Um estudo da ABNT como padronizadora das referências dos trabalhos jurídico-científicos

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02/09/2017 às 22:48
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É importante que todos estejam sob a jurisdição da Associação Brasileira de Norma Técnicas (ABNT), para que, assim, os padrões por ela estabelecidos se tornem universais, otimizando a pesquisa jurídica e contribuindo para a evolução da ciência do Direito.

Um estudo da Associação Brasileira de Normas Técnicas como responsável pela padronização das referências em um trabalho jurídico-científico

Introdução

Por ser uma ciência social aplicada, fica evidenciada a natureza mutável do Direito, uma vez que ele é criado a partir de aprendizados e desenvolvimentos que ocorrem com o passar do tempo. Exemplo disso é o fato de que a Magna Carta, escrita no início do desenvolvimento do Direito em 1215, estabelecia que não podia haver condenação sem "legale iudicium parium suorum".[1]

Hoje, séculos depois dela, a Constituição Federal proíbe, no inciso LIV do art. 5o, a privação de bens ou de liberdade sem que haja um devido processo legal. Esse devido processo legal engloba, no caso do direito brasileiro, o direito à ampla defesa e ao contraditório, por exemplo.[2] Percebe-se, então, um claro desenvolvimento do Direito quando se compara a notória e antiga Magna Carta com a não menos notória e atual Constituição Brasileira.

Deve-se ressaltar que a Constituição de 1988 é só um exemplo, uma vez que, certamente, ela não foi a única que, inspirada pelo Direito histórico anterior, utilizou-se de partes dele.[3] Até porque essa é uma característica do Direito: ele vive, aprende e, se perdurar, se desenvolve. Uma ciência social aplicada é sempre desenvolvida com base nas necessidades da sociedade. Por essa razão, o Direito está em constante modificação para se adequar ao contexto histórico, social e político em que é aplicado.

Nesse sentido, o texto que segue parte do pressuposto de que a pesquisa jurídico-científica é importante para proporcionar esse desenvolvimento ao Direito. Isso porque a academia jurídica, através de críticas e estudos elaborados em pesquisas jurídico-científicas, instiga a mudança do Direito, ao oferecer correções a imperfeições por ela encontradas no sistema jurídico.

  Nesse contexto, para que essas pesquisas jurídicas tenham seu melhor resultado, elas devem possibilitar que as  ideias nelas contidas sejam compreendidas por todos da academia jurídica, favorecendo, com isso, o diálogo científico de pesquisadores com o trabalho que foi nela desenvolvido por seu autor.

Para isso, destaca-se dois traços imprescindíveis da pesquisa científico-jurídica: a clareza e a precisão, tanto na linguagem quanto na parte técnica do trabalho. Isso porque não se escreve um trabalho científico para si mesmo, mas para a comunidade científica. Por isso, cabe sempre se utilizar de uma linguagem que possa ser por ela compreendida.

 Essa lógica não se limita ao corpo do texto, como foi dito. Ela também vale para a parte técnica do trabalho, que inclui citações, bibliografia, formatação, etc. É essa parte tão importante da pesquisa científica o objeto do presente trabalho. A compreensão das fontes, das citações, e da formatação do texto são quase tão importantes quanto a compreensão do corpo do texto.

Elas possibilitam a continuação da pesquisa já realizada, uma vez que estabelecem um sistema de "further reading", que seria o sistema no qual, depois de ler uma pesquisa, o estudioso tem a capacidade de continuar a estudar o seu tema, passando para as fontes dela. Dessa forma ele poderá entender todo o processo de escrita do trabalho, e se aprofundar no objeto de pesquisa em questão.

Deve-se ressaltar que a parte técnica da pesquisa jurídica não pode ser entendida por pessoas diferentes se não há algum tipo de padronização nela. É possível que cada pesquisador coloque referências em seus trabalhos da forma que preferir, mas isso impediria que, ao lerem os trabalhos uns dos outros, os pesquisadores entendessem com facilidade e praticidade essas referências; até porque cada um utilizaria um método diferente do do outro.

Por isso é tão importante a existência de um padrão de citação. Sem ele o já mencionado diálogo científico, assim como a continuação do estudo de um tema abordado por uma pesquisa lida ficam comprometidas. Em outras palavras, se não há um entendimento claro das referências, o "further reading" fica comprometido, e com ele a produção contínua de pesquisas jurídicas, uma vez que cada pesquisador estará distante do outro no momento em que um não entende as referências do outro.

Uma solução para a falta de um padrão nas referências de um trabalho já surgiu no Brasil, e é a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Isso porque ela é capaz de padronizar todas as tecnicidades dos trabalhos científicos produzidos no Brasil, [4] otimizando o diálogo e o desenvolvimento das pesquisas jurídicas. Ela é capaz de uniformizar a maneira de se realizar a parte técnica de uma pesquisa jurídica em todo o país, impedindo uma utilização de critérios diferentes por pessoas diferentes. Com ela, há uma formalização da parte técnica do trabalho científico, sendo que essa formalização simplifica o entendimento das referências e evita os problemas descritos acima decorrentes da má comunicação entre pesquisadores.

Embora a ABNT já tenha ganhado uma dimensão de atuação em várias partes da pesquisa científica,[5] as regras para se fazer as referências de uma pesquisa receberão destaque no presente trabalho, tendo em vista que elas formam talvez a sua parte mais relevante quando se está falando da escrita de pesquisas jurídicas.

Por fim, em razão do que já foi exposto nessa introdução, e em razão da proposta do texto, a sua divisão será feita nas três seguintes partes: a primeira parte do texto destacará a importância de uma formalidade no desenvolvimento da pesquisa jurídica; a segunda tratará da necessidade de uma linguagem clara e precisa na parte técnica de um trabalho de pesquisa científico-jurídica; a terceira, e portanto última parte, se limitará a ressaltar a importância da Associação Brasileira de Normas Técnicas, já que, como foi dito e será repetido com mais calma, ela é a solução para os problemas técnicos da pesquisa científico-jurídica.    


Da importância da formalidade na pesquisa jurídica.

O juiz da Suprema Corte americana, Anthonin Scalia, escreveu em um de seus livros "é claro que o Direito é formalista".[6] Embora essa frase tenha sido dita em outro contexto, pode ser aplicada também à pesquisa jurídica, que não deixa de ser um importante ramo do Direito.

A pesquisa jurídica é formalista porque ela tem um objetivo claro: dar contribuições ao Direito; e a formalidade possibilita que ela atinja esses objetivos. Como foi dito, a pesquisa jurídica não é escrita para o próprio escritor, mas para a comunidade científica que a lerá. Por isso é absolutamente imprescindível  que o leitor seja capaz de compreender aquilo que ele está lendo.

Sendo assim, a parte formal da pesquisa jurídica é justamente aquela que tem uma forma, ou seja, uma maneira pré-definida de ser feita. Pode-se dizer, por isso, que o corpo do texto não é formal. Há várias formas de se escrevê-lo, várias palavras que podem ser usadas de diferentes formas, etc. Percebe-se, então, uma enorme variedade nas maneiras como os textos jurídicos são escritos. A título de exemplo, o já mencionado Juiz Scalia, ao escrever, faz questão de usar frases curtas e enunciados claros.[7] Assim escreve também o notório jurista Robert Alexy.[8] Por outro lado, Lawrence Tribe não tem essa preocupação e prefere utilizar frases longas.[9]

Nessa comparação, é nítida uma diferença de estilos de escrita. Essa diferença só é possível porque a forma como o texto ou a pesquisa jurídica são escritos não é fixa.

No entanto, esses autores, ao citarem um texto, o fazem da mesma maneira. Isso tem uma razão; não é feito por acaso. A formalidade em citações oferece uma série de benefícios ao estudo do Direito. Alguns deles são: dar ao leitor a capacidade de identificar rapidamente o texto ao qual o autor se refere e dar a ele a possibilidade de procurar, mais tarde, as fontes da pesquisa, a fim de se aprofundar em temas de interesse pessoal descobertos com a leitura de uma pesquisa jurídica.

Nada disso poderia ser feito se não houvesse uma forma fixa para a utilização de referências, já que, se fosse assim, cada um colocaria suas referências da forma que preferisse. Isso, logicamente, impediria todos os benefícios mencionados acima, uma vez que complicaria consideravelmente a vida do leitor disposto a ir atrás de uma citação.

Um método convencional de se citar um texto é colocando o nome do autor, ao lado do título, ao lado da edição, ao lado da editora, ao lado do ano em que ele foi publicado. Nesse método, estão contidos dados cruciais para que o leitor, se estiver disposto, chegue à fonte citada. Ainda assim, mais importante do que conter esses dados importantes é colocá-los em uma ordem fixa, para que o leitor identifique, ao ler a pesquisa, o que é o que.

Seria absurdo trocar o título pelo autor, por exemplo, sem notificar o leitor que, acostumado com o outro meio de citação, confundirá as informações. Isso porque, se o leitor não for atento, ele dificilmente entenderá que a ordem foi alterada. A consequência disso é a maior dificuldade em se encontrar o texto citado no texto lido.

Se o leitor não encontra essa citação, sua própria pesquisa fica prejudicada. Nesse ponto, deve-se destacar que a pesquisa científica é um trabalho constantemente atualizado e estudado. Por isso é importante que toda pesquisa, incluindo suas referências, seja integralmente entendida, para que o leitor possa vir a dar continuidade ao trabalho por ele lido.

O Direito, que não deixa de ser uma ciência, é, como foi dito no inicio do texto, uma ciência que se desenvolve com o passar do tempo. Por isso, ele é construído com ideias novas e críticas dessas ideias, para que elas se tornem cada vez mais apropriadas ao contexto em que o Direito está sendo aplicado. Nesse contexto, a pesquisa é o local ideal para concretizar esse caráter mutável do Direito. Ela também é realizada através de diálogos compostos por novas ideias e críticas a essas ideias. É dessa forma que elas se aperfeiçoam e passam a ser apropriadas para serem inseridas no mundo jurídico prático.

O problema é que esse diálogo científico é dificultado no momento em que as fontes de um pesquisador não podem ser entendidas por outro pesquisador que estudava seu trabalho. Sendo que é importante que elas sejam integralmente compreendidas para que as ideias nelas contidas possam ser, posteriormente, ser criticadas e melhoradas.

Um texto, por exemplo, pode ter uma ideia genial que antes não tinha sido suscitada no mundo acadêmico. Essa ideia não foi tirada do nada, provavelmente. Por isso é interessante que o autor mencione, em citações, os lugares onde ele obteve algumas das informações necessárias para o desenvolvimento de sua ideia. Feito isso, essas citações só serão compreendidas se o leitor souber o que ela quer dizer.

Para isso, ele precisa saber onde achar, por exemplo, o autor, se a citação for um livro, e o título desse livro. Só assim ele terá acesso às referências e poderá entender todo o processo de construção da ideia do livro em questão. Só assim ele aprenderá os pressupostos dos quais o autor partiu, por exemplo, com os quais ele entenderá melhor sua conclusão. Até porque as premissas, que não deixam de ser os pressupostos, são parte fundamental de qualquer proposição, por serem essenciais para o entendimento da conclusão, que seguirá delas.[10]

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Tudo isso, ou seja, o entendimento dos pressupostos contidos nas referências, a compreensão do que o autor tirou de outros livros, etc., não pode ocorrer com a mesma facilidade se as referências não estão formalizadas e se elas não podem ser entendidas pelo leitor; sendo que, se isso ocorrer, o leitor perde uma parte fundamental do texto: a sua bibliografia.

A bibliografia é fundamental pelo fato de ela ser uma forma de o leitor manter contato com a pesquisa que foi por ele lida. Além disso, a bibliografia é crucial em um trabalho de pesquisa jurídica para que as afirmações do escritor possam ser verificadas pelo leitor. Saber se a citação está bem feita e contextualizada são coisas impossíveis se o leitor não pode ter contato com a fonte de onde o escritor tirou uma citação, por exemlo.

É indispensável, por essa razão, um padrão fixo com o qual todos os pesquisadores farão suas referências. Dessa forma não haverá confusão de critérios, já que só haverá um. Do contrário, a escolha da forma a ser utilizada durante a pesquisa jurídica é arbitrária e feita pelo pesquisador; sendo que, se ele escolher um critério completamente novo e desconhecido, a comunidade jurídica terá problemas para estudar seu texto, como foi exposto anteriormente.

É importante deixar claro que não se quer aqui restringir completamente a escolha do pesquisador. Ele pode, sem graves consequências negativas, escolher a forma de fazer referências em seu trabalho. Essa escolha, porém, deve ser feita dentro das opções amplamente divulgadas e aceitas na academia. No Brasil, por exemplo, o autor de um trabalho científico-jurídico pode, ao fazer a referência de um livro, optar por no mínimo duas opções.

Há o sistema autor-data, assim como o sistema mais tradicional, ou seja, o que vem com o nome do autor, seguido pelo nome do livro, seguido pela edição, seguido pela editora, seguida pelo ano de publicação do livro, seguida pela página da qual a citação foi tirada. Com ambas as formas um leitor minimamente informado em pesquisa científica consegue chegar ao livro citado pelo escritor. Isso porque não é difícil conhecer um, dois, ou três métodos de citação. Contudo, quando alguns padrões viram muitos, surgem complicações. Os leitores se deparam com métodos desconhecidos e passam a ter dificuldades em de conhecê-los rapidamente.

Além disso, é importante reafirmar que cada pesquisador só pode optar por um dos dois métodos de citação usados no exemplo acima porque ambos são amplamente divulgados e conhecidos; além de estarem os dois cadastrados nas normas técnicas da ABNT.

Sendo assim, se um leitor se depara com uma dessas formas de citação e não a conhece, ele pode rapidamente aprender como ela é feita por meio de um rápido acesso ao site do Professor Leffa, por exemplo, no qual está a maioria das normas técnicas da ABNT.[11] Isso não ocorre se a maneira de se fazer a citação é pouco conhecida, e não pode nem mesmo ser achada entre as normas da ABNT.

Percebe-se, então, o papel central da ABNT para a formalização das referências em uma pesquisa jurídico-científica, já que ela serve como um parâmetro, com o qual pode-se saber se uma forma de referência é utilizável ou não. Ela estabelece um critério que pode ser disseminado em todo o Brasil, uniformizando, então, as pesquisas realizadas aqui.

De qualquer forma, a importância da ABNT é assunto da terceira parte do presente texto. Essa divisão do trabalho foi escolhida porque, antes de passar para essa parte, é necessário que sejam feitos os comentários sobre a necessidade da clareza e precisão da linguagem das referências em pesquisas ou trabalhos.  

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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