Algumas notas sobre a mancomunhão

20/09/2017 às 14:49
Leia nesta página:

O artigo discute sobre o instituto da mancomunhão diante de recente decisão do STJ.

No site do Superior Tribunal de Justiça, observa-se que prestação de contas durante mancomunhão não depende de irregularidades(20.09.2017).  

O cônjuge responsável pela administração do patrimônio do casal tem o dever de prestar contas em relação aos bens e direitos durante o estado de mancomunhão (entre a separação de fato e a efetiva partilha), independentemente do cometimento de irregularidades na gestão dos bens.

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu sentença que julgou procedente o pedido de prestação de contas do cônjuge que ainda se encontra na administração exclusiva do acervo patrimonial comum não partilhado.

O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que, mesmo após 17 anos da separação de fato do casal, não há notícia nos autos da partilha formal dos bens comuns, sendo razoável inferir que o acervo permanece em estado de mancomunhão.

Por maioria, os ministros entenderam que é devida a prestação de contas sobre os bens mesmo sem a demonstração de irregularidades por parte do gestor.

“Isso porque, uma vez cessada a afeição e confiança entre os cônjuges, aquele titular de bens ou negócios administrados pelo outro tem o legítimo interesse ao pleno conhecimento da forma como são conduzidos, não se revelando necessária a demonstração de qualquer irregularidade, prejuízo ou crédito em detrimento do gestor”, explicou Salomão.

O relator ressaltou a existência da prestação de contas tanto no Código de Processo Civil (CPC) de 1973 quanto no de 2015. No CPC/73, segundo o ministro, havia dupla finalidade do instituto, já que ele tanto poderia ser manejado por quem tivesse o dever de prestar contas como pelo titular do direito de exigi-las. Salomão comentou que, apesar de ter uma redação diferente no CPC/15, persiste a natureza dúplice da ação de prestação de contas.

O magistrado lembrou que ambos os códigos preveem o dever de especificar a razão do pedido de prestação de contas para demonstrar o interesse de agir do autor. No caso analisado, o que é preciso verificar, segundo o relator, é se havia, de fato, interesse de agir da ex-esposa que ajuizou a ação de prestação de contas contra o ex-marido.

A mancomunhão se caracteriza como a situação jurídica da propriedade dos bens em relação ao casal. Bens que pertencem a eles de forma igual, sem qualquer distinção ou divisão ou preferência.

Isto quer dizer que não há direito individual, não havendo distinção ou hierarquia ou primazia quanto à possibilidade de exercer direitos entre ambos. Ou seja, o direito pode ser exercido de forma idêntica.

Observo a lição de Maria Berenice Dias(Manual de direito das famílias, 5ª edição, 2009, pág. 280):  

“A doutrina chama de mancomuhão o estado de indivisão patrimonial decorrente do regime de bens. Tal orientação leva boa parte da jurisprudência a negar à separação de fato e à separação judicial a possibilidade de romper o regime de bens, o que só ocorreria com a ultimação da partilha. Esta posição pode levar a injustiças enormes, pois, estando o casal separado, a posse de fato dos bens por um deles sem se impor a ele qualquer dever pelo uso, gera injustificável locupletamento”.

Há, ainda, especial atenção em relação aos bens imóveis, dando fundamento a outros institutos jurídicos, como o da necessidade da outorga uxória para alienação ou mesmo onerar tais bens.

Assim, a mancomunhão existente sobre os bens, decorrente do casamento, somente se extingue com a dissolução deste, o que atualmente se dá através de sentença judicial de separação ou divórcio ou mesmo através da escritura pública lavrada em cartório, nos casos permitidos em lei.

Cogita-se, no entanto, que o  fim do casamento muitas vezes se dá muito anteriormente à lavratura da escritura ou a prolação da sentença judicial.

A separação de fato é situação jurídica atual e que, apesar de receber tratamento do ordenamento jurídico, ainda padece de regramento quando o assunto se refere aos bens do casal.

Na mancomunhão os bens não pertencem a cada um dos cônjuges em metades ideais: pertencem ao casal, como ensinou  Pontes de Miranda (Tratado de Direito de Família, atualizado por Vilson Rodrigues, Campinas, Bookseller, 2001, p.230 apud Rel. Antonio Vilenilson, TJSP, A.C. 248.610.4/8).  Integram um patrimônio, ou seja, um complexo de relações jurídicas, contendo ativos e passivos. Disso decorre a distinção em relação ao condomínio, em que há a possibilidade de disposição de parte ideal da coisa.

É possível  se exigir o pagamento de aluguel proporcional do condômino que utiliza a coisa com exclusividade, em detrimento dos demais, com fundamento no princípio que veda o enriquecimento sem causa. Embora a lei não explicite, tal situação é admitida de longa data pela doutrina e jurisprudência (Carvalho Santos, J. M. Código Civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1943, v. VIII; Monteiro, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, vol. 4, p. 208; JTJ 122/87 e 206/27). 

É controvertida a natureza jurídica do estado dos bens do casal que se separa judicialmente ou se divorcia sem ultimar a partilha. Há entendimento no sentido de que, antes da partilha, os bens continuam a pertencer a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, em situação semelhante à que ocorre com a herança, mas sem que nenhum deles possa alienar ou gravar seus direitos. Para essa corrente, até a partilha prevalece o estado de mancomunhão; depois, caso se estabeleça um quinhão a cada um dos cônjuges, passaria para o regime de condomínio.

Já a segunda corrente sustenta que, mesmo antes da partilha, o patrimônio comum subsiste sob a forma de condomínio. Os documentos apresentados inicialmente ao Registrador embasam o seu entendimento de que o bem permaneceu em mancomunhão. Contudo, no acordo homologado no divórcio, apresentado apenas após requerimento deste Juízo, mostra a possibilidade de que o bem tenha passado ao regime de condomínio. 

Rompida a sociedade conjugal sem a imediata partilha do patrimônio comum, ou como ocorreu na espécie, com um acordo prévio sobre os bens a serem partilhados, verifica-se – apesar da oposição do recorrente quanto à incidência do instituto – a ocorrência de mancomunhão.Nessas circunstâncias, não se fala em metades ideais, pois o que se constata é a existência de verdadeira unidade patrimonial, fechada, e que dá acesso a ambos ex-cônjuges, à totalidade dos bens.

A administração do patrimônio comum da família compete a ambos os cônjuges (arts. 1.663 e 1.720 do CC), presumindo a lei ter sido adquirido pelo esforço comum do casal, sendo certo que o administrador dos bens em estado de mancomunhão tem a obrigação de prestar contas ao outro cônjuge alijado do direito de propriedade, sendo certo que o administrador dos bens em estado de mancomunhão tem o dever de preservar os bens amealhados no transcurso da relação conjugal, sob pena de locupletamento ilícito. 

Decidiu o Superior Tribunal de Justiça que:  “Na separação e no divórcio, sob pena de gerar enriquecimento sem causa, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco.”.

No AgRg no REsp 1278071 MG 2011/0151459-7,11 de junho de 2013:  tem-se que: 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ARBITRAMENTO DE ALUGUEL. IMÓVEL DE PROPRIEDADE COMUM DOS CÔNJUGES. SEPARAÇÃO JUDICIAL EM CURSO. INEXISTÊNCIA DE PARTILHA DE BENS. IMPOSSIBILIDADE DA COBRANÇA DE ALUGUEL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283/STF. DECISÃO MANTIDA.

1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, é possível o pedido de arbitramento de aluguel pela ocupação exclusiva do imóvel por um dos ex-cônjuges somente após a separação judicial e a partilha dos bens. Precedentes.

2. O recurso especial que não impugna fundamento do acórdão recorrido suficiente para mantê-lo não deve ser admitido, a teor da Súmula n. 283/STF.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

REsp 1.250.362-RS, Rel. Min. Raul Araújo, por maioria, julgado em 8/2/2017, DJe 20/2/2017.

Na separação e no divórcio, o fato de certo bem comum ainda pertencer indistintamente aos ex-cônjuges, por não ter sido formalizada a partilha, não representa automático empecilho ao pagamento de indenização pelo uso exclusivo do bem por um deles, desde que a parte que toca a cada um tenha sido definida por qualquer meio inequívoco. 

REsp 1.537.107-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 17/11/2016, DJe 25/11/2016.

Verificada a existência de mancomunhão, o pagamento da expressão patrimonial das cotas societárias à ex-cônjuge, não sócia, deve corresponder ao momento efetivo da partilha, e não àquele em que estabelecido acordo prévio sobre os bens que fariam parte do acervo patrimonial. 

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Ensinou Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo VIII, Booseller, atualizado por Vilson Rodrigues Alves, pág. 411) “que durante o tempo em que permanecerem indivisos os bens da comunhão, continuam a pertencer à massa e entram em partilha as acessões sobrevindas, por qualquer modo que se dêem, e os frutos e os rendimentos, não por efeito da sociedade conjugal que já deixou de existir, mas pelos princípios seguintes, que constituem os fundamentos, histórico e racional, dessa praxe transfundida à Ordenação do Livro IV, Título 96, § § 3 e 7, e agora ao Código Civil, artigo 1778; a) pela dificuldade de se distinguir, rigorosamente, a origem dos frutos, presumem-se provenientes dos bens da comunhão; b) os aumentos e os produtos da coisa indivisa pertencem aos coproprietários, na medida do quinhão”. 

Só não se incluem na classe os bens partilháveis os adquiridos depois da abertura da sucessão pelo cônjuge sobrevivente, a título gratuito ou, ainda que a título oneroso, sem o concurso dos capitais, negócios, transações e direitos comuns. Não são, portanto, comunicáveis, depois de dissolvida a sociedade conjugal: as coisas doadas ou herdadas, os honorários do médico, os vencimentos do emprego ou do ofício etc. Tais aquisições constituem, pelo fato de não mais existir a sociedade conjugal, propriedade particular de quem as conseguiu ou ganhou, como ensinou Pontes de Miranda (obra citada, pág. 412). 

Na prestação de contas, o objeto do litígio é o acertamento sem importar o resultado.

Pode ocorrer que, ao final, aquele que pedia contas ou aquele que pretende prestá-la, ao final, tenha contra si saldo devedor. Mas o objetivo do pedido será a prestação de contas.

O saldo positivo que favorece a qualquer dos contentores é declarado na prestação de contas, constituindo título executivo judicial, que, uma vez satisfeito o requisito da exibilidade, poderá ser cobrado executivamente.

Pergunta-se pelo vínculo que decorre de processo ou de procedimento judicial. Na situação do inventariante, por exemplo. O vínculo jurídico anterior, autorizativo da prestação de contas, pode ocorrer em razão de processo ou de procedimento judicial, como se dá nos casos de inventariante, tutor, curador, depositário ou outro administrador. Essas contas deverão ser prestadas em apenso.

Quando alguém se julgar no direito de pedir contas, deverá propor ação, fazendo constar da exordial, além dos requisitos comuns, o vínculo anterior que vier a exigir o acertamento, com todas as suas especificações, requerendo a citação do réu, para no prazo da lei contestar o pedido.

Carecedor de ação, por falta de interesse de agir, será o que não demonstrar vínculo jurídico que  o leve a pedir contas.

A sentença que julga procedente o pedido de prestação de contas tem natureza condenatória, mas, com força mandamental, sendo o réu condenado a prestá-la em 48 horas no prazo da lei processual anterior. Se o réu apresentasse as contas, o autor seria ouvido em cinco dias, no que determinava o artigo 915, parágrafos primeiro e terceiro, do CPC 1973. Por fim, não apresentadas as contas pelo réu em 48 horas, poderia o autor fazê-lo nos dias seguintes ao encerramento do prazo, contado em horas.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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