Ajustes de expectativas nas tendências tecnológicas para o mercado jurídico

18/09/2017 às 18:35
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Em agosto, aconteceu em Las Vegas a 40ª edição da ILTACON, que tive o orgulho de ter sido o primeiro brasileiro a participar como “speaker” (após 20 anos de participação como ouvinte) e onde foram discutidas as novas plataformas de colaboração para o mercado jurídico.

O tema “Inteligência Artificial” ainda é a bola da vez, porém nesta edição da ILTACON, esse assunto foi discutido com muito mais serenidade, passado o frisson que ocorreu na edição anterior. Não que o tema tenha perdido importância, mas sim pelo fato das empresas terem percebido que a adoção desse conceito não é a panaceia para todos os problemas e muito menos uma solução única que resolva todos eles ao mesmo tempo.  Apesar da IBM ter apresentado, numa das sessões de abertura, as capacidades imensas do Watson, a verdade é que ainda estamos razoavelmente distantes das capacidades do HAL (para aqueles que se lembram do filme de Kubrick) ou do menino David (do filme AI).

Como eu já havia escrito em artigos anteriores, a chamada Inteligência Artificial ou mais especificamente Inteligência Cognitiva nada mais é que o conjunto de desenvolvimentos tecnológicos que surgiram nos últimos tempos e que juntos ou separadamente têm ajudado o ser humano em algumas tarefas específicas que até há pouco tempo só era possível pelo cérebro humano.

Podemos enumerar as seguintes novas tecnologias (algumas não tão novas, mas que estão sendo continuamente aperfeiçoadas): reconhecimento facial; reconhecimento de voz; reconhecimento da linguagem natural (Alexia, Siri e Google Voice Search), ainda embrionárias; transformação de linguagem verbal em texto e vice-versa; algoritmos estatísticos de simulação e predição (Regressões, Árvore de Decisão, VMS, NaiveBayes, KNN, Floresta Aleatória etc.) e mais especificamente para o mercado jurídico (que é o que nos interessa) os algoritmos de interpretação semântica de textos, que possibilitam a análise contextual e a extração do tema a que um determinado texto se refere.

Da quantidade monstruosa de informação digital existente atualmente, cerca de 88% delas ainda estão inacessíveis à interpretação e ao tratamento digital (segundo levantamento da IBM) por se tratarem de informações chamadas desestruturadas, ou seja, textos, vídeos e sons.

As profissões chamadas de humanas, ou não exatas, tais como Direito e Medicina, lidam com essas informações e tecnologia e o tratamento delas não consegue se desenvolver com a mesma velocidade que se se desenvolveu no tratamento das informações numéricas.

Os primeiros programas para tratamento dos chamados bancos de dados apareceram nos meados dos anos 60 e se desenvolveram enormemente desde então, se tornando inclusive mais amigáveis (antes apenas os DBA´s eram capazes de extrair informações dos bancos de dados, atualmente com auxílio de sistemas como “Tableau” ou “Qlik”, onde praticamente qualquer usuário consegue sem muito treinamento). Por outro lado, as ferramentas de busca por palavra só apareceram na década de 90 (Google bombou em 1998) e os primeiros “motores de busca” para o mercado jurídico apareceram há cerca de uma década e mesmo assim, sem nenhuma inteligência para perceber quando um usuário busca a palavra “carta”; ele pode também estar buscando “correspondência”, “memorando” ou “memo” etc. Para que esta pouca inteligência funcione é preciso que um programador e um advogado trabalhem em conjunto e criem bibliotecas de sinônimos específicos e cadastrem no sistema tornando-os, apesar de muito bons, trabalhosamente limitados.

Por conta desse atraso ou incapacidade da tecnologia (não vem ao caso a diferença) em resolver essas dificuldades, as profissões não exatas ainda dependem muito da interpretação humana dos textos, falas, sons e vídeos deixando-as relativamente protegidas desse “ataque” tecnológico. Até o momento!

A verdadeira grande revolução que já começou, ainda esboça seus primeiros passos, mas é inexorável é o que eu chamo de “a aproximação das palavras aos números”. A partir do momento que as novas tecnologias conseguirem tratar estatisticamente as palavras do mesmo modo como tratam os números, e/ou quando um computador for capaz de entender totalmente todas as nuances da linguagem humana e interpretá-la (a custos acessíveis a todos) tudo será diferente. Empresas como RAVN e KIRA (apenas exemplos) já desenvolvem produtos de análise contratual incorporando essas novas tecnologias e tornando mais ágil a vida do advogado. Ainda há um longo caminho a percorrer, mas com certeza o modo como algumas profissões são exercidas será radicalmente alterado.

Sobre o autor
José Paulo Graciotti

Consultor e sócio da GRACIOTTI Assessoria Empresarial, engenheiro com especialização em Gestão do Conhecimento pela FGV, é membro da ILTA– International Legal Technology Association e da ALA – Association of Legal Adminitrators.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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