Acesso em: 02.out.2016.

[10] ROMANHOL. A Recuperação Judicial das Micro e Pequenas Empresas. Disponível em: <http://www.romanhol.com.br/a-recuperacao-judicial-das-micros-e-pequenas-empresas/>. Acesso em: 02.out.2016.

[11] SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

[12] SPINELLI, Luis Felipe, SCALZILLI, João Pedro e SILVA, Rodrigo Tellechea. O regime especial da lei 11.101/05 para as microempresas e empresas de pequeno porte. Publicado em novembro de 2011. Disponível em:  <http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1202>. Acesso em: 28. set.2016.

[13] RECHIA, Giulio Cervo. A recuperação judicial como proteção da micro e pequena empresa. Porto Alegre, 2011.

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