Carta contra o ódio

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O ódio é o sentimento da moda. Maleável, ele se infiltra em pessoas dos mais variados matizes ideológicos. Contamina mentes e corações com ardorosos pensamentos, que buscam acabar com algum problema em meio a soluções fáceis e prontas. Raramente tem algum sucesso. Qualquer pessoa é sujeita a ele. Com o advento das redes sociais, o ódio tem se propagado como nunca. Parece infectar pelo vento. Alastra-se como um arbovírus. Não é difícil vencê-lo, porém. Cada país é incendiado por diferentes debates. No Brasil, os principais combustíveis para o ódio são a política e a violência urbana. As soluções saídas desse caldo odioso geralmente são a criminalização da própria política e a pena de morte para os criminosos sanguinários. Existem variantes, como a implantação de regime político-militar, o justiçamento público (linchamentos) e milícias privadas contra o crime. Livrar-se do ódio não é difícil, basta uma boa dose de reflexão racional ou espiritual, ou ambas. Os algoritmos das redes sociais e os jornalistas poderiam ajudar, não o insuflando (explícita ou implicitamente). As soluções dadas pelo ódio são tentadoras, afinal duzentos milhões de cidadãos não podem ter suas vidas nas mãos de meio milhão de bandidos. A menos que os segundos estejam fortemente armados, e os primeiros não. Armar a todos resolveria o problema num passe de mágica. Na prática, essa lógica nem sempre sai como esperado. Armar a todos poderia dobrar o número de bandidos no país, empurrando boa parte dos cidadãos para o crime. É um cenário plausível. Abandonar o ódio significa ficar ao lado da lei. E a lei não é artigo de luxo para poucos. Qualquer país, seja qual for o nível de PIB per capita que ostente, pode ter leis justas e aplicá-las eficazmente. Para isso, é preciso ter leis simples e ágeis. Mas isso não impede a luta pelo endurecimento das leis. O momento atual no Brasil pede que sejam alteradas as leis, para frear os crimes contra a vida e contra a administração pública. A população não suporta mais as crescentes estatísticas de homicídios e de corrupção sistêmica. Para endurecer a legislação é preciso que existam representantes eleitos pela população para compor o parlamento, onde as leis serão aperfeiçoadas. Ocorre que a denominada “casa do povo”, não conta com representantes eleitos. Estes são minoria. A grande maioria compõe-se de aproveitadores, que isoladamente ou através de partidos políticos, se valeram de brechas na lei eleitoral para se alçarem ao parlamento. São como tubarões cercados de rêmoras buscando se beneficiarem a qualquer custo. Uma reforma política que legitime os representantes perante a população é imprescindível para que haja o endurecimento das leis penais. Somente assim, os anseios e pressões da sociedade contra benefícios e privilégios legais serão acatados. A alteração das leis é premente para vencer o ódio coletivo. Mas não é só. Aplicar a lei para saciar o próprio ódio não significa compactar com ela, muito menos defendê-la. Muitos integrantes dos órgãos do sistema de justiça têm assim procedido. Leis simples e ágeis não surtirão nenhum efeito contra o ódio desses aplicadores. Lei alguma conseguirá. Tal qual uma reforma politica deve depurar os legítimos representantes da população, uma reforma no sistema de justiça deve vir em complemento, para conferir lisura à aplicação da nova legislação.  

Sobre o autor
Leonardo Rodrigues Arruda Coelho

Oficial de Justiça/TRT7

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