Mais um caso de impunidade

20/09/2017 às 10:44
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O artigo relata caso concreto envolvendo o crime de homicídio na sua forma qualificada, ressaltando a demora do Estado em promover o trânsito em julgado da sentença, para que haja o devido cumprimento da pena.

Cabe ao Superior Tribunal de Justiça o julgamento de recurso apresentado pelo ex-cirurgião Farah Jorge Farah, condenado pela morte, esquartejamento e ocultação do cadáver de sua paciente e amante Maria do Carmo Alves, em 2003.

Segundo informa a assessoria de imprensa do STJ, ele pede anulação do Júri, alegando nulidades, ou o redimensionamento da pena, alegando que “o comportamento da vítima deveria ser considerado como elemento favorável, por ter sido determinante para o desenrolar dos fatos criminosos”.

O relator é o ministro Nefi Cordeiro. Roberto Podval é o advogado de Farah.

Farah foi condenado na primeira instância, em 2014, a 16 anos de prisão em regime fechado, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo reduziu a pena para 14 anos e oito meses por ter confessado o crime.

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal permitiu que ele continuasse solto. No último dia 22 de agosto, o Ministério Público de São Paulo deu parecer pelo início da execução provisória.

O relator, ministro Nefi Cordeiro, atendeu o pedido do MP, negando provimento ao recurso e deferindo a execução provisória, mas o ministro Sebastião Reis Júnior pediu vista antecipada.

Ainda deverão votar os ministros Antonio Saldanha Palheiro, Maria Thereza de Assis Moura e Rogerio Schietti Cruz.

Jorge Farah era acusado de homicídio duplamente qualificado, ocultação e vilipêndio de cadáver. Ele foi denunciado pelo Ministério Público por matar e esquartejar a dona de casa Maria do Carmo Alves, sua amante, na noite de 24 de janeiro de 2003.

Farah conseguiu a liberdade provisória em 31 de maio de 2007, depois de o Supremo Tribunal Federal acolher um pedido de Habeas Corpus. O ministro Gilmar Mendes, relator do caso, considerou que não estavam mais presentes os fundamentos que justificaram sua prisão cautelar, como garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal. Para ser preso, o ex-cirurgião terá de aguardar o processo transitar em julgado.

A tese usada pelos advogados de Farah foi de legítima defesa.

“Ela [Maria do Carmo] me atacou com uma faca. Me defendi com minha bengala. Eu a empurrei e ela bateu a cabeça na parede. Eu surtei, excelência (se referindo ao juiz), e não lembro o que aconteceu”, disse.

Farah diz que não recorda de nada que aconteceu, apenas de ter se “atracado” com Maria do Carmo. O réu disse que ficou “em transe” até o domingo (o crime ocorreu em uma sexta-feira). “A gente se atracou, eu consegui tirar a faca da mão dela. Como eu fiz a sequência dos fatos, eu não sei”.

Impressiona o fato de que o acusado ainda não está preso, cumprindo pena, em execução definitiva. 

Foi um homicídio doloso cometido com incidência de qualificadora. Foi um ato covarde. 

Esse assassinato, com todos os requintes de crueldade nos faz lembrar o" crime da mala". 

No dia 7 de outubro de 1928, no pátio do armazém 13 do porto santista, a polícia abriu uma mala endereçada a Ferrero Francesco, Bordeaux (França), que seria embarcada no navio Massilia. Nela, havia o cadáver de uma jovem, de 1,66 metro de altura, cabelos castanho-claros, cortados à la garçonne, em avançado estado de putrefação. Feita a autópsia, verificou-se o aborto post mortem de um feto de seis meses. Uma menina.

As investigações conduziram a polícia até Giuseppe que, preso, falou que apenas discutira com a mulher e ela morrera de um mal súbito. Após o resultado da autópsia (morte por sufocação ou esganadura) alegou ter cometido o crime por encontrar sua esposa com um amante no apartamento do casal, versão que manteve mesmo após o testemunho de vizinhos, que ouviram a briga na manhã de 4 de outubro. Em 15 de julho de 1931, é condenado a 31 anos de prisão, por homicídio e ocultação de cadáver.

Farah não cumpriu a pena, mas Giuseppe a cumpriu. 

São crimes passionais. 

Geralmente este tipo de crime é cometido por pessoas que argumentam se sentirem pouco valorizadas por seu companheiro(a) para justificar o controle e domínio que exercem sobre ele, considerando-o uma propriedade. Neste enquadramento, argumentando ter ciúmes devido aos comportamentos do(a) companheiro(a), reais ou imaginários, que não controlam, ciúmes estes gerados por essa situação, que os levam a cometer crimes. Crime passional não é um crime tipificado no Código Penal.

Nesses crimes o homicida se apresenta como vítima.

Ele não o é: é um assassino. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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