A Inconstitucionalidade das Penas nos Crimes de Repercussão Social

14/09/2017 às 11:42
Leia nesta página:

Breves introduções acerca da temática de ocorrência de inconstitucionalidade das penas nos crimes que são mais veiculados pela mídia, a influência da mídia no arbitramento de penas.

Crimes de comoção ou de repercussão social são aqueles que causam um impacto nas pessoas através da divulgação da mídia, na grande maioria esse sentimento causado é o de revolta. Essa comoção acaba interferindo no andamento processual criminal, principalmente no momento da sentença. Os réus para sua própria segurança precisam ser submetidos à prisão preventiva para não serem linchados nas ruas, a revolta que se formou contra eles chega a ser tanta que as pessoas utilizam arbitrariamente da justiça com as próprias mãos (autotutela). Quando se faz necessária, a prisão preventiva ocorre ofensa ao princípio da presunção de inocência, uma vez que a sociedade já condenou os réus como culpados, pois estes terão que ficar presos até findar o julgamento. Podendo dizer também, que fere outro direito constitucional, que é o direito de ir e vir.

A repercussão por muitas vezes é tanta que impede os magistrados de aspirarem ao fumus boni iuris, pois estes estão sendo pressionados pela mídia e pela sociedade, a acreditar que os réus são culpados ou inocentes, variando de acordo com o que foi divulgado. Cabe destacar que este excesso de atenção fere brutalmente o princípio da igualdade e o da proporcionalidade das penas, uma vez que supervalorizam alguns casos e ignoram outros tão importantes quanto.  A vida de um a criança branca de classe média alta não vale mais que a vida de uma criança negra que foi assassinada na favela em que morava, mas o clamor social em cima do ocorrido com a criança branca é tanto, que é muito provável que seus assassinos pegarão pena máxima, enquanto o da criança negra, às vezes nem será julgado, se for julgado o tempo de cadeia será simbólico e o caso permanecerá no esquecimento.

O ferimento ao princípio da proporcionalidade das penas é muito grave. A interferência causada pela mídia é tão negativa que, para demonstrar eficiência, os servidores da justiça serão arbitrários nas sentenças aplicadas a esses crimes de repercussão social, fazendo com que um simples rasgar de papéis que contém notas carnavalescas, seja mais grave que um acidente de trânsito com morte, cujo motorista estava acometido por embriaguez. Com isso fica a dúvida se realmente somos todos iguais perante a lei, ou se vamos mesmo responder proporcionalmente por aquilo que cometemos, variando de acordo apenas com a gravidade de cada caso, pois pelo que parece, a mídia e a repercussão social, se tornaram um novo tipo de agravante nas penas, trazendo com isso um novo abalo na estrutura judiciária e um descrédito nas pessoas quanto a mesma.

A importância deste estudo consiste em demonstrar o tanto que esta prática é prejudicial para a segurança jurídica e para o Direito em geral. Os ferimentos de princípios constitucionais são de extrema periculosidade, uma vez que, tal ato corrobora com um descrédito do judiciário e principalmente com o enfraquecimento do poder coercitivo Estatal.

Vivemos na denominada Sociedade da Informação, na qual esta não mais, se produz, se obtém e se distribui informação somente. Tal simplicidade ficou para trás. Atualmente formou-se um modelo de sociedade em que a informação passou a ser vista como fonte inesgotável de constituição de poder e de lucro, ocorrendo com isso então a quebra de alguns princípios constitucionais e fundamentais a nossa dignidade humana.

Sabe-se que a mídia desenvolveu um importante papel na sociedade, mas atualmente podemos observar também que com o passar do tempo e em decorrência de alguns problemas na Sociedade da Informação, ela assumiu outras funções que, ao inverso da primeira, vêm trazendo problemas significativos. O homem não pode alienar-se tão facilmente ao que lhe é falado, ele tem que saber filtrar e criticar a informação recebida pela mídia, de forma que consiga assimilar a mensagem e a partir dela formar seu próprio convencimento e não simplesmente reproduzi-la da mesma forma que lhe foi contada.

A mídia se não for bem utilizada pode causar um problema grave a nossa sociedade, uma vez que o espetáculo criado por ela corrobora com situações onde a vida, a honra e a intimidade de muitas pessoas sofrem lesões incomensuráveis. Ela possui como função social, a fiscalização dos negócios do Estado, e foi por muitas vezes censurada historicamente, principalmente em época ditatorial. Entretanto, vêm-se verificando um desvirtuamento dessa função social, com a monopolização do poder informacional orientando-se por impulsos estritamente capitalistas e influenciando em decisões das nossas três esferas de poder, expondo os fatos de forma teatral, com um toque de sensacionalismo, gerando medo, sentimento de impunidade, insegurança e revolta.

Auriney Uchôa de Brito afirma em seu trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI intitulado Poder da Mídia: Uma Análise do Direito Penal na Sociedade da Informação ilustra bem este fato:

Despertado o clamor público, passa-se a assediar o Estado com a exigência de providências rápidas, rigorosas e eficazes de controle social, com a finalidade de atenuar os riscos enumerados pelos meios de comunicação de massa. A partir daí, num primeiro momento, o Legislativo, ao invés de exercer sua atividade típica nos ditames de um plano de política criminal, analisando ex ante os principais fatores que contribuem para o aumento da criminalidade, é forçado a trabalhar em caráter de urgência para atender aos anseios sociais imediatos. (BRITO, Auriney Uchôa. Disponível em http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao_paulo/2517.pdf. Acesso em 28 de maio de 2012).

O que se entende é que ocorreu com a mídia e os meios de comunicação em geral uma radicalização, tal fenômeno alterou a vivência social podendo então afirmar que os fatos não selecionados e apresentados por eles, praticamente não existe. Os fatos “não existentes” que ocorrem de forma igual ou pior aos que estão no auge da discussão ficam impunes, bandidos ficam livres, famílias devastadas pela criminalidade ficam desamparadas e o princípio da isonomia é brutalmente ferido. Agora os casos que aparecem na mídia ficam superexpostos, cobram-se resultados, ocorre à comoção social, pressiona-se a justiça, acusam-se pessoas e em consequência lesam-se mais direitos.

Ocorre então que a balança da justiça pesa de um lado para a vítima que sofre com a impunidade de seu agressor, pois não teve um julgamento devido, e foi esquecido pela mídia, e de outro lado pesa para o réu que foi colocado como o inimigo do povo de forma sensacionalista antes mesmo de um julgamento digno.

Quando a Sociedade da Informação perde seu cunho puramente informativo e passa a agir visando apenas o capital, enfeitando alguns fatos e simplesmente ignorando outros, é de se lastimar perceber que com isso ela não redunda em benefícios sociais.

Não é discutida em nenhum momento a legitimidade do cidadão em exigir providências de seus representantes, o que parece que esta ideia está mais do que sedimentada, os cidadãos tem mais é que cobrar sim. O que se discute então é o que será cobrado, e tal cobrança deve ocorrer de forma premeditada, racional, mas a problemática que surge é que as pessoas estão deixando que a mídia pense por elas, a polêmica é lançada e sociedade faz daquelas as suas palavras.

Observando-se o comportamento social volúvel a ser criticado, percebe-se que um pouco pode ser herança histórico-familiar, onde não podia se discutir com os mais velhos, não se podiam questionar os “mais sábios”, a criatividade da criança era sufocada por tantas regras e ordens, regras estas que eram seguidas de forma inconsciente, sem saber ao menos o porquê, ou o para que, apenas obedecendo. Com isso as pessoas antigamente cresceram para seguir obedecer e não para questionar, e percebendo esta vulnerabilidade que a mídia ganhou espaço e força na sociedade. Já que as gerações estão mudando faz-se extremamente necessária a evolução de mentalidade, uma sociedade mais livre para pensar, criticar e questionar as coisas.

Muitas leis têm sido produzidas de "afogadilho", com efeitos meramente simbólicos... Num segundo momento, em razão da ineficácia e inefetividade dessas leis simbólicas, e contaminado pelo sentimento popular de vingança, o Poder Judiciário se transforma em derradeiro destinatário da pressão midiática e social, tendo que se valer de uma hermenêutica tendente à criminalização dos acusados, especialmente para suprir todas as falhas antecedentes e apresentar uma resposta satisfatória em detrimento, muita vez, do devido processo penal (BRITO, Auriney Uchôa. Disponível em http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao_paulo/2517.pdf. Acesso em 14 de junho de 2012).

Os denominados representantes do povo nos dias atuais, nada mais são do que servidores públicos investidos de poder jurisdicional em grande parte por concurso, não para promover justiça social, e sim com finalidade de orientar a correta aplicação da lei penal, observando e respeitando os limites previamente impostos pela Constituição Federal. Mas a pressão criada pela mídia é tão intensa que acaba por prejudicar esta finalidade, e ao invés de ocorrer à aplicação da lei penal de forma correta, produz um efeito contrário que lesa direitos constitucionais, corroborando para uma insegurança jurídica.

Vale ressaltar que as consequências da insegurança jurídica são devastadoras não só para a sociedade em si, mas principalmente para o próprio instituto do direito. O Estado perderá sua força coercitiva, e as pessoas perderão o medo da punição, e a perda desse medo gera mais violência. Tornando-se uma cadeia de eventos desastrosos.

Para diminuir a influência negativa gerada pela sociedade de informação faz-se necessário a maior fiscalização quanto à ética de trabalho, uma vez que a mídia é responsável por trazer a população uma informação pura, despretensiosa e principalmente não tendenciosa, se isso for quebrado gera abuso na informação e a “reação em cadeia” mencionada acima.

É muito conveniente para a mídia elaborar notícias sensacionalistas, pois estas que vendem jornais, revistas, ganham acessos na internet, e audiência na televisão, o grande problema é que no banco dos réus não terá mais um cidadão garantido constitucionalmente pelo princípio da presunção de inocência e o benefício do habeas corpus, e sim terá um inimigo da sociedade com prisão preventiva, pois se responder em liberdade corre risco de vida, ficando vulnerável a “justiça do povo” pagando pelo seu delito com socos e pontapés. 

A população enfurecida picha paredes dos acusados e da família destes com ofensas, quebram janelas das casas, agridem física e verbalmente os familiares e o próprio acusado, agem irracionalmente dominados pela mídia que tornou o réu um monstro desmerecedor de direitos.

O direito de afogadilho, utilizado sob pressão, para punir imediatamente os criminosos, corrobora com a ilegitimidade do direito penal, definido como meramente simbólico, por prestar-se a norma penal à manipulação do medo e da insegurança da sociedade:

Um direito penal com essas características carece de legitimidade: manipula o medo do delito e a insegurança, reage com um rigor desnecessário e desproporcionado e se preocupa exclusivamente com certos delitos e determinados infratores. Introduz um sem-fim de disposições excepcionais , sabendo-se do seu inútil  ou impossível cumprimento  e, a médio prazo, traz descrédito  ao próprio ordenamento, minando o poder intimidativo de suas proibições. (GOMES, Luiz Flávio, p. 104).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

É importante observar que por mais grave que seja o crime cometido pelo delinquente, determinadas punições, ou a sua forma de execução, são incompatíveis com o regime do Estado Democrático de Direito, posto que em desrespeito ao princípio da humanidade das penas.

Não por outra razão Ripollés, afirma textualmente:

[...] sua formulação negativa está vinculada ao seu conteúdo incondicional, de forma que há certas reações penais consideradas eticamente inaceitáveis, independentemente das condutas que a tenham originado, dos danos sociais que elas tenham produzido ou dos efeitos sociopessoais que se queira obter com tais penas. (RIPOLLÉS, José Luiz Díez, 2005, p. 168/169)

A mídia ganhou tanta força nesses últimos anos que já está sendo considerada como um “quarto poder”. Essa ideia surgiu no início do século XX na Inglaterra, quando se criou na sede do parlamento inglês uma galeria para receber os repórteres que iriam acompanhar as decisões dos representantes dos três poderes da época que eram o poder espiritual, o temporal e o poder dos comuns, dessa feita a presença dessas pessoas que dariam publicidade àquelas decisões passou a ser conhecida como “quarto poder”.

Desta consideração surge a necessidade de uma maior reestruturação/fiscalização dos trabalhos da mídia, pois esta já está sendo denominada como um quarto poder, significando então que possui uma grande influência para a sociedade, onde o seu “mau uso” pode influir em riscos para a mesma.

Dentre os princípios constitucionais feridos pode-se citar: O principio da isonomia, o princípio da proporcionalidade das penas; o princípio do devido processo legal; princípio do contraditório e da ampla defesa; o direito de ir e vir; o princípio da presunção de inocência ferindo também os remédios constitucionais como, por exemplo, o habeas corpus.

Ante todo o exposto, o presente trabalho contribui com a ciência do Direito, pois, nos faz refletir e lutar por um julgamento mais justo, um tratamento igualitário e punições proporcionais aos atos praticados. Faz-nos perceber que a vida perdida é o que tem valor, e não a classe social de quem faleceu. Analisaremos principalmente que as pessoas são iguais perante a justiça e que temos que respeitar e brigar por esses direitos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de comunicação de massa e o Direito Penal: a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal. Vitória da Conquista-BA: 2007. Monografia Científica em Direito na FAINOR-Faculdade Independente do Nordeste.

BENTO, Ricardo Alves. Presunção de inocência no Direito Processual Penal brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

BRITO, Auriney Uchôa. Poder da Mídia: Uma Análise do Direito Penal na Sociedade da Informação. Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI. São Paulo, 2009. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao_paulo/2517.pdf>. Acesso em 28 maio 2013.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. V. 1; 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

CARNELUTTI, Francesco. As Misérias do Processo Penal. Campinas: Servanda, 2010.

FOSSEN. Maurício. Juiz de Direito. Sentença criminal, 2010. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/caso-isabella-confira-na-integra-sentenca-que-condenou-casal-nardoni-3033479>. Acesso em: 21/05/2013.

GOMES, Luiz Flávio, O direito penal na era da globalização. São Paulo: RT, 2002.

GOMES, Mariângela Gama de Magalhães. O princípio da proporcionalidade no Direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral. V. I; 11. ed. Niterói: Impetus, 2009

KELLNER, Douglas. A cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Bauru: EDUSC, 2001.

LOPES JUNIOR, Aury Celso Lima. O fundamento da existência do processo penal: instrumentalidade garantistaJus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1060>. Acesso em: 14 jun. 2013.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

NETO. Sylvio Ribeiro de Souza. Juiz de Direito. Sentença Criminal, 2010. Disponível em: <http://www.joserobertomarques.com.br/popup.htm#>. Acesso em: 21 maio 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 3. Ed. São Paulo: RT, 2007.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 13ª edição. São Paulo: Lumen Juris, 2010.

RIPOLLÉS, José Luiz Díez, trad., PRADO, Luiz Régis. A racionalidade das leis penais. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005.

SANTIN, Marcelo. Princípios Constitucionais de Direito Penal, 12 de março de 2011. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/principios-constitucionais-de-direito-penal/61162/#ixzz2TDt2CW1n. Acesso em: 15 maio 2013.

SILVA, Cícero Henrique Luís Arantes da. A mídia e sua influência no Sistema Penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2814>. Acesso em: 20 maio 2013.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

SOUZA, Sérgio Ricardo de. Controle Judicial dos Limites Constitucionais à Liberdade de Imprensa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

VIEIRA, Ana Lúcia Menezes. Processo Penal e Mídia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos