Resenha de "Teoria do Ordenamento Jurídico"

02/09/2017 às 22:45
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Norberto Bobbio busca explorar, em sua obra "Teoria do Ordenamento Jurídico", as características e peculiaridades inerentes a todo ordenamento jurídico, esclarecendo a ideia de ordenamento jurídico e explicando que, pelo fato de normas jurídicas não existirem sozinhas e isoladas, é necessário um teórico jurídico com sabedoria para manuseá-las e aplicá-las.

Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999.184p.

Dos problemas da Teoria da Norma       

Norberto Bobbio busca explorar, em sua aclamada obra jurídica que ora se resenha, as características e peculiaridades inerentes a todo ordenamento jurídico. Nesse sentido, ainda no começo de seu livro, o autor esclarece ao leitor a ideia de ordenamento jurídico, destacando que, pelo fato de normas jurídicas não existirem sozinhas e isoladas, é necessário que um teórico jurídico tenha um largo escopo de estudo e pesquisa, a fim de abordar um complexo de normas, ou seja, a fim de abordar o sistema normativo em si, conseguindo assim entender o ordenamento em sua plenitude, sem se prender a pequenas partes dele.

Bobbio critica, ainda no primeiro capítulo, os tratados jurídicos escritos por teóricos da norma, como os tratados de Thon e de Binding, quando escreve:

“Com isso não se quer dizer que faltasse àquelas obras a análise de alguns problemas característicos de uma teoria do ordenamento jurídico, mas tais problemas vinham misturados a outros e não eram considerados merecedores de uma análise separada e particular.”[1]

Esse trecho do livro de Bobbio mostra como ele reconhece a importância do estudo da norma isolada, mas deixa claro ao leitor sua crença nas limitações dela. Bobbio escreve que se mostrou necessária também uma abordagem de questões mais amplas, que não estão presentes em simples normas jurídicas. Pode-se citar, por exemplo, problemas como o do que tornaria uma norma jurídica eficaz, qual seria a natureza das sanções, quem deveria exercê-las e executá-las, entre outras problemáticas constantes no Direito e impossíveis de serem abordadas por completo por estudos focados em aspectos da norma. Esses problemas são, de acordo com Bobbio, produtos de um ordenamento jurídico, que vão muito além de uma simples norma.

Bobbio afirma, em seu livro, que a teoria do ordenamento jurídico constituiu uma integração da teoria da norma, afirmação essa que mostra como ele buscava encontrar um objeto de análise que desse a ele respostas que o estudo da norma em si não dava. Para esclarecer essa crítica, o autor usou em seu texto uma metáfora, afirmando que esses teóricos consideravam somente uma pequena árvore localizada em meio a uma grande e rica floresta, muito maior e mais expressiva que ela.

Bobbio chega a essa conclusão em seu famoso livro “Teoria da Norma Jurídica”, no qual ele busca uma definição do Direito do ponto de vista da norma jurídica isolada. Ao tentar fazer isso, Bobbio identifica quatro critérios da norma. O primeiro critério é o formal, que consiste no elemento estrutural da norma jurídica. Nesse sentido, Bobbio divide as normas jurídicas em: a) positivas ou negativas; b) gerais (abstratas) e individuais (concretas); e c) categóricas ou hipotéticas[2]. No entanto, ele não caracteriza os dois primeiros tipos de normas em seu livro, por achar que as quatro subclassificações de norma estão presentes em qualquer ordenamento jurídico.

Bobbio estabelece somente a diferença entre normas categóricas das hipotéticas, escrevendo que as categóricas seriam as concretas e específicas, que se aplicam a casos determinados. As hipotéticas, de outra forma, são abrangentes e pouco restritivas, buscando tratar do maior número possível de casos semelhantes, sem se ater a pormenores. Exemplos de normas hipotéticas seriam, então, as normas que compõem o código penal brasileiro, que tem a capacidade de serem encaixadas em crimes cujos resultados foram os mesmos, mas que são essencialmente diferentes.

Nesse contexto, Bobbio chega a afirmar, em seu livro, que, em um sistema normativo, existem apenas normas hipotéticas, dividindo-as, em seguida, em duas formas distintas. A primeira forma é a que consiste em um ato que tem como objetivo conquistar algo, ou seja, “... se alguém quer A, deves B...”, como escreve o autor em seu livro. A segunda forma é a da consequência jurídica decorrente de um fato jurídico, ou seja, “... se é A, deve ser B...”, sendo que A seria o fato jurídico e B a consequência jurídica, ou, em outras palavras, A seria o ilícito e o B a sanção[3].

 O segundo critério normativo que Norberto Bobbio apresenta em seu livro é o critério material, que consiste no que se pode extrair do conteúdo das normas jurídicas. Deste modo, esse critério atinge tudo que pode ser regulamentado pelas normas, ou seja, as “ações possíveis”[4] de um indivíduo, sendo que Bobbio entende ações possíveis por ações que não são nem necessárias nem impossíveis para seres humanos, uma vez que seria absurdo regular a vida humana com determinações que seres humanos não podem cumprir, ou seja, com determinações que são, como o próprio Bobbio coloca, inexequíveis[5].

Bobbio, mais adiante no texto, apresenta o terceiro critério da norma, que ele chama de “sujeito que põe a norma”[6]. Nessa parte do texto, o autor expõe o que deve fazer parte de um poder soberano para que ele possa existir. Sendo assim, ele descreve algumas característica do poder soberano, como o monopólio da força, sem o qual o estado não consegue tornar eficazes as normas jurídicas postas. Bobbio ressalta inclusive que, se houver dois ou mais grupos capazes de impor suas regras, não há monopólio da força, mas sim uma condição de guerra civil, na qual não há poder soberano, mas duas forças lutando entre si para serem-no.

Como último critério da norma jurídica, Bobbio cita o sujeito ao qual a norma é destinada, se referindo aos membros do estado, que recebem normas como diretivas a serem cumpridas. No entanto, Bobbio faz uma diferenciação entre a norma para um membro do estado e a norma para um juiz, no sentido em que, enquanto um membro do estado deve respeitar as normas por ser um de seus deveres subordinar-se a elas, o juiz deve respeitar as normas ao julgar um caso, garantindo que as normas sejam de fato aplicadas aos que estão a ela subordinados. Para expor essa ideia Bobbio escreve o seguinte:

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“Dir-se-á que o juiz é aquele ao qual uma norma do ordenamento atribui o poder e o dever de estabelecer quem tem razão e quem não tem.”[7]

Esses elementos de normas, todavia, fazem parte somente das chamadas normas de conduta, ou seja, normas que funcionam como diretivas ao comportamento dos cidadãos. Bobbio vê um problema nisso, pois considera limitada essa visão que ignora as chamadas normas de estrutura, ou normas de competência. Essas normas são as que, de acordo com Bobbio, “... prescrevem as condições e os procedimentos através dos quais se emanará normas de conduta válidas...”[8].

Bobbio vê, então, uma incompletude em sua teoria da norma, tendo em vista que as normas de estrutura não tem nenhuma das características por ele descritas, que seriam as características de toda e qualquer norma jurídica. Isso porque as normas são mais complexas e de tipos mais variados do que as especificadas por ele anteriormente, o que explicita a complexidade do sistema normativo, até porque, como ele mesmo escreve, “... um ordenamento jurídico não é nunca um ordenamento simples,”[9].

Bobbio afirma isso por achar que, “(...) a complexidade de um ordenamento jurídico deriva da multiplicidade das fontes das quais afluem regras de conduta (...)”[10] e por achar também que “(...) não se pode deixar de cria-las (normas jurídicas) para satisfazer todas as necessidades da sempre mais variada e intrincada vida social (...)”[11]. Nesse sentido, Bobbio divide a opinião de que é necessária uma produção constante de normas jurídicas com o objetivo de exaurir a necessidade social, o que leva Bobbio a reconhecer a existência do que ele chama de recepção de normas já feitas ou delegação do poder de produzir normas jurídicas a poderes ou órgãos inferiores a fim de dividir a responsabilidade de legislar com o poder formado originalmente para isso, já que “(...) é impossível que o Poder Legislativo formule todas as normas necessárias para regular a vida social.”[12]

Dessa forma, a recepção de normas seria a positivação em um ordenamento jurídico de normas que estão em vigor informalmente, por meio de um comportamento uniforme[13] dos cidadãos de uma sociedade, reconhecendo assim a força que um grupo de pessoas possui quando organizados e em sintonia.

De outra forma, a delegação do poder de produzir normas é uma permissão dada a um poder ou a um órgão inferior de também produzir normas reconhecidas e válidas. Um típico exemplo de poder delegado é o regulamento, que é também uma norma geral e abstrata, mas tem sua produção confiada ao Poder Executivo, e não ao Legislativo. Nesse sentido, como os regulamentos estão abaixo das normas aprovadas pelo Poder Legislativo, eles têm como característica serem mais específicos e, muitas vezes, uma de suas funções é integrar uma norma demasiada genérica já em vigor.                 


Notas

[1]Bobbio, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999. 20p.

[2] Op. Cit. P. 23

[3]Op. Cit. P. 23

[4] Op. Cit. P. 32

[5] Op. Cit. P. 32

[6] Op. Cit. P. 25

[7] Op. Cit. P. 27

[8] Op. Cit. P. 33

[9] Op. Cit. P. 33

[10] Op. Cit. P. 38

[11] Op. Cit. P. 37

[12] Op. Cit. P. 40

[13] Bobbio entende por comportamento uniforme um comportamento que se repete por várias pessoas da mesma maneira (Op. Cit. P. 39).

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