Reforma Trabalhista e Oito Documentos Atuais

12/09/2017 às 17:20
Leia nesta página:

A participação em evento na Escola Ajuris, sobre o tema, mantém aceso certos alertas. Igualmente, foi gratificante participar junto com o colega Francisco Rossal de Araújo.[1]

Para tanto fiz a leitura e/ou releitura atenta de alguns documentos recentes. São sete, inicialmente:

1.PL 6787 de 2016 denominado Subemenda substitutiva global;

2.PL 6787 de 2016 em sua primeira versão, com apenas nove páginas ao invés das atuais vinte e duas, como se fosse possível um substitutivo ampliar os temas;

3.Projeto de Lei, de dezembro 2016, posteriormente, denominado mini reforma de dezembro 2016; [2]

4.Lei 13.429 de 31 de março de 2017, sobre terceirização; [3]

5.Projeto de Lei sobre terceirização, ainda tramitando no Senado Federal, sendo Relator Senador Paulo Paim, sob o número PLS 300 que na Câmara teve o número PL 4330, proposto pelo então Deputado Federal Sandro Mabel; [4]

6.Quadro comparativo com do PL com a CLT;[5]  do Projeto de Lei da Câmara nº 38 de 2017 (nº 6786-B, de 2016, na Casa de Origem), Reforma Trabalhista, elaborado pela Coordenação de Redação Legislativa da Secretaria Geral da Mesa do Senado Federal;

7.Nota Técnica do Dieese; [6]

Um oitavo documento, posterior, merece registro, pela sua relevância.[7] Em 24 de maio deste ano de 2017, foi entregue no Senado Federal um estudo assinado por dezessete Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, sobre a atual pretendida reforma trabalhista.[8]

Todos os documentos merecem melhor exame, inclusive nas áreas da economia e história do direito. Aqui, nestas linhas, o primeiro dele será objeto de considerações, ou seja, o Projeto de Lei 6787, de 2016 denominado Subemenda substitutiva global.

Acaso seja aprovado, estaremos em situação bem diversa da atual. Pode-se imaginar alguma comparação com a mudança do antigo regime de estabilidade decenal para o sistema do FGTS, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ao final dos anos sessenta, e a posterior e atual alta rotatividade da mão de obra.[9]

Nos debates sobre este PL 6787, impõem-se dois cuidados, que aparentemente não foram observados, ao menos na Comissão do Senado Federal[10] que examinou o tema:

a)confronto comparativo com o atual artigo sétimo da Constituição, na especificidade de cada tema, sob pena de que alguma alteração exija quorum mais qualificado para a tramitação legislativa;

b)lembrança de que o caput do mesmo artigo sétimo da Constituição aponta que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social” aqueles ali previstos, merecendo destaque a palavra “melhoria”.

O PL aqui comentado, de modo incipiente e não conclusivo, limita a atuação da Justiça do Trabalho ao exame da “conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o art 104” do Código Civil.[11] Trata-se de pretendida limitação, já presente na mini reforma, de dezembro de 2016, antes mencionada. Ora, desde logo, imagine-se se será possível, por exemplo, evitar o exame, em cada caso, das inúmeras disposições sobre o tema, no Código Civil, inclusive sobre os vícios de vontade. Se for o caso, de pouca valia terá a indicação apenas do artigo 104, que abre o tema, no Código Civil. Assinale-se, ainda, que, no tema, existem contribuições vindas desde o direito romano e que têm sido úteis, ainda hoje, em inúmeros Países do Ocidente.

O incentivo à negociação direta, coletiva, há de cuidar de algumas novas realidades. Durante o trâmite legislativo e nos primeiros momentos das recentes duas leis de motoristas, percebeu-se que existe o interesse dos empregadores, dos trabalhadores empregados, dos trabalhadores autônomos e, mais ainda, da sociedade toda em não ter motoristas rodando em extensas jornadas nas estradas, públicas.[12] No regime de 12x36, é conhecida a decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso de trabalhadores bombeiros, os quais, todavia, tem jornada com intensidade bem menor do que outros trabalhadores. [13] Neste momento, são desconhecidos os estudos mais cuidadosos sobre a qualidade dos serviços em hospitais, local de grande uso deste regime e assemelhados. Note-se de modo geral, que tem sido frequente a lembrança de que as extensas jornadas, em algumas categorias, pode ser uma das causas de altos números de acidentes e doenças do trabalho, em sobrecarga, até mesmo, para o orçamento da previdência social, pública.

É frequente o argumento de que a Consolidação das Leis do Trabalho estaria desatualizada, de pequena utilidade para os tempos atuais. Agora, sim, seria de pouco valia para o julgamento dos casos ocorridos nos dias atuais. Muito mais desatualizada, é redação proposta ao artigo segundo e parágrafos sobre “grupo econômico”. A primeira leitura aparenta velhice e/ou introdução de requisitos de escassa utilidade.

Estamos todos ou quase todos convencidos do avanço civilizatório representado pela natureza laica do Estado. A proposta de que possa haver tempo nas dependências das empresas para  “práticas religiosas” pode significar enorme atraso cultural. Imagine-se o risco de ser imposta a convicção religiosa do empregador, em desrespeito à diversidade de pensamento, inclusive o religioso.

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O sistema de “banco de horas” é estimulado em termos bem amplos, para além da alteração da Lei 9.601 de 1998. Ignoram-se os debates ainda inconclusos da jurisprudência. Oportunamente, menciona-se aqui, levantamento estatístico divulgado pela Apejust - Associação dos Peritos da Justiça do Trabalho, no Rio Grande do Sul, sobre a prevalência absoluta de “horas a mais” e quase nunca “horas a menos”, atestando a incorreção da denominação utilizada, a qual faria supor a existência das duas situações.  Diz este estudo que:

"Na prática, o que normalmente ocorre é que o empregador, mesmo diante dos momentos de ociosidade de seus empregados, espera que ocorra um momento de pico para exigir trabalho além da jornada, para somente após a constituição de um grande crédito para o empregado passar a promover as suas dispensas do trabalho. (...) Se o empregador prefere antes exigir o trabalho extraordinário para depois conceder dispensa está dando a entender que o problema não é a ociosidade(...)." [14]

No tema dos danos extrapatrimoniais apresenta um pretenso tabelamento. Esta previsão, aparentemente, simplificadora, não tem tido acolhida na doutrina. [15] Existe uma grande dificuldade de harmonização com os conhecimentos do direito civil sobre a reparação integral do dano.[16] Ademais, o tabelamento pode sugerir uma maior facilidade de ajuizamentos de ações em número muito mais elevado,  eis que já anunciado o ganho provável. Esta foi a consequência de experiência na Argentina, em temas de acidentes do trabalho, ao final do século passado e agora já abandonada.[17]

Haveria a possibilidade de trabalho da mulher gestante em atividade insalubre, desde que um médico atesta-se que a ausência de prejuízo, à saúde. Ora, deveria ser um médico que não tivesse o estudo de lógica, para afirmar que um trabalho insalubre não causasse prejuízo à saúde. Registra-se que esta proposta foi objeto de “destaque para votação” que redundou em proposição de veto. Situação antes desconhecida, ou seja, o Parlamento não vota, todavia, aprova a sugestão de veto, posterior.

Os Planos de Demissão Voluntária passariam a ensejar quitação plena dos direitos decorrentes das relações de emprego. Nem mesmo é apresentado um detalhamento sobre as diferentes situações de empresas privadas e públicas, ou algum requisito de validade para tais Planos.

Para todos os contratos, haveria a previsão de quitação anual das obrigações. Ora, recorde-se o total insucesso de proposta semelhante aos trabalhadores rurais, que foi abandonada. Nos referimos ao artigo 233 da Constituição, de 1988, revogado pela Emenda Constitucional 28, de 2000. Pouco provável imaginar sucesso desta proposição para trabalhadores urbanos.

Os sindicatos, certamente, estariam fragilizados em suas arrecadações, acaso a contribuição sindical ficasse condicionada à autorização prévia e expressa de cada trabalhador. Medite-se que tal autorização seria encaminhada ao empregador, o qual teria deste modo, automaticamente, o cadastro de quais de seus empregados são sindicalizados.

A remuneração fixa e conhecida é grande conquista do trabalho assalariado. Superou-se o sistema medieval e outros de ganhos em espécie e em parcelas variáveis. Agora, haveria grande estímulo ao ganho variável, que melhor pode existir como algo excepcional, sempre garantindo-se os ganhos fixos do trabalhador, para a segurança sua e da família.

A “ultratividade” das disposições de normas coletivas é afastada. Registre-se que a, agora denominada, mini reforma proposta ao final de 2016, era em sentido diverso. Ademais, o embate jurisprudencial, sobre a súmula 277 do TST está inconcluso, eis que o STF tem a manifestação, apenas liminar, de um seus atuais Ministros.

A correção monetária estaria prevista na lei. Ora, a situação financeira dos tempos conhecidos não permite esta previsão de tanta estabilidade. Não se pode prever que uma taxa de previsão de juros seja suficiente e satisfatória diante de eventuais necessidades de correção monetária propriamente dita.[18]

Entre as revogações mencionadas ao final estariam vários parágrafos do artigo 896 da CLT, inseridos pela Lei 13.015, de 2014. Ora, qual sistema recursal teríamos ou voltaríamos a ter, sabendo-se que esta lei especial foi elaborada, após, com maior rapidez, e tem aprimoramentos para além do Novo Código de Processo Civil ?

Neste quadro são de todo oportunas as inúmeras manifestações do Presidente da Amatra-RS, Juiz Rodrigo Trindade de Souza, bem como da Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho, entre outras entidades.[19]

Sobre o autor
Ricardo Carvalho Fraga

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul), integrante da 3ª Turma.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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